No Brasil, há hoje quase dois milhões de benefícios que deveriam ter sido ou começado a serem pagos pelo INSS para pessoas que trabalharam a vida inteira, que estão enfermas, mentalmente adoecidas, inválidas e que querem apenas sobreviver com o mínimo de dignidade. O governo está em dívida com essas pessoas. E absolutamente nada acontece com nenhuma autoridade no país, ninguém é punido, multado, pressionado e obrigado a pagar quem tem direito.
Da mesma forma, há vários trabalhadores do funcionalismo publico estadual e municipal que estiveram nesses últimos dois anos com os seus salários atrasados, ou seja, o estado ficou em dívida com esses trabalhadores. Absolutamente nada aconteceu com os governos e autoridades responsáveis pelo atraso dos salários. Os artifícios que existem nas leis, principalmente após a reforma trabalhista, são frágeis, não obriga nenhum governante ter responsabilidade social ou trabalhista. E o poder judiciário na maioria das vezes fica do lado mais forte.
Agora, basta apenas um pequeno sinal que o governo terá alguma dificuldade no orçamento para garantir benefícios fiscais para grandes grupos econômicos ou que atrasará alguma parcela dos juros da dívida publica aos banqueiros… O “apocalipse” surge do dia para noite na terra. O dólar sobe, a bolsa cai, fuga de investimentos estrangeiros, a grande mídia cria um clima de terrorismo com o seguinte discurso: “Se não votar a reforma da previdência e se não acabar com o privilegio do funcionalismo o país não vai crescer, vai quebrar, não vai gerar empregos”.
Porque o dólar nunca saiu do controle quando o salário do professor atraso? A Bolsa nunca caiu quando a fila do INSS aumentou… Pelo contrário, o mercado ficou animado com a noticia de congelamento dos salários dos servidores públicos, afinal, vai sobrar mais no orçamento para os compromissos do governo com os credores, megaempresários e especuladores financeiros ( Que é o pessoal que anda de Iate e Jatinho, certo?).
O jatinho do Véi da Havan e a fila do INSS
Luciano Hang é um dos homens mais ricos do país, um bilionário que recentemente comprou um jatinho para uso particular no valor de R$ 250 milhões ( informação amplamente divulgada pela imprensa e pelo próprio Hang). Para termos a dimensão dessa cifra, basta comparar com os gastos que o governo terá na convocação de 7 mil militares da reserva para trabalhar no INSS. Segundo o próprio governo, o custo da medida será de cerca de R$ 14,5 milhões por mês. Ou seja, o jatinho da Havan pagaria 1 ano e meio dos salários e custos da convocação dos militares para tentar diminuir a fila do INSS.
Mas se você está achando tudo isso um absurdo, essa situação é ainda mais escandalosa. Pois, todo o sucesso econômico de Luciano Hang está alicerçado em dois pilares. O primeiro é a sonegação de impostos e as dividas que Hang tem com o próprio INSS, no qual foi condenado em 1999. Mas escapou de cumprir a sentença por conta do Refis promovido pelo governo federal, renegociando sua divida num prazo suave e absolutamente confortável de mais de cem anos.
O segundo pilar do sucesso do bilionário da Havan, é a facilidade que ele encontrou( mesmo sendo um devedor) de empréstimos via BNDES. Foram mais de 50 linhas de financiamento com dinheiro publico, abrindo centenas de lojas por todo país. Com uma dívida de R$ 168 milhões com a Receita Federal e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que deve ser quitada apenas em 115 anos, o empresário Luciano Hang comprou um Bombardier Global 6000, jato executivo mais caro entre os cinco mais vendidos do mundo.
A legislação brasileira elaborada no Congresso Nacional e todo o arcabouço jurídico conspira para que um punhado de gente como Luciano Hang, possa ficar bilionário, mesmo devendo milhões a previdência social. Ao mesmo tempo em que cresce o desespero de milhões nas filas do INSS. Assim, fica fácil entender que o atraso das concessões das aposentadorias, ou o atraso dos salários dos servidores públicos, acabam financiando o jatinho do “Véi da Havan”. Todo esse sistema, o qual o orçamento publico é facilitado aos ricos e restringido aos pobres, explica o fato do Brasil ser o segundo país mais desigual do mundo, perdendo somente para o Catar.
A reforma da previdência, a lei de responsabilidade fiscal, a emenda constitucional que limita o teto de gastos impedindo investimentos sociais e congelando salários, a proposta de reforma administrativa que propõe congelamento, diminuição dos salários do funcionalismo e fim da estabilidade. São parte da legislação que protege e garante o pagamento religioso e obrigatório dos juros da divida aos credores dos governos. O governante ou autoridade que não cumprir tais leis pode sofrer duras consequências como perda do mandato e até prisão.
Só para dar dois pequenos exemplos da Lei de Responsabilidade Fiscal:
Deixar de adotar as medidas previstas na lei, quando a Despesa Total com Pessoal ultrapassar o limite máximo do respectivo Poder ou órgão (LRF, art. 23). | Reclusão de um a quatro anos (Lei nº 10.028/2000, art. 2º). |
Manter gastos com inativos e pensionistas acima do limite definido em lei (LRF, artigos 18 a 20; art. 24, § 2º; art. 59, § 1º, inciso IV). | Cassação do mandato (Decreto-Lei nº 201, art. 4º, inciso VII). |
Não estamos defendendo que não se deve ter atenção e cuidado com o dinheiro público e descontroles fiscais, isso deveria ser uma obrigação de todo governante. O que queremos destacar é a escandalosa contradição de um sistema, que não existe leis com força suficiente para impedir que os governos fiquem em dívida com trabalhadores. A legislação está claramente construída para fazer os governos federal, estaduais e municipais honrarem com prioridade máxima os compromissos com o grandes empresários e banqueiros, mesmo que milhões morram na fila do INSS. Mesmo que milhões de servidores públicos fiquem sem salários no natal. Mesmo que milhões de pessoas sofram com atendimento precário nos serviços públicos. É o necro – liberalismo sendo aplicado sem nenhum abalo moral…
Por que será que não há uma lei que suspenda o pagamento da divida aos banqueiros, todas as vezes que atrasar o pagamento dos benefícios do INSS ou os salários dos professores?
“Tem que acabar com privilégios do funcionalismo publico” é o discurso dos ricos que está na boca de muito trabalhador honesto que está sendo desinformado pela grande mídia
Para conseguir capturar o orçamento do estado, o capital precisa impedir fluxo de investimentos em projetos sociais, nos serviços públicos como saúde e educação, na democratização do acesso a benefícios e na valorização do funcionário publico. Essa é a lógica da Reforma Administrativa, da PEC emergencial inclusive e das privatizações…
Nessa guerra pelos fundos públicos, é preciso em primeiro lugar ganhar a opinião publica. Mesmo que para isso os governos e aliados tenham que financiar mentiras e injetar na veia do povo a sua ideologia via os grandes meios de comunicação que aplica doses cavalares do discurso do “estado mínimo” de manhã, pela tarde e a noite… Pelo radio, jornais, TV e redes sociais. Boa parte da população pobre e sem tempo para se informar com qualidade, acaba se desinformando pela grande mídia. Muitos acabam apoiando seus próprios algozes…
Mas vamos aos dados da realidade, porque isso a Globo, a TV Record e as outras grandes emissoras, as grandes igrejas e os partidos dos ricos não vão mostrar a ninguém:
Para aprovar a Reforma Administrativa, na propaganda do governo existe a defesa de que há um numero absurdo de funcionários públicos com grandes salários e que isso precisa acabar. Mas se compararmos o Brasil com outras nações, não estamos com um numero de funcionários públicos fora de controle. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos. São números parecidos com os demais países da América Latina. Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa está empregada no serviço público.
A verdade é que existe um deficit de funcionários públicos em vários órgãos governamentais, a crise do INSS é a expressão dessa realidade. E o governo quer resolver o problema convocando de maneira privilegiada e sem concurso publico militares da reserva aposentados, que já recebem os seus salários, num país que tem mais de 10 milhões de desempregados. Esses militares não tem experiência na área, terão que passar por treinamento, absorvendo funcionários que deveriam estar atendendo a população, atrapalhando ainda mais a resolver o problema. O próprio governo confessa que essa medida não vai zerar a fila, pois todo mês chegam mais de 1 milhão de pedidos no INSS.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público formada por deputados e senadores, elaborou um documento inédito, intitulado “O Lugar do Funcionalismo Estadual e Municipal no Setor Público Nacional (1986-2017). Esse estudo mostra que o número de servidores nas prefeituras aumentou de 1,7 milhão para 6,5 milhões no período analisado. Nos Estados, a elevação foi de 2,4 milhões para 3,7 milhões. E na esfera federal a expansão foi de 1 milhão para 1,2 milhão.
Esse mesmo estudo diz ainda que a expansão do emprego no setor público ocorreu em sintonia com o número de empregos no setor privado. Em 1986, 3,8% da população tinha vínculos de trabalho com o setor público, e 20,2%, com o setor privado. Em 2017, eram 5,5% e 25,5%, respectivamente.
Em 1986 o Brasil tinha aproximadamente 138,5 milhões de habitantes, em 2017 chegou a 209,3 milhões, segundo os números do IBGE. Ou seja, de 1986 a 2017 houve um crescimento de 50,7% da população brasileira que demanda de alguma forma por serviços públicos. Ao compararmos o crescimento demográfico do país com a expansão dos servidores públicos no mesmo intervalo de tempo, é fácil notar que o numero de funcionários públicos não acompanhou o crescimento populacional na mesma proporção. É por isso que existe uma percepção de ineficiência do estado, no qual muita gente mal intencionada aproveita para fazer propaganda que o privado é mais eficiente que o público.
Comparamos ainda a expansão dos servidores públicos com quanto a população pagou de imposto em relação ao PIB da década de 80 até hoje. Verificando vários estudos, mesmo com variações nos números, podemos concluir que a população paga quase o dobro de impostos, ao mesmo tempo em que o alcance dos serviços públicos encolheu no mesmo período. Na pratica, a maioria do povo brasileiro, trabalha mais dias para pagar seus impostos e tem menos serviços públicos a sua disposição. Isso só se explica, pelo fato, de uma parte cada vez menor da população estar se apoderando cada vez mais do PIB do país.
Ver em:
2: Revendo mitos a respeito da carga tributária
3: Os Impactos da alta carga tributária para o desenvolvimento do Brasil
É preciso ainda lembrar, que os servidores públicos federais concursados pelo RJU, não têm direito a fundo de garantia e nem a negociação coletiva via data-base. Estão com os salários defasados com três anos sem reajuste da inflação. Destaca-se também, outras categorias de servidores estaduais e municipais que ficaram com salários atrasados pelo país recentemente.
A estabilidade no emprego é outro ponto que está sob ataque na reforma administrativa, segundo o discurso do governo e da grande mídia, a estabilidade é um privilégio que precisa acabar. Em relação a esse tema é preciso resgatar dois elementos muito importantes: O primeiro é que a estabilidade no funcionalismo publico é uma defesa institucional para o servidor não perder o emprego por perseguição política caso denunciar mal feitos ou discordar de alguma ordem equivocada de chefes e/ou políticos irresponsáveis. Afinal de contas, o funcionário publico tem responsabilidade com o patrimônio publico e para conseguir exercer sua autoridade na defesa dos direitos do cidadão diante de qualquer autoridade é muito importante que seja garantida a sua estabilidade, que se dá através de concurso publico, estagio probatório de três anos e avaliações periódicas. A estabilidade via concurso publico, evita que o órgão publico seja capturado por grupos políticos através da pratica do QI ( Quem indica), cujo o objetivo não é atender a população, mas privilegiar interesses econômicos e privados.
Cabe destacar ainda que não é verdade que os servidores públicos nunca podem ser demitidos quando se envolvem com irregularidades. Só para ficar num exemplo, segundo a Controladoria Geral da União, de 2003 a 2018 foram demitidos por alguma irregularidade mais de sete mil servidores públicos federais.
É preciso também considerar que não é ruim para os trabalhadores em geral que os postos de trabalho no funcionalismo tenham qualidade e garantam uma vida digna. Quanto mais trabalho de qualidade existir, mais são as chances de um trabalhador, do seu filho, parentes e amigos tem de conseguir através do seu esforço pessoal um bom emprego. É preciso defender os bons empregos e não ajudar a destruí-los… O mais inteligente é atacar os verdadeiros privilegiados, ou seja, os banqueiros e os bilionários desse país que andam de jatinho e tem o dever moral de pagar mais impostos. Mas o próprio sistema se encarrega muitas vezes de colocar o trabalhador para brigar com trabalhador. Aquele que tem pouco briga com quem tem quase nada. Enquanto isso, mais um jatinho é vendido… Aliás, você sabia que jatinho não paga imposto e o povo que tem um carrinho popular paga um absurdo de IPVA?
Adoecimento mental no funcionalismo público
Há vários estudos demonstrando que em várias categorias de servidores públicos das três esferas ( municipal, estadual e federal), o adoecimento mental é uma das principais causas de afastamento do servidor do seu posto de trabalho. Estresse grave, crise de ansiedade, depressão são os diagnósticos mais encontrados. A pressão do atendimento ao publico, o assedio moral e institucional somado a precarização das condições de trabalho tem levado muitos servidores a ruína mental.
Essa situação se desdobra em mais problemas, o afastamento do servidor diminui o alcance e eficiência do serviço publico ao mesmo tempo em que a população continua pagando a cada ano mais impostos para ter um serviço publico de qualidade, como já demonstramos. Os governos prestam pouca atenção na saúde do trabalhador, os planos de saúde cobram absurdos, tem aplicado aumentos muito superiores a inflação e tudo se agrava com a propaganda da grande mídia colocando a população contra o servidor publico na tentativa de caracterizá-lo como um privilegiado que não quer trabalhar. Colocamos aqui para conhecimento publico alguns dos vários estudos e reportagens sobre esse tema:
1. Transtorno mental e principal causa de afastamento do trabalho
2. Transtornos mentais foram a principal causa de afastamento da saúdem em 2018
3. Doenças mentais são a segunda maior causa de licenças de saúde para servidores públicos municipais
4. Insegurança e adoecimento psicológico atingem servidores públicos federais
A ofensiva contra os servidores públicos é um projeto de diminuição do estado e do valor do trabalho em escala global. É preciso lutar, é possível vencer
A reforma administrativa e as privatizações são parte da ofensiva de Paulo Guedes e Bolsonaro para diminuir o alcance dos serviços publicos e desvalorizar o trabalho dos brasileiros. Eles inventam um discurso para convencer a população que esse caminho vai gerar prosperidade, mas o real é que o governo Bolsonaro é um facilitador para que o grande capital se apodere do patrimonio e orçamentos públicos, pagando cada vez menos salários e tributos. Essa é a formula que estão aplicando para dar folego ao capital que está em crise. Ou será que o leitor acredita que entregar comida numa bicicleta sem nenhum direito trabalhista é exemplo de prosperidade?
Todas as engrenagens, instrumentos e planejamentos que são utilizados e elaborados pelos três poderes da republica estão atravessados por eixos ideológicos que tem fundamento nos pilares que dão sentido e sustentação ao capitalismo. A defesa da propriedade privada contra os espaços públicos, o lucro acima das demandas coletivas, e a permissão para que seres humanos e toda a natureza possam ser explorados até o limite de sua condição biológica. Em relação a esse ultimo, o tamanho da permissão para explorar pagando cada vez menos em troca do trabalho vendido, vai de acordo com a balança da luta de classes no mundo.
Em épocas que os senhores do poder, através dos seus poderosos mecanismos de propaganda ideológica, e/ou através da violência, convencem e/ou resignam a maioria do povo a pensar que o capitalismo é o sistema que deu certo e que todos devem aceitar o seu destino em nome de Deus, da família, da meritocracia, da lei, da ordem, da tradição… São momentos históricos que os capitalistas avançam concentram mais riquezas e o povo amarga mais sacrifícios absolutamente desumanos. Há também momentos históricos que são o oposto disso. A força das ideias revolucionárias nascem e crescem nas contradições do sistema capitalista, que quando mais se inflamam, mais abre possibilidades para a organização daqueles que passam a concluir que não são obrigados a aceitar o seu destino trágico e começam a perceber que o capitalismo é um sistema que desumaniza, mata e oferece vida plena e estável para uma parcela muito minoritária da população. Para exemplificar, se olharmos para a América Latina, talvez hoje o Brasil esteja começando a viver um momento de retrocessos e o Chile começa a viver uma situação revolucionária… Aqui o capital avança, no vizinho, o capital começa a recuar…
Várias categorias do funcionalismo publico e das empresas publicas no Brasil precisam despertar e resistir contra a tentativa dos governos de arrancar as vísceras dos direitos sociais dos servidores e da população em geral. Se posicionando contra a entrega de empresas de excelência para a ganancia do capital. No momento em que escrevemos esse artigo os servidores do DataPrev estão em greve lutando para impedir a privatização e na defesa de seus empregos. Não é difícil entender porque a Google e a Amazon querem comprar e tomar conta dos dados de milhões de brasileiros que são administrados pelo Serpro e pelo DataPrev que são estatais de ponta. O mais importante são os interesses do mercado, e não a vida das pessoas. Assim, o próprio poder publico e as autoridades contribuem para a desigualdade social avançar, quando prioriza os recursos do estado no atendimento dos interesses do mercado.
Organizar a resistência contra toda essa lógica mesquinha, nos exige a disposição de construir uma ampla unidade para lutar contra toda essa ofensiva. Vamos precisar de acumular forças que possam mover milhões nas ruas, e que faça um processo de agitação e propaganda com folego para ganhar a opinião publica, impedindo o avanço dos planos do governo Bolsonaro e dos governos estaduais.
O dia 18 de março está conseguindo confluir uma série de organizações sindicais e movimentos populares para construir grandes mobilizações. E junto com as manifestações das mulheres no dia 08 de março, serão as tarefas mais importantes para a luta de classes nesse inicio de 2020 no Brasil. Mãos a obra!
*Gibran Jordão é Historiador.
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