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MOVIMENTO

Sindicalismo de Schrödinger

Cauê Campos*, de São Paulo (SP)
Rovena Rosa / Agência Brasil

Protesto em 2017, contra a reforma da Previdência

 

Erwin Schrödinger desenvolveu em 1935 um exercício teórico para demonstrar o Princípio da Incerteza de Heisenberg, este experimento mental ficou conhecido como “Gato de Schrödinger”. 

Segundo ele, um gato seria colocado em uma caixa sem frestas ou transparências, com um frasco de veneno, um contador Geiger (usado para medir radiação) e um martelo. Caso o contador fosse acionado, o frasco de veneno seria quebrado pelo martelo. Conclui Schrödinger que o gato está vivomorto – isso é diferente de morto ou vivo; isso acontece por que não podemos saber se o gato está vivo ou morto, afinal se abríssemos a caixa, se alterariam as condições. Não podemos dizer que o gato está em “estado nenhum”, porque sabemos que o gato está lá, mas em um terceiro estado – vivomorto

Vivemos no final da segunda década do século XXI, movimento sindical brasileiro de Schrödinger. Após a reforma trabalhista de 2017 e a eleição de Bolsonaro a Presidência da República, o movimento sindical brasileiro está vivomorto. Afinal, sabemos que ele está, mas é impossível dizer se morto ou vivo.

o movimento sindical brasileiro está vivomorto. A final, sabemos que ele está, mas é impossível dizer se morto ou vivo.

Ao contrário de que muitos apregoam, apesar das transformações nas relações de trabalho dos últimos trintas, o conflito central da sociedade ainda é capital X trabalho. Enquanto isso permanecer, o movimento sindical continuará existindo e sendo necessário. 

É verdade que as transformações nos processos produtivos e nas relações sindicais têm desestabilizado o sindicalismo, e este tem tido dificuldade de reação por todo o mundo – obviamente não é uma exclusividade brasileira. Os processos de desregulamentação, flexibilização e precarização das condições e leis trabalhistas atingem em cheio a ação sindical. No caso brasileiro, a partir da reforma trabalhista de 2017 e os retrocessos implementados pelo governo Bolsonaro em 2019, o sindicalismo tem perdido aceleradamente seu poder de barganha nas negociações capital X trabalho, mas também de pautar o debate político nacional. 

Um sindicalismo vivomorto é fantástico à burguesia, pois consegue cumprir um papel de amortecer os conflitos capital X trabalho, a partir de uma resistência ficcional e aparente negociação (que se assemelha mais a rendição completa); ao mesmo tempo que impede a criação de algo novo.

Se o sindicalismo não abrir a caixa, continuará nessa situação vivomorto. Necessário e fundamental para a transformação da sociedade, mas incapaz de resistir aos ataques do capital e dos governo ultraliberais, como Trump e Bolsonaro. Abrir a caixa significa se reinventar: superar a dependência do imposto sindical, perceber que os espaços de negociações institucionalizados ruíram, reaproximar-se das bases, desenvolver ações diretas conflitivas e, principalmente, tornar-se antissistêmico e disruptivo.

 

*Cauê Campos é professor e diretor estadual da APEOESP
Marcado como:
movimento sindical