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Colunas

Os rios reocupam as ruas de Belo Horizonte

Grandes chuvas viraram sinônimo de contagem de corpos na capital mineira

Reprodução jornal O Tempo

Vila Bernadete

Politiza

Jovem e mãe, Iza Lourença é feminista negra marxista e trabalhadora do metrô de Belo Horizonte. Eleita vereadora em 2020 pelo PSOL, com 7.771 votos. Também coordena o projeto Consciência Barreiro – um cursinho popular na região onde mora – e é ativista do movimento anticapitalista Afronte e da Resistência Feminista.

Pela imprensa, parece que o problema é o volume de chuva nunca antes visto na cidade. “O problema é que está chovendo muito”. É verdade que nos últimos dias o volume de chuva foi grande e possivelmente a maior da história de Belo Horizonte. Mas minha opinião é que tem alguma coisa errada com uma cidade que não está preparada para suportar um fenômeno natural como a chuva. Aliás, tem muita coisa errada.

Uma urbanização desastrosa, baseada em um modelo de cidade concentrado no centro e sem nenhuma preocupação ambiental. Um modelo de cidade insustentável. Isso faz com que sucessivos governos tenham construídos grandes avenidas por cima de rios. Cursos d’água tampados com cimento para que? Para construir grandes avenidas ligando os bairros ao centro.

Era possível ser diferente? Sim. Era possível investir em meios de transporte que não fosse o rodoviário e fossem ambientalmente sustentáveis. Era possível não asfaltar tudo. Era possível não tampar os rios e não acabar com as áreas verdes que davam vasão a eles. Era possível não construir prédios onde deveria ser margem de rios.

Um dos casos mais alarmantes em BH é o da Vila Bernadete, aqui no Barreiro. Isso porque o prefeito Marcio Lacerda criou uma Bacia de Contenção do córrego Bom Sucesso, para que diminuísse a chegada de água no Rio Arrudas, que foi canalizado e costuma alagar a avenida Teresa Cristina. Ou seja, para diminuir as enchentes na Avenida Teresa Cristina, o ex prefeito Márcio Lacerda criou uma bacia de contenção sobre as cabeças dos moradores da Vila Bernadete. Com a quantidade alta de chuva que está atingindo BH, a bacia transbordou e a defesa civil retirou a população de suas casas avisando sobre o risco de rompimento. Além disso, a chuva já provocou desmoronamento de casas na Vila, que causou a morte de 6 pessoas.A situação da Vila Bernadete é emblemática para entendermos que não há solução possível se o poder público continuar tratando apenas as consequências dos problemas em vez de tratar as causas. Em outras palavras, não há como acabar com as enchentes e deslizamentos se o poder público continuar criando soluções de cimento para contenção da água, ao invés de descanalizar pelo menos parte dos rios e preservar suas margens com solo permeável para que as águas sigam seu curso natural. Planejamento urbano deve, necessariamente, levar em conta a rede hidrográfica da região.

Quem governa Minas Gerais?

O grande problema na realidade é que ninguém quer debater a solução de fato. A grande imprensa foca na tragédia que essa situação provocou na vida das pessoas, mas em nenhum momento apresenta debates sobre possíveis soluções de longo prazo, sequer cobra isso do poder público. Curioso que para os grandes jornais aparentemente ninguém governa o estado de Minas Gerais. Os alagamentos e desmoronamentos não aconteceram somente em BH. Atingiu em cheio cidades do interior, como Manhuaçu, e cidades da região metropolitana, como Sabará e Contagem. Zema chegou a sobrevoar algumas regiões, mas não teve coragem de pisar no barro e, quando falou sobre o assunto, culpabilizou as vítimas, dizendo que só ocorreram mortes porque as pessoas não obedeceram o alerta de evacuação da Defesa Civil. Gostaria de saber se o governador está preocupado em saber se essas pessoas que tiveram que sair correndo das suas casas tinham para onde ir. Gostaria de saber se Zema está disposto a resolver o problema do péssimo planejamento das cidades que ocasionou essa situação para pessoas que perderam tudo. Aparentemente não.

Quem está fazendo o trabalho inicial de receber famílias atingidas por essa situação, muitas vezes, são as igrejas, escolas e associações de bairro. A negligência do Estado é alta. Apesar do trabalho dos funcionários das regionais e de trabalhadores da prefeitura, muitas famílias ainda não sabem o que fazer ou recebem informações contraditórias. Precisamos cobrar um plano emergencial dos governos Federal, Estadual e Municipal para resolver a situação das enchentes e dos desabrigados. Não adianta orientar que as pessoas voltem para suas casas e esperem novamente a sirene tocar para que elas saiam correndo novamente – quem não conseguir sair correndo, entra para a estatística de vítimas. Além disso, podemos ser ativos nas campanhas de solidariedade.

Finalizo com a importância de dizermos que sim, é possível construir uma cidade que comporte fenômenos naturais como grandes quantidades de chuva que obviamente podem voltar a ocorrer. Muitos especialistas nesse assunto, principalmente da UFMG, já apresentaram estudos apontando esses problemas e as soluções para BH. Para não vivermos essa situação novamente nos próximos anos, é necessário buscar soluções definitivas para a cidade. Isso passa, necessariamente, por pesados investimentos públicos, reversão da impermeabilização do solo urbano, descentralização das atividades da cidade, enfrentamento à especulação imobiliária e aos empresários do transporte rodoviário, obras públicas nas periferias e áreas de risco e um novo modelo de cidade que respeite as características hidrográficas e naturais da região.