Pela primeira vez, desde que este dado é contabilizado (iniciado em 1997), mais da metade das exportações brasileiras são de produtos básicos, como farelo de soja, petróleo bruto, minério de ferro, milho, carne bovina e de frango. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior, em 2019, 52,8% dos produtos exportados foram de mercadorias básicas, enquanto que em 2018 este número foi de 49,8%, e em 1997 era de 27,3%. Por outro lado, o peso dos produtos manufaturados no total das exportações em 2019 foi de 34,6%, menos do que os 36% de 2018 e muito menos do que os 55,1% de 1997.
Conjunturalmente, a queda dos manufaturados em 2019 pode ser explicada pela retração de 11,1% das exportações de manufaturados, mais do que a queda das exportações dos semifaturados (-8%) e dos básicos (-2%), diminuindo assim o seu peso no total. A crise na Argentina é a principal causa disto. Com a diminuição da importação de produtos brasileiros, a Argentina caiu de 3º para 4º no ranking de maiores importadores do Brasil. Historicamente, o país importa muitos automóveis, e em 2019 o país vizinho diminuiu a importação em 35,3% de veículos de carga e 27,5% de automóveis de passageiros, dois dos principais itens de exportação do Brasil.
No entanto, a questão não é conjuntural, e sim estrutural. Outro dado que mostra que 2019 foi mais um ano em que o fenômeno da reprimarização da economia avançou é o do peso da indústria no PIB do país. Com mais uma queda na Indústria em 2019, onde no dado mais recente, o de outubro, o IBGE afirma que a produção industrial caiu 1,3%, chegamos a um novo recorde de fundo do poço da participação da indústria no PIB, com 21,1% na indústria em geral e 11,1%, na indústria de transformação, 7,5 e 6,7 pontos percentuais, respectivamente, a menos do que 15 anos atrás, segundo o IBRE-FGV, entidade que publica este dado.
Os efeitos disto são o aumento das importações, do desemprego na indústria (historicamente com melhores salários e condições de trabalho) e da dependência do país em relação às grandes empresas estrangeiras.
Há uma grande discussão no âmbito da Economia sobre os motivos que levam países a se desindustrializarem, e em países como o Brasil a se reprimarizarem, mas quero centrar fogo aqui na explicação do programa político. Ou seja, que o objetivo da direita (como no governo Temer) e da extrema direita (como no governo Bolsonaro) são justamente este.
Os primeiros projetos a serem destruídos são os de soberania nacional tocados pela indústria estatal, como a da Petrobrás. A privatização da Petrobrás e a entrega de vários setores estratégicos e lucrativos – como o de refino, transporte, distribuição e revenda de combustíveis e gás – é exemplo disto. Não à toa a importação de gasolina para automóvel cresceu 40% em 2019, enquanto que a utilização da capacidade instalada das refinarias brasileiras cai e várias já entraram no pacote de privatizações de Guedes.
Mas não só, e isto é um desafio para o entendimento dos partidos de esquerda. Grandes grupos econômicos industriais privados nacionais também foram destruídos por esta mesma leva, tal como mostra o artigo de Luiz Fernando de Paula e Rafael Moura, publicado no Valor Econômico sob o título “As consequências econômicas da Lava Jato”. E isto é mais uma importante explicação para o avanço da reprimarização.
O processo de desindustrialização segue, com o contínuo aumento do poder dos ruralistas e dos banqueiros sob o governo Bolsonaro. Curioso que, por outro lado, isto parece não incomodar tanto os industriais, satisfeitos pela espoliação dos trabalhadores garantidas pelas sucessivas reformas trabalhistas.
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