No projeto de universidade do Bolsonaro não há lugar para pobres e negros/as

Sonia Lucio R. de Lima

No intuito de radicalizar o projeto neoliberal, que já vinham sendo, em parte, implementado pelas governos anteriores, a política educacional do governo Bolsonaro aprofunda o processo de transformação da educação pública em mercadoria especulada no mercado financeiro e, ao mesmo tempo, visa convertê-la em uma esfera de formação da ultradireita. São expressões deste projeto: a precarização do ensino e do trabalho, a imposição da lógica da gestão privada, a militarização da educação básica, a apologia aos valores da “família tradicional” do movimento escola sem partido, o incentivo à delação dos professores por estudantes e pais e a negação do pensamento crítico e científico.

A educação pública superior, além de sofrer esse mesmo processo, é refuncionalizada e passa a representar um papel fundamental de incremento à lucratividade das empresas. Realizadas em atendimento à recomendação de Organismos Internacionais, como é o caso do Banco Mundial, em seu documento “Um Ajuste Justo – Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, de 2017, elaborado sob encomenda do governo brasileiro, as mudanças em curso visam aprofundar a subordinação aos interesses do capital do que resta de público nesse nível de ensino, uma vez que nos dias atuais, apenas 24.6% das matrículas estão nas instituições públicas. São nessas poucas instituições que são produzidas 90% das pesquisas no país. Graças a essas pesquisas, o petróleo do pré-sal representa atualmente mais de 50% do petróleo produzido no Brasil. Epidemias, como a do vírus da zika, têm sido enfrentadas, novos fármacos são produzidos.

Logo nos primeiros meses do ano, as medidas relativas ao orçamento da educação confirmavam o caráter do projeto do governo. O argumento inicial do Ministro da Educação era que o corte no orçamento respondia à suposta “balbúrdia” em algumas universidades publicas federais,  o que demonstra que a medida de estrangulamento orçamentário,  que  retirou 30% do orçamento das universidades públicas, neste ano, somada à previsão de  redução de 18% dos recursos totais do MEC, na proposta orçamentária para 2020 pretende, não só o sucateamento e a privatização, mas também perseguir a esquerda e o pensamento critico para tentar desacreditar a universidade publica como espaço de formação, de realização de pesquisa de interesse social e de luta pela democracia .

Com a asfixia financeira combinada com a busca de desqualificação social das instituições, o governo objetiva precarizar ainda mais os serviços, ampliar a narrativa da incompetência administrativa e, assim, justificar a necessidade e a aceitação da privatização. Para levar a cabo esta pauta, que casa o projeto privatista ao projeto neofascista, o governo asfixia a produção da ciência nas universidades publicas, criminaliza a liberdade de cátedra e de expressão, espalha  o medo e a perseguição aos profissionais da educação, bem como ataca os sindicatos destes e a organização estudantil e desrespeita as decisões da comunidade educacional referente à escolha dos reitores, conforme já ocorreu em oito Instituições (UNIRIO,UFGD,UFTM,UFC,URB,UFFS,CEFET RJ e UFVJM).

Para o empresariado financeiro, a Emenda Constitucional 95, apesar de limitar o teto de gastos públicos por duas décadas, é insuficiente frente aos patamares de dívida pública no Brasil. Decorre daí, a busca por eliminar as vinculações constitucionais para conseguir uma maior redução do gasto público com investimentos sociais.

Também, neste sentido, em dia 28 de dezembro de 2018, o Ministério da Educação publicou a portaria que permite que as Instituições de Ensino Superior – IES ofertem até 40% dos cursos presenciais na modalidade de aulas a distância (EaD), exceto para os cursos da área da Saúde e de Engenharia. A nova medida, elogiada pelas mantenedoras de ensino privado, prejudica, ainda mais, a qualidade do ensino por admitir que o limite de 20%, antes autorizado para ensino à distancia, seja estendido .

O programa Future-se sintetiza o conjunto de medidas que visam a expansão destrutiva do capital na educação: mercantilização, privatização e financeirização .

Caso seja implantado, as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) passarão a firmar contratos de gestão com Fundações de Apoio e/ou Organizações Sociais e serão profundamente reformadas, no que concerne à: finalidade, financiamento, gestão, ensino, pesquisa, extensão, formação de professores (inicial e permanente), contratação de quadros, e estrutura física. Além disso, há o risco de introdução de cobrança de mensalidades nas IFES, pondo fim ao seu caráter de gratuidade. Os  principais objetivos do programa são:

  • desobrigar o Estado de garantir o financiamento do ensino superior público
  • privatizar a produção e a reprodução do conhecimento nas Instituições federais de ensino superior
  • permitir  a negociação de prédios públicos   na bolsa de valores e vender as pesquisas para o mercado
  • desrespeitar as instâncias das universidade obrigando-as a aderirem ao sistema de governança indicado pelo MEC

Importante ressaltar que a redução do gasto com pessoal é apresentada como precondição para a liberação de recursos no âmbito do Future-se. Agrega-se a este um outro elemento do projeto de mercantilização das IFES públicas: os recursos orçamentários e patrimoniais da União serão cedidos a um fundo de investimento privado, no qual seus possíveis rendimentos financiarão o ensino superior público sob a gestão de Organizações Sociais e de fundações ditas de apoio. Estes projetos terão como objetivo atrair investidores; propiciar os meios para que os departamentos de universidades/institutos arrecadem recursos próprios; permitir a cobrança de mensalidades dos programas de pós-graduação e a comercialização de espaços e eventos públicos nas IFES.

O programa desconsidera completamente o artigo 207 da Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, 1996) no que tange a autonomia universitária e a garantia por parte do estado de financiar o ensino superior. Para piorar, o Future-se não oferece nenhuma garantia à política de assistência estudantil. As bolsas atuais serão substituídas por uma bolsa denominada: inovação que prevê promover a empregabilidade dos estudantes, transformando-os em mão de obra barata para as empresas.

Ou seja: o programa, caso seja implantado, provocará também um grande retrocesso para as recentes conquistas das lutas por política de cotas na universidade pública, que tem contribuído para a diminuição da dívida histórica da universidade brasileira com o acesso ao ensino público superior para camadas mais amplas da população. De fato, o governo não esconde de ninguém que despreza o conhecimento científico e o caráter universalizante e democrático do ensino superior público. No projeto de universidade do governo Bolsonaro não há lugar para jovens pobres e negros/as!

A próxima medida já anunciada pelo governo de Bolsonaro é a reforma administrativa. De acordo com o noticiário da imprensa, o governo ainda não a enviou ao Congresso por temer a rejeição de boa parte dos parlamentares e possíveis protestos do servidores públicos espelhados na onda de protestos na América do Sul. De acordo com o anunciado, a medida visa reduzir, ainda mais, os custos com pessoal. O pacote de mudanças permitirá a premiação de bons desempenhos, a flexibilização da demissão por atuação insatisfatória e a redução dos servidores concursados para dar lugar à entrada de uma nova leva de trabalhadores contratados em condições precárias, viabilizadas pela reforma trabalhista e pela extensão da lei das terceirizações para as atividades-fim. Caso seja aprovada, esta reforma aumentará o numero de docentes substitutos (temporários e horistas), que já é crescente nas IES públicas.

À esta ofensiva material e ideológica soma-se a intensificação do trabalho, própria da lógica empresarial-produtivista, que estimula relações de trabalho hostis, pautadas na perseguição ideológica ou na disputa e acarreta  processos de adoecimento físico e psíquico dos docentes e, até mesmo, o afastamento de alguns.

É importante ressaltar que este ataque não tem sido realizado sem resistência. Como demonstraram os protestos contra as invasões de espaços públicos como o que ocorreu no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e no Colégio Estadual Pedro II, em Petrópolis e como ficou evidenciado na  grandiosas  manifestações contra os cortes na educação publica. Porém, é necessário reconhecer que as lutas ainda encontra-se num patamar insuficiente, o que torna o esforço de ampliar e garantir a unidade dentro e fora da comunidade acadêmica algo absolutamente essencial.

A resistência aos ataques à educação impulsionou uma maior articulação das entidades nacionais da educação, a partir de 2017. Inicialmente, reuniu o ANDES-SN, a FASUBRA e o SINASEFE. A partir do final de 2018, as entidades estudantis (UNE, ANPG, FENET e UBES) se incorporaram, assim como a CNTE. Essa articulação proporcionou a realização da  grandiosa greve nacional da Educação, em 15 de maio, o dia nacional de luta em 30 de maio, a paralisação nacional da Educação de 2 e 3 de outubro, que demonstraram que a unidade entre as trabalhadoras, trabalhadores, estudantes e a ocupação das ruas são o único caminho que pode trilhar aqueles que defendem a educação e a universidade pública diante dos ataques deste governo.