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BRASIL

Bahia: A violência que não constrange o governador

Manoel Faustino, de Salvador (BA)
Reprodução

“De geração em geração, todos no bairro já conhecem essa lição. E eu ainda tentei argumentar mas, tapa na cara pra me desmoralizar.
Tapa na cara pra mostrar quem é que manda, pois os cavalos corredores ainda estão na banca”
(Tribunal de Rua, O Rappa.)

 

Domingo 03 de janeiro, subúrbio de Salvador. O que seria mais uma abordagem policial de “rotina” se tornou em mais um, dos incontáveis exemplos, das infames “duras”. Assim são conhecidas entre os populares as abordagens que rapidamente evoluem para uma ação gratuita de violência desmedida, abuso de poder, e com infeliz frequência até mesmo execuções.

“Você pra mim é um ladrão. Você pra mim é vagabundo! Essa desgraça desse cabelo. Tire aí [O chapéu] vá! Essa desgraça aqui. Você é trabalhador é, viado!”. Foi com essas palavras que um policial militar se dirigiu à um jovem já rendido e sem oferecer resistência. Um jovem “escolhido” para abordagem junto a outros dois por serem “suspeitos”, em atitude “suspeita”, em uma região “suspeita”. Ou seja, traduzindo: Por serem negros, estarem andando na rua, num bairro periférico.

A violência e o racismo institucional já começa com a permanência da associação entre raça e crime, pobreza e violência. É a suspeição de inocência, um princípio inverso ao da garantia constitucional da presunção de inocência. Passados 132 anos da abolição, nós negros ainda somos tratados como classe perigosa, e nos centros de treinamento das polícias nosso biótipo é o suspeito, nossas vielas e ruas periféricas são reproduzidas para que os futuros policiais aprendam como atuar em “território inimigo”, as nossas comunidades.

É esse tipo de doutrina, preenchida até a medula de racismo, que já forma os agentes policiais desde o seu ingresso a atuarem dentro de uma lógica de guerra contra um inimigo interno: Os negros. A consequência disso está nos números já conhecidos da altíssima letalidade das polícias militares em todo o Brasil.

Voltando a fatídica abordagem do último domingo em Salvador, por conta das novas tecnologias e das redes sociais, o que era pra ficar nas sombras da invisibilidade ganhou enorme repercussão. Em entrevista à um telejornal, o Coronel Sturaro (homem de confiança do governador petista Rui Costa) se defendeu dizendo que esse policial seria exceção e não agiu conforme a “rígida doutrina da corporação”.

O que seria então a normalidade dentro da rígida doutrina da corporação? Seriam os 412 casos de morte em ações da polícia militar em 2016? Ou o número ainda maior, 610 mortes, contabilizadas em 2017? Seriam os dados apresentados pela Defensoria pública que revelaram que 99% dos presos em Salvador entre 2016 e 2018 eram negros com renda de até dois salários mínimos? Ou seria ainda a chacina do Cabula na Vila Moisés, até hoje impune e celebrada pelo governador Rui Costa como gols marcados pelos policiais?

A criminalização da pobreza e associação entre raça e suspeição de inocência é uma mola mestra da engrenagem policial. Tanto o Coronel Sturaro quanto o seu chefe Rui Costa tem compromisso com a manutenção dessa engrenagem. O vídeo que visualizou nas redes em nada os constrangem, em nada os incômoda. Quem se constrange, se incômoda, e se revolta somos nós, a sociedade, ao ouvir que se trata de ação isolada de ” uma maçã podre dentro do cesto da corporação”. Coronel Sturaro e governador Rui Costa, é a corporação militar que é a maçã podre dentro do cesto da sociedade.