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BRASIL

Fala professora: A Educação é monopólio de professor!

Graziela Oliveira*, de Esteio (RS)
Reprodução / UBES

 

 

É no cotidiano que percebemos o quanto as pessoas estão vivendo numa redoma de absurdos sociais. O consumo e o egoísmo explicam a necessidade do ter, reproduzindo e fortalecendo o poder.

Na educação, nos deparamos com pensamento focado na padronização dos currículos e na desvalorização das culturas, enfim, na preparação do aluno para o mercado de trabalho, ao invés de nos preocupar se o estudante está pronto para lidar com as pessoas e com o mundo. Na verdade percebe-se um agressivo retrocesso, pois as retiradas de conquistas na área da educação estão sendo avassaladoras. O neoliberalismo ainda impera no cotidiano escolar. Lutar por essa mudança é mais que necessário, é urgente.

Em pensar que caminhávamos para uma educação libertadora, progressista e verdadeiramente popular. Percebo nas minhas andarilhagens que pouco utilizamos as teorias e metodologia de Freire. Entendo o quanto falhamos em abandonar a base, o conhecimento emancipatório. E é nesse sentido que vejo o quanto não se deu ouvidos aos professores, que são os responsáveis pela educação do país. Gritamos, mas ninguém nos ouviu.

Os gestores/políticos que não pertencem a área da educação, precisam compreender que há sim um monopólio de saberes entre professores e pedagogos e de áreas a fins, pois não trabalhamos com base em opiniões e achismos, mas com ciência, pesquisa, investigação. Para os pesquisadores e especialistas, é um desrespeito com a educação brasileira.

Ao publicar qualquer tipo de artigo, trazendo afirmações que há uma infinidade de alunos aprendendo pouco ou quase nada, é preciso estar amparado e atento às questões sociais que rodeiam a realidade do nosso alunado, assim como trazer bases legais, ou referenciais que sustentem tais ideias. Do contrário, permanece a teoria do achismo.

Numa entrevista concedida recentemente, após os resultados do Pisa, Daniela Cara diz que esse exame precisa ser encarado pelo que ele é: uma prova de avaliação do desempenho em áreas específicas do conhecimento. O valor desse exame no Brasil é atravessado por uma dura realidade de escolas sem estrutura, rede de água e esgoto, luz elétrica, biblioteca, laboratório de ciências, etc. Por isso, a discussão central para ele precisa ser o investimento por aluno ao ano, não tem como ser diferente. O nosso país investe por aluno ao ano, em média, de três a quatro vezes menos do que os países mais desenvolvidos.

Aprendemos desde cedo na academia que devemos olhar para os estudantes, buscando compreender a realidade e sua bagagem cultural. Para Bourdieu (2018), cada criança possui um capital cultural. A sociedade não pode esquecer que é dividida por classes sociais, e nessa lógica, segundo o autor, só domina aquela classe quem detém ou está no poder.

Umas das considerações importantes de pontuar, é o quanto não basta um longo e profundo investimento na qualificação do professor, se não tivermos o entendimento de que o mesmo precisa ter suporte para que seu trabalho seja desenvolvido. Ser professor ultrapassa a linha do “amor” pelo trabalho, estamos falando aqui de profissão, formação, especialidade, estudo, capacitação, competência e habilidade.

Com isso, é preciso também reforçar que está na hora de darmos um BASTA aos que somente querem opinar. Assim como os médicos detém o conhecimento da cura, do tratamento, os pilotos de avião o domínio de como pilotar, o mesmo ocorre com o professor.
Uma outra situação pertinente de refletirmos tem conexão com os vínculos que estabelecemos com a comunidade e principalmente com os alunos. Um gestor que ignora essas relações, dificilmente entenderá como é estar no cotidiano da sala de aula. E aqui cito em especial a Educação Básica.

Wallon (1975), defende que o processo de evolução depende tanto da capacidade biológica do sujeito quanto do ambiente que o afeta de alguma forma. É o meio que vai permitir que essas potencialidades se desenvolvam.

Quais as ações que realizamos, para que possamos garantir um ambiente propicio aos sujeitos, se o professor e o aluno de Esteio, por exemplo, estão sendo retirados das escolas? Se a forma como a escola havia democraticamente escolhido atuar foi interrompida e mudada de uma hora para outra? Como de fato poder avaliar e entender isso, se nesse momento não se consegue minimamente fazer com que o meio que o aluno vive seja saudável ao ponto de favorecer as aprendizagens?

É contraditório um gestor público fazer uma crítica profunda sobre o processo de ensino e aprendizagem dos alunos se, nesse momento, fecha as portas das escolas àqueles que em sua idade escolar, por alguma razão, não puderam estudar. Estou me referindo ao fechamento de três escolas de EJA na cidade de Esteio. A partir de 2020 os jovens e adultos que desejarem estudar, terão que se deslocar até região central da cidade, pois na periferia não haverá mais essa possibilidade.

Fica cada vez mais evidente que não há tempo e nem espaço para amadorismo na educação, pois temos urgência em realmente poder sanar os déficits que a realidade apresenta. Se faz necessário repensar as políticas educacionais, mas para tal o investimento é a base para possíveis soluções na Educação Básica do Brasil, do Estado do Rio Grande do Sul, assim como na própria cidade de Esteio.
No Brasil, os professores ganham mal, as escolas carecem de equipamentos adequados, não se investe na formação do corpo docente, e muitos alunos, devido a pobreza, são obrigados a conciliar as duras condições com estudos, por vezes tendo que fazer a escolha de abandonar a escola para trabalhar. (Betto, p.79, 2018)

A mordaça colocada nos professores da rede municipal de educação, vem permeada de medo, decepção, tristeza e ausência de escuta.

O prefeito de Esteio, em entrevista dada para jornal ZH, diz que “temos uma baixa qualificação docente, fruto da falta de atratividade da carreira, pouco tempo de estudo dos alunos, gestão deficiente e descontinuidade e carência de avaliação das políticas públicas.” (Jornal ZH, 03/12/2019)

Como podemos considerar tal opinião emitida pelo gestor, se o mesmo acabou com todas as ações, levando a um verdadeiro desmonte nos últimos três anos da sua gestão? Como compreender que a culpa tem relação, com a baixa qualificação dos docentes, se durante a atual gestão, a rede de educação municipal teve formações/capacitações oportunizadas e oferecidas pela SME na sua maioria das vezes, sem nenhum estudo pedagógico profundo. Na verdade, nos últimos três anos preocupou-se em construir Base e Referencial, esquecendo do suporte pedagógico contínuo e essencial no processo de capacitação dos professores.

Ficam muitos questionamentos referente a opção que a administração educacional escolheu para Esteio. Retirou as reuniões pedagógicas já de inicio do governo, não construiu novas possibilidades que garantissem esse espaço, os índices de reprovação elevaram, tiveram um aumento significativo desde 2017. (Fonte: INEP-MEC).

Não será em pleno 2020, após inúmeras decisões impositivas sem construção coletiva e participativa, que efetivamente faremos diferença nas aprendizagens dos alunos. Podemos mudar os números? Sim, podemos, mas isso custará caro para cidade que foi por muitos anos referência em educação, pois baixar decretos que determinam novas ações sem os principais envolvidos serem os protagonistas, somente teremos resultados, números e uma boa matéria num jornal de circulação, onde certamente dirá: prefeito eleva os índices.

O que buscamos cotidianamente é uma educação de qualidade, onde as equipes diretivas possam efetivamente fazer sua própria gestão, onde haja recursos financeiros suficientes para que as escolas oportunizem aos alunos diferentes conhecimentos e experimentos. Para Gadotti (1994), a gestão democrática da escola é um passo importante no aprendizado da democracia. A escola não tem um fim em si mesma. Ela está a serviço da comunidade.

Não há dúvidas de que a participação na gestão da escola proporcionará um melhor conhecimento do funcionamento da escola e de todos os seus atores. Propiciará um contato permanente entre professores e alunos, o que leva ao conhecimento mútuo e, em consequência, aproximará também as necessidades dos alunos dos conteúdos ensinados pelos professores.

Não podemos esquecer que o aluno aprende apenas quando ele se torna sujeito da sua aprendizagem. E para ele tornar-se sujeito da sua aprendizagem ele precisa participar das decisões que dizem respeito ao projeto da escola que faz parte também do projeto de sua vida. Passamos muito tempo na escola para sermos meros clientes dela.

Replicar que temos “gestão deficiente” é atestar a si próprio a responsabilidade de ter errado, afinal em três anos passaram pela secretaria de educação de Esteio: três diretoras administrativas, duas diretoras pedagógicas, três coordenadoras de educação básica, duas coordenadoras de educação infantil, fora as assessorias que perdemos as contas. E por fim, o próprio prefeito, após saída do secretário de educação Marcos Dal Bo, assumiu a pasta e nela está até o presente momento. Culpabilizar o outro é mais fácil, principalmente quanto temos o poder da caneta, quando temos a máquina publica ao nosso favor, quando a mídia é um grande apoiador. Nesse caso, as mentiras repetidas por várias vezes, acabam tornando-se verdades.

Quando o professor se atreve a rebater, questionar e exigir respeito, o representante da cidade diz que são posturas ideológicas e discursos populistas e vazios. O que realmente tem sido vazio é o que está ocorrendo na cidade, numa crescente de autoritarismo – coibindo assim a possibilidade de avanço na educação – se afastando cada vez mais do diálogo e construção democrática com os verdadeiros responsáveis pela educação esteiense.

Há um alinhamento entre os governos do nosso país contra a educação pública. O descaso e a violência do presidente Bolsonaro com a educação universitária, o pacote de Eduardo Leite desmontando os direitos dos servidores estaduais e querendo torná-los como os grandes vilões da crise, e infelizmente, também em nossa cidade, Leonardo Pascoal atua para acabar com o pouco que conseguimos.

Mas afinal, quem tem propriedade para falar sobre educação? Qual o nosso lugar de fala? Por que o prefeito assumiu a pasta de secretário de educação? Até quando continuaremos tendo ausência de gestão democrática, ausência de formação continuada para os professores, até quando nossos alunos seguirão sendo vistos como números, até quando teremos um ditador gestando a cidade? Dias melhores virão! Afinal, a cidade não é o monopólio do gestor.

É que a democracia, como qualquer sonho, não se faz com palavras desencarnadas, mas com reflexão e prática.”
(Paulo Freire)

 

 *Graziela Oliveira é Pedagoga, Professora de Educação Física, Especialista em Gestão Escolar, Mestranda em Educação – UFRGS e Presidente do SISME (Sindicato do Servidores Municipais de Esteio)

 

Referências

Betto, Frei. Por uma Educação Crítica e Participativa. Anfiteatro. 1ºed. 2018.
Bourdieu, Pierre. Escritos da Educação (Organização: Maria Alice Nogueira e Afrânio Mendes Catani), 16°ed., Petrópolis-RJ. Vozes, 2016).
Gadotti, Moacir. Gestão Democrática e Qualidade de Ensino. 1994 – Minascentro, Belo Horizonte – MG
INEP, MEC. http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica. Acesso em: 29 de novembro de 2019.
Ribeiro, Djamila. O que é lugar de fala? Grupo Editorial Letramento,2017.
Wallon, H. (1959-1975). Psicologia e educação da infância. Lisboa, Estampa.
http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/o-pisa-e-um-projeto-de-colonialismo Acesso em 05 de dezembro 2019.