Paulo freire foi gratificado com 34 títulos de doutor honoris causa por muitas universidades brasileiras e internacionais e mais 14 postumamente, após falecer em 1997. Em 2009 foi reconhecido com anistiado político pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, momento em que o relator do processo, declarou que a anistia de Freire simbolizava um pedido de perdão a “todo brasileiro que não sabia ler a sua própria língua”, reconhecendo que a perseguição política que sofreu Freire nos anos de ditadura militar e sua ausência prejudicaram o desenvolvimento do país.
Um criptocomunista
Com o golpe militar de 1964, Paulo Freire foi preso pela primeira vez em 16 de junho após prestar depoimento sobre seu método e suas experiências de alfabetização. Foi pelos meses seguintes diversas vezes questionado e investigado, pois sua prática docente era considerada subversiva. Freire participou da elaboração do Programa Nacional de Alfabetização, propunha-se a alfabetizar um iletrado em 40 horas, foi extinto treze dias após o golpe, visto que a campanha estava conscientizando imensas massas populares, o que incomodavam as elites conservadoras brasileiras, (GADOTTI, 1996) então sua extinção respondia às pressões desta parcela conservadora que atacava e desqualificava a obra de Freire. Todo este cenário era construído em cima de um debate sobre o voto do analfabeto no Brasil, e o Programa Nacional de Alfabetização representava uma ameaça para as eleições seguintes, podendo alterar a correlação de forças. (HADDAD, 2019)
Freire era uma ameaça para este cenário pois sempre visou uma educação para a libertação, para a transformação radical da realidade e assim melhorá-la, tornando-a mais humana, onde homens e mulheres seriam reconhecidos como sujeitos de suas histórias e não como objetos de dominação e mão de obra. Visava uma educação que conscientizasse os oprimidos de suas opressões, desta forma, oportunizaria relações de superação da opressão, quando o oprimido reconhece sua própria dignidade. Para Freire, “sua principal preocupação era educar, e não só alfabetizar.” (HADDAD, 2019, p. 21) com um método que estivesse baseado no diálogo, e abordassem situações da vida cotidiana para que os educandos fossem ativos nas situações do contexto vivido, “todo seu trabalho educativo se fundamentava no absoluto respeito ao ser humano e que o importante era educar, não doutrinar”. (HADDAD, 2019, p. 21) Fora acusado de um “criptocomunista”, responsável pela subversão dos menos favorecidos, sendo então preso e exilado.
A Praxis educativa ou doutrinação marxista?
Paulo Freire acreditava que a educação não é um ato neutro, e os educadores tinham papel fundamental na luta por uma transformação na sociedade, ele exerceu uma militância político-partidária do Partido dos Trabalhadores, o quão ajudou a fundar e viveu ascensões e declínios, guardava expectações quanto a eleição de Lula em 89, momento em que exerceria o papel de ministro da educação, porém, este fora eleito apenas em 2002, cinco anos após a morte de Freire. O PT permaneceu por 13 anos governando o país, tendo o último mandato interrompido por um processo de impeachment contra a presidenta Dilma.
Durante os anos de governo petistas, além da anistia a Freire em 2009, ele foi condecorado Patrono da Educação em 2012, um ano depois, iniciou-se uma onda de protestos pelo país que abalaria os rumos políticos. Em junho de 2013 milhares de jovens em diversas cidades saíram às ruas para defender que o preço da passagem de transportes públicos não aumentassem, os atos tomaram maiores proporções ao serem divulgados abuso policial para reprimir os manifestantes, eclodindo um processo reivindicatório mais amplo e abrangente, massificando as ruas com dizeres e exigências heterogêneas. Havia diversos cartazes com dizeres e palavras de ordem por efetivação e manutenção de direitos sociais, mas também, contra políticos e partidos. As Jornadas de Junho, como ficou conhecido esse levante, eram comparadas a outras manifestações internacionais que repetiam estruturas horizontais, mas no contexto brasileiro, resultou em uma dicotomia de pautas tanto progressistas quanto conservadoras, tendo como consequência o enfraquecimento popular do governo Dilma.
Em 2015, após partidos políticos da direita não aceitarem o resultado das eleições que reelegeram Dilma, buscaram mobilizar nas ruas de diversos estados brasileiros um processo de impeachment da presidente eleita. Milhares de cartazes continham dizeres contra a corrupção, mas também palavras de ordem de cunho machista e antidemocrático, em defesa de uma nova intervenção militar. Os manifestantes pediam revisão de políticas inclusivas implementadas nos governos petistas, entre as palavras de ordem dos manifestantes haviam dizeres contra Paulo Freire, pedindo o fim de sua doutrinação marxista, numa tentativa ideológica de desqualificar a imagem do educador junto com a do PT, tendo mais apoio devido ao alcance cibernético, onde era acusado, novamente, de comunista. Seu principal combatente, o Escola Sem Partido, surgiu em 2004, mas ganhou força nessa onda de protestos, onde tinha como estratégia aprovar leis nos planos educacional, em nível nacional, estadual e municipal, de vigiar e punir a atuação de professores nas escolas, em prol de um suposto combate ao comunismo. Aparentemente, tudo o que põe em xeque a dominação exploratória da elite com os povos oprimidos e anseia uma emancipação e autonomia dos oprimidos, é chamado de comunismo
A acusação de um energúmeno
Meses antes da eleição de Jair Bolsonaro em 2018, o candidato declarou em uma palestra para empresários que a educação brasileira estava afundada, que era necessário debater a ideologia de gênero e a escola sem partido, que entraria no governo e “incendiaria” o legado de Freire e exculmangaria-o do ministério da educação, visto que seu legado defendia um senso crítico, e que isto atrapalha o desenvolvimento econômico, visto que cita o Japão, onde, segundo o candidato, não estão preocupados com o pensamento crítico. O Japão é conhecido por, apesar de ter leis trabalhistas, não cumpri-las e ter cargas exaustivas de trabalho.
o discurso da classe dominante mudou, mas ela continua não concordando, de jeito nenhum, que as massas populares se tornem lúcidas. (HADDAD, 2019, p. 224)
Em vida, Paulo Freire respondeu diversas vezes o questionamento sobre a importância – ou não – da educação para a mudança social. Ele estava imerso a um debate entre os que acreditavam na educação como uma mudança social, e entre os que acreditavam e esta era apenas uma reprodução dos interesses da elites. Então, reconhecia essa ambiguidade de uma escola que não é neutra e expressa a luta de interesses em sua tarefa de manutenção ou de construir um mundo mais justo e acolhedor.
Os longos e recentes anos de volta a uma perseguição ideológica representa uma luta que a elite tem travado por anseio a destruição de políticas de implementação de direitos, respeito às diversidades e combate às desigualdades. O impeachment foi posto a cargo quando não se tinha mais condições de manter um partido de centro-esquerda no poder e aplicar um arrocho e mais exploração aos trabalhadores. Nestes anos foram aprovadas reformas trabalhistas, reforma da previdência, pacote anticrime, tentativas de aprofundar a crise social e o genocídio dos povos oprimidos.
A perseguição a Paulo Freire, novamente, está nos marcos de uma disputa ideológica por uma educação que não tenha um olhar para as humanidades, mas sim no mercado de trabalho, e como almeja Jair Bolsonaro, um mercado que apesar das leis, não as cumpra, e explore um povo que tem que estar calado e submisso a este opressão. Também está no marco da disputa ideológica para que continuem a dominar os corpos de mulheres, negros e lgbts, submetidos a subempregos e ao genocídio nas favelas, financiado pelo Estado através das mãos de uma aparato repressivo.
Paulo Freire é a figura ideológica de uma educação para a liberdade, uma educação construída no diálogo, onde ninguém educa ninguém, mas somos conjuntamente educados. Onde os papéis de autoridades não são construídos com autoritarismo, frisando a autonomia escolar, dos educandos e educadores, onde um sistema de educação para transmissão de conhecimentos da elite é posto a prova. E que entende o povo oprimido como produtor de cultura e conhecimento, entendendo que a cultura da elite dominante, não é a única cultura, e assim reconhecendo-se como sujeitos da própria história.
O que Bolsonaro chama de deseducador é a ideia de uma educação para a liberdade, são as vozes de um povo historicamente oprimido e explorado se levantando contra sua opressão. E isto, novamente, ameaça ao regime estabelecido e a dominação das elites.
Referências:
GADOTTI, Moacir (Org). Paulo Freire: uma biobibliografia. Cortez Editora : São Paulo.
1996.
HADDAD, Sérgio. O educador: Um perfil de Paulo Freire, São Paulo: Todavia, 1a edição, 2019.
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