Miss Universo e a lógica dialética

Karla Costa*, de Fortaleza (CE)

Zozibini Tunzi vence o concurso Miss Universo

No dia de hoje, venho falar sobre contradição. Por quê? Zozibini Tunzi foi escolhida Miss Universo, uma mulher negra que apresentou um breve discurso antirracista e feminista no concurso. Há algum tempo, debato-me com a lógica dialética – muito mais na prática do que na teoria, tendo em vista que teoricamente não é uma leitura fácil. Tive acesso a duas posições muito interessantes sobre o tema, uma de Jean Montezuma e outra de Sol Costa. Duas posições que apontam os elementos de contradição que quero colocar aqui. Quero dizer que as duas posições são corretas e que, com elas, tenho acordo.

De um lado, Jean Montezuma assina uma postagem compartilhada pelo Esquerda Online que destaca que, mesmo sendo um concurso de beleza fundamentalmente machista e capitalista, a vitória de Zozibini tem uma importância fundamental: a representatividade, que importa muito para as meninas, meninos, mulheres e homens negros que não se veem nas representações simbólicas do que é belo e bom. Jean tem razão. Por outro lado, Sol Costa, militante marxista e feminista para com quem tenho muito respeito e admiração, lembra em outra postagem que, apesar da significativa representatividade para o movimento negro, o concurso Miss Universo é essencialmente abjeto e, por isso, ninguém deveria ganhar esse concurso, pois ele nem deveria existir.

Acode que o Miss Universo existe, assim como existe o racismo, o machismo e o capitalismo. Espero que, no parágrafo acima, tenha ficado claro a contradição que percebo e sinto na pele, mas que tenho dificuldade de explicar em termos teóricos – ainda tenho muito que estudar para trazer Hegel e Marx e quem for necessário para discutir lógica e lógica dialética. (Quero abrir um parênteses: quando ouço sussurros sobre o academicismo, me revolto, me indigno porque, olha só, a teoria explica a realidade, esta é o critério de verdade daquela).

As duas posições são corretas porque ambas são determinações da realidade concreta: se, por um lado, não podemos assumir o Miss Universo como uma trincheira justa para a luta antirracista, ela se tornou essa trincheira quando uma mulher negra, num contexto de avanço do fascismo no mundo todo, fala contra a discriminação em nome de todos e todas que foram e são violentados no mundo.

Independentemente de nossa vontade, o concurso tornou-se palco para isso e mobilizou consciências, se pessoas que o viram se sentiram empoderadas – para usar a palavra da moda. E, se incomodou o conservadorismo burguês e pequeno burguês que alimenta as fileiras fascistas, melhor ainda. Dito isso, pode parecer que estou concordando mais com Jean do que com a Sol, mas não, não é verdade. Porque, se é verdade que a realidade tem múltiplas determinações, é também verdade que há um momento predominante nessas determinações. Aí Sol tem toda razão: o momento predominante do Miss Universo é a objetificação da mulher, a reificação, então, ele nem deveria existir. Mas isso é a essência do Miss Universo, a aparência, em sua imediaticidade, no entanto, é sempre maior que a essência. Convivamos com a dor e a beleza de enxergar contradições.

 

 

*Karla Costa é professora e militante da Resistência/PSOL.