O que a Nova Direita ganhou e perdeu em 2019

Direita Volver

Coluna mensal que acompanha os passos da Nova Direita e a disputa de narrativas na Internet. Por Ademar Lourenço.

O general chinês Sun Tzu já dizia que conhecer o inimigo é essencial para vencer uma guerra. Por isso,  devemos prestar atenção nos defeitos e qualidades de quem combatemos usando a razão e evitando exageros. Este foi o primeiro ano de mandato de um presidente da chamada Nova Direita, que tomou corpo com os atos contra o PT, em 2015. O que eles ganharam e perderam neste ano?

O que ganharam: Consolidaram seus partidos, mantiveram sua bolha na internet e seguem com 30% de apoio popular

Entre as grandes vitórias da Nova Direita em 2019 está a consolidação de partidos políticos deste campo. Este talvez seja o maior legado do ciclo que começou em 2015. Com uma direção política, eles não vão voltar a marginalidade tão cedo. Nem se saírem da presidência. A existência de um campo político da Nova Direita é um elemento permanente da realidade brasileira.

Entre os partidos da Nova Direita está o Podemos. Pouco se fala desta agremiação, que tem como seus motes a defesa de Sérgio Moro e um antipetismo um pouco menos delirante que o de Bolsonaro. Tem onze senadores, tendo a segunda maior bancada, e dez deputados federais. Figuras como Romário (RJ), Álvaro Dias (PR) e Refuffe (DF) estão no partido, que pode abrigar o Ministro da Justiça Sérgio Moro para a disputa presidencial de 2022.

Outro partido que a Nova Direita consolidou é o Novo. Tem apenas oito deputados federais e nenhum senador, mas governa Minas Gerais, o segundo estado mais populoso do país. O partido tem forte presença nas redes sociais e um programa radicalmente privatista e contrário aos direitos dos trabalhadores.

O terceiro partido, ainda não legalizado, é a Aliança. É o partido dos bolsonaristas mais fiéis e tem como líder intelectual o escritor Olavo de Carvalho. Não se sabe ainda quantos parlamentares terá, mas vai contar com uma militância bem disciplinada e mobilizada.

Não é contabilizado aqui o PSL, partido que Bolsonaro abandonou. Este deve se fundir com algum partido da direita tradicional em breve. Sem uma direção estável e reunindo uma fauna bizarra, não passa de um amontado de oportunistas.

Com todas as crises, a direita conseguiu manter seus influenciadores digitais, seus grupos e comunidades em todas as redes sociais e a capacidade de pautar o debate na internet. Segundo a deputada Joyce Hasselman na CPI das Fake News, apenas os bolsonaristas mantêm uma rede de oito milhões de pessoas lendo e compartilhando conteúdo vindo de pessoas ligadas à família presidencial. Isto sem falar em grupos como o MBL e o Vem Pra Rua, que perderam influência mais ainda são bem ativos. É lógico que existem robôs entre esses seguidores, mas não podemos negar que eles ainda mantêm centenas de milhares de pessoas fiéis ao seu conteúdo.

O maior trunfo da nova direita é manter ao menos 30% da população como zona de influência. São aqueles que apoiam o governo e as ideias do governo. É provável que mesmo se a economia não se recuperar, esta parcela da população continue fiel aos ideias de direita e contrários aos movimentos sociais. É a classe média mais elitista, são os fundamentalistas religiosos, são os mais machistas, racistas e homofóbicos, as pessoas tomadas pelo medo e defensores da polícia que mata.

O governo tem tomado algumas medidas para manter uma certa popularidade, como o saque do FGTS, o décimo terceiro do Bolsa família, o fim do horário de verão e a retirada de radares nas estradas. Isto faz com que ainda exista base para defender o governo. Mesmo aqueles que não se identificam como bolsonaristas radicais, como o MBL, acabam se alinhando em torno do da defesa de Bolsonaro com medo de volta da esquerda.

O que perderam: Não mobilizam mais nas ruas, não têm espaço na sociedade civil, têm pouca militância, forte rejeição de 30% da população, se dividiram e perderam a aura de santos

Mesmo que o desemprego reduza e a economia melhore, 30% da população vai continuar rejeitando o governo. São aqueles que se sentem ameaçados pelo discurso e a prática dos militantes da Nova Direita. Entre estes estão as minorias religiosas, os que tem preocupação com a causa indígena e do meio ambiente e os mais sensíveis em relação ao machismo, racismo e homofobia.

Nas escolas e universidades, já é difícil defender o governo. Bolsonaro já desistiu completamente de dialogar com o setor mais progressista da sociedade. Parte da Nova Direita, como MBL, ainda tenta ser mais amigável. Mas com estes 30% que rejeitam o governo, eles não conseguem sequer ganhar o mínimo de respeito.

Outra derrota da Nova Direita é que, mesmo tendo partidos, influenciadores e lideranças, ela não tem uma militância orgânica numerosa. Há grupos, mas em quantidade insuficiente, por exemplo, para tomar a sociedade civil. No movimento estudantil eles são minoritários, no movimento sindical quase não existem. Em entidades como a OAB a presença é mínima. Por isto, ao invés de disputar as organizações civis, eles as combatem, dizendo que qualquer tipo de organização que defende os direitos de algum segmento é comunista.

A arma deles é a truculência, as redes sociais e, antigamente, os atos de rua. Mas os dias de milhares nas ruas gritando “nossa bandeira jamais será vermelha” se acabaram. O último ato da Nova Direita, em dezembro, passou despercebido. O maior ato deles este ano, em maio, não conseguiu ser maior que os atos dos estudantes contra os cortes da educação. Até Renan Santos, liderança do MBL, reconheceu em seu último vídeo que estamos vendo o “crepúsculo” do ciclo do antipetismo.

O fim deste ciclo se deu, em parte, porque a Nova Direita perdeu a aura de santa. As conversas gravadas do The Intercept mostrando Sérgio Moro como juiz parcial, o envolvimento da família Bolsonaro com milicianos, desvio de salário de assessores a até na morte de Marielle Franco, o acordão que o presidente fez com o STF no meio do ano para se manter no Poder, entre outras coisas, fez com que a Nova Direita perdesse a bandeira da luta contra a corrupção de suas mãos. Ao menos para parte da população.

Os 30% que estão com a Nova Direita ainda acredita neles. Mas com alguma desconfiança. Estamos longe do que existia em 2015, quando quase mais de 60% da população acreditava que os manifestantes vestidos com a camiseta da CBF estavam do lado da honestidade contra a corrupção.

Com os primeiros escândalos e as “caneladas”, vemos várias cenas ridículos de brigas entre os próprios direitistas. Nando Moura acusa Flávio Bolsonaro, Carla Zambeli bate bota com Joyce Hasselman, militaristas xingam Kim Kataguiri e assim por diante. Um não quer defender os podres do outro. Foi necessário que Olavo de Carvalho chamasse os mais fiéis ao governo para se unir em torno de Bolsonaro. Sérgio Moro, o ministro da Justiça mais popular que o Presidente, parece ter seus planos próprios. Esta divisão tende a se acentuar.

O que esperar deles em 2020: mais truculência e radicalização do discurso

Para nossos inimigos, não resta outra alternativa além de dobrar a aposta. Para manter seu campo unido e mobilizado, cada vez mais eles lançarão ataques contra a esquerda e os movimentos sociais, em um clima de guerra permanente. Podemos esperar tudo deles, menos uma atitude civilizada.

Para nós, existe 30% da população que podemos mobilizar. Se uma parte deste setor for às ruas, poderemos ter grandes atos contra o governo e a Nova Direita. E, onde temos trabalho de base, podemos conversar com todos aqueles que não estão nos 30% que apoiam a Nova Direita. Uma oportunidade ímpar para dialogar com a população.

Eles estão a cada dia mais perigosos. Mas 2019 provou que eles não são invencíveis. Podemos em 2020 fazer com que a maior parte da população perca a confiança naqueles que enganaram o povo durante o golpe de 2016 e as eleições de 2018. Não será fácil, mas não será impossível. Que venha o ano novo. De tédio a gente não morre.