Chegamos ao fim do ano com uma grande propaganda da política econômica de Paulo Guedes estampada em todos os jornais. Para muitos, a retomada já está dada. Mas será que isto é verdade? As medidas “impopulares” foram amargas mas necessárias? Agora, com a aprovação da Reforma da Previdência, da MP da Liberdade Econômica dentre outras medidas “liberalizantes”, Paulo Guedes tirou o país da crise econômica que assola o Brasil há cinco anos? Este artigo se propõe a problematizar tal questão a partir de dados de produção (PIB), renda e emprego.
O primeiro passo para respondermos a pergunta colocada é sabermos qual era a expectativa para a economia brasileira quando Bolsonaro assumiu – ou mesmo quando venceu as eleições. Para isto utilizo o Boletim Focus, uma consulta semanal que o Banco Central faz junto à instituições financeiras para saber quais são suas expectativas futuras em relação a grandes números da economia: como o PIB, a inflação e o câmbio. Na primeira semana de outubro de 2018, o mercado disse que estimava o crescimento da economia brasileira em 2,5%, e subiu mais 0,03% depois da eleição do agora presidente, no 2º turno. Ainda em janeiro deste ano, o mercado ainda mantinha mais ou menos constante aquela previsão, mas posteriormente com sucessivos cortes na previsão do PIB, chegando ao fundo do poço de 0,82%, e depois numa leve recuperação, chegando a 1,1% na primeira semana deste mês de dezembro. O importante aqui é enxergar que a expectativa do mercado para o PIB no final deste ano é de menos da metade da época em que Bolsonaro foi eleito, ou de quando ele assumiu a Presidência, em janeiro. Mais uma vez o mercado exagerou nas estimativas, vencidos pela realidade não pode dizer que 2019 será salvo caso Bolsonaro seja eleito.
Previsão da taxa de crescimento do PIB para o ano de 2019 pelo mercado (Boletim Focus)
Fonte: Boletim Focus – BCB
Além da expectativa para o ano de 2019, também temos que do início do ano até dezembro também houve um pequeno corte de expectativa de crescimento do PIB para o ano de 2020, passando de 2,5% para 2,24%.
Nestes termos, temos que hoje se espera menos do crescimento econômico, tanto para 2019 quanto 2020, do que quando Bolsonaro e Paulo Guedes começaram a comandar a economia brasileira.
Além disto, o crescimento do PIB no período Bolsonaro está abaixo dos dois últimos anos de governo Temer. No terceiro trimestre, último resultado publicado pelo IBGE, o PIB cresceu a uma taxa consideravelmente menor do que o 3º trimestre de 2018 e de 2017, como pode ser visto no gráfico, nos mostrando que hoje vivemos mais uma “desaceleração da retomada” econômica do que finalmente a sua “decolada”.
Taxa de crescimento trimestral do PIB em relação ao trimestre imediatamente anterior
(1tri/2003 a 3tri/2019)
Fonte: IBGE
Indo para dados mais mundanos da vida cotidiana das pessoas, a taxa de desemprego (taxa de desocupação) diminuiu, mas muito pouco. Comparando o dado mais atualizado, temos que em outubro de 2019 tivemos uma taxa de desemprego de 11,6%, apenas 0,1% mais baixa do que do mesmo mês de 2018 (irrisório). Ou seja, apesar de hoje termos uma taxa de desemprego menor do que o auge, 13,7% em março de 2017, esta diminuição ocorreu antes de Bolsonaro assumir.
Taxa mensal de desocupação
Fonte: PNAD-Contínua/IBGE
O porquê da diminuição do desemprego já foi muito discutido em nosso meio. Muita gente não é mais classificada como desempregada por já ter desistido de procurar emprego ou por ter ocupado uma parte do seu tempo com um emprego que não paga o suficiente para se viver. O IBGE calcula isto a partir da somatória da “taxa de composta de subutilização da força de trabalho”, que junta “desocupados”, “subocupados” e “força de trabalho potencial”. Este número começou a aumentar absurdamente no pós-crise, chegando a 24% em 2018, e mantendo-se estável em 2019, sob o governo Bolsonaro. Ou seja, o problema da subutilização da força de trabalho manteve-se estável neste ano, sem uma melhoria neste aspecto do mercado de trabalho.
Taxa de Composta de subutilização da força de trabalho nos trimestres de agosto a outubro (2016 – 2019)
Fonte: PNAD-Contínua/IBGE
Para além do desemprego, também podemos verificar a questão da renda. Temos basicamente uma estagnação na renda média do brasileiro. Esta renda subiu até 2014, com sucessivas quedas (2015, 2016 e 2017) e uma pequena retomada em 2018, com a posterior estagnação em 2019. O trabalhador brasileiro passou a ganhar, em média, 10 reais a mais, se compararmos este número entre outubro de 2019 e de 2018, ou um aumento de 0,4%.
Rendimento real médio de todos os trabalhos, efetivamente recebido por mês
(com destaque para os meses de outubro)
Fonte: PNAD-Contínua/IBGE
No entanto, este fenômeno se distribuiu de forma bastante desigual entre os diferentes tipos de pessoas na economia. Quem teve a maior variação de renda média mensal foram as pessoas classificadas como “empregadoras”, que tiveram um aumento neste um ano de R$215, ou 3,7%, seguido pelos trabalhadores por conta própria, que viram sua renda subir 38 reais, ou 2,3%, seguidos por 0,6% dos trabalhadores sem carteira, com acréscimo de 8 reais, domésticos com estagnação e com a retração da renda dos trabalhadores privados com carteira assinada, que tiveram 12 reais a menos de renda, ou -0,5%.
Rendimento real médio do trabalho principal
(por empregador, trabalhador por conta própria, servidor público civil e militar, trabalhador privado sem carteira de trabalho, trabalhador doméstico e trabalhador privado com carteira de trabalho)
– entre out/18 e out/19
Fonte: PNAD-Contínua/IBGE
A partir de uma análise curta, com alguns dados mais essenciais para a vida dos trabalhadores, podemos perceber que a economia brasileira não voltou a crescer. As explicações são tanto externas quanto internas ao nosso país. Como mostrou a Cepal nesta semana, o crescimento da América Latina entre 2014 e 2020 deverá ser o seu menor em 70 anos. Internamente, vemos políticas econômicas que apenas retiram renda das pessoas que consomem, inflando a renda de quem não vive do trabalho. Não à toa que enquanto o lucro das empresas cresce, como já mostraram alguns estudos, a renda média mantém-se estagnada – concentração de renda? E como todos sabem, se não tem renda, não tem compra, comprometendo qualquer retomada econômica minimamente sustentável.
Apesar de parte da mídia fazer oposição política ao programa de Bolsonaro, toda ela está fechada com o seu programa econômico. E enquanto ele mantiver o programa ultra-liberal, veremos mais propaganda do que realidade nas páginas do noticiário econômico brasileiro.
*Eric Gil Dantas é economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS) e doutor em Ciência Política.
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