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TEORIA

A atualidade de Lenin para nossos dias (um diálogo com The Intercept)

Lucas Scaldaferri, de São Paulo (SP)

Um texto ruim, onde os autores desconhecem a história da revolução russa e o papel de Lênin, foi oferecido pelo The Intercept ao público brasileiro. O site vem cumprindo um papel progressivo e decisivo ao divulgar a corrupção do sistema judiciário brasileiro, em especial o autoritarismo do herói da extrema direita, da direita e da centro-direita: Sérgio Moro. Isso, todavia, não impede que seja criticado.

O bom jornalismo não é aquele que concordamos, mas sim o que se baseia em uma profunda análise dos fatos e se orienta pela busca da verdade. O texto “elogiar ditadores é a melhor maneira de a esquerda continuar perdendo” é um artigo político que causa confusão e falsa polêmica na esquerda, justamente porque o prestígio do site Intercept se encontra basilado na busca pela verdade.

O texto é anacrônico e, ao contrário do que seus autores pensam, não ajuda em nada no debate público brasileiro. Na verdade contribui com a visão deturpada de que comunismo e nazismo são irmãos siameses.

Quem foi Lênin?

Lênin foi o líder político mais importante do século XX. Seu legado de organização e educação dos de baixo, teve como um dos seus méritos inserir na arena política a massa dos despossuídos, dos subalternos que até então só serviam para a servidão capitalista. A cidadania burguesa com o direito dos trabalhadores votarem foi uma conquista do movimento operário, anterior a Lênin na verdade. Mas foi com o comunista russo que a participação política do proletariado ganhou contornos estratégicos orientando a luta política para a conquista da hegemonia e do poder do Estado.

Lênin lutou durante anos contra uma ditadura terrível. Soube aproveitar as brechas democráticas e transitar para ilegalidade quando o cerco fechava. No exílio seguiu estudando e orientando seus camaradas de partido dentro da Rússia. Outro grande mérito de Lênin foi ter percebido que a luta dos trabalhadores não terminaria com o fim da ditadura do Czar, mas superando a democracia dos ricos, como ele chamava a democracia liberal burguesa.

Mas o líder dos bolcheviques, como entrou para história sua corrente política, acreditava que a luta para derrotar o capitalismo não terminava nas fronteiras nacionais da mãe russa. O sistema econômico, político e militar que colonizava povos, gerava guerras e a espoliação de nações precisava ser destruído. Seu combate nesse sentido era apresentar uma saída contra o imperialismo.

Teria sido Lênin um ditador sanguinário?

A coalizão liderada pelos bolcheviques tomou o poder em 1917 na Rússia realizando um feito histórico e que mudou definitivamente a história. Para Lênin o mais importante era livrar o povo da fome, realizar reforma agrária no latifúndio semi-feudal que resistia ao novo século e poupar as vidas ceifadas na guerra imperialista iniciada em 1914.

Não é lembrado que no dia da revolução dos operários e camponeses quase não teve mortos. Qualquer capital brasileira tem mais mortes violentas numa noite de sábado do que tiveram as cidades russas de Petrogrado e Moscou durante a insurreição revolucionária. O movimento das massas russas foi tão forte e avassalador que tomou o poder sem derramamento de sangue.

Violento mesmo foi a reação dos liberais do restante da Europa que financiaram uma sanguinária guerra civil na Rússia, levando o país ao caos. A autodeterminação do povo russo de construir a República dos Sovietes foi um insulto ao pensamento liberal ocidental.

A democracia dos ricos é a ditadura do capital

A democracia liberal tolera a miséria e a exclusão da maior parte da humanidade para que uma minoria possa seguir vivendo no luxo. Em um país como o Brasil um punhado de 6 capitalistas concentrava, em 2017, segundo estudo da Oxfom, a mesma riqueza que metade da população brasileira, ou seja, 100 milhões de pessoas.

A democracia dos ricos é recheada de um conteúdo antidemocrático contra o povo. É num sentido uma espécie de ditadura contra os pobres, afinal como exercer direitos democráticos trabalhando 12h por dia, com a barriga vazia ou com água poluída em casa?

A atualidade de Lênin para os tempos sombrios de Bolsonaro

Lênin foi um verdadeiro arquiteto da organização política para o combate. Apostou todas as fichas nas saídas coletivas para o povo e na forma partido para a vanguarda. Mesmo nos momentos mais difíceis de repressão e tirania, buscou explicar que os lutadores não poderiam atuar de maneira espontaneista ou com atitudes vanguardistas, pois ambas levariam ao afastamento das massas trabalhadoras. A melhor forma de combater um inimigo poderoso é estando organizado, apostando na construção coletiva e democrática.

Lênin foi o pensador mais influente das lutas de resistência na América Latina, na África, Oriente Médio e Ásia. Todo movimento de libertação nacional que triunfou no terceiro mundo teve a influência das suas ideias. Num país governado por um subserviente do imperialismo ianque, a luta antiimperialista é tarefa fundamental.

Os editores do Intercept, infelizmente, não compreendem nem a grandeza do pensamento de Lênin e tampouco os fundamentos da luta política contra o governo neo-fascista de Bolsonaro. Acreditam que vão parar a sanha autoritária do capitão gerando gentileza e com diálogo. Com este pensamento, estarão em desvantagem, justamente quando o neofascismo criminaliza Glenn Greenwald e toda a equipe do portal. Nós estaremos, sem dúvida, na defesa de Glenn e do Intercept. Mas, para defender as conquistas democráticas normatizadas na semi-destruída Constituição de 1988, a esquerda brasileira e todos os que defendem as liberdades estariam melhor preparados se conhecerem os fundamentos  do pensamento leninista.