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BRASIL

Como a MP-905 reduzirá o valor do adicional de periculosidade dos trabalhadores

Um frentista pode perder cerca de R$ 300 por mês ao aderir ao modelo da carteira verde-amarela, proposta por Bolsonaro com a MP-905

Durval Junior, do IBEPS (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais)
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Posto de gasolina em Brasília- DF

Uma das mudanças mais prejudiciais aos trabalhadores trazidas com a MP-905 do governo Bolsonaro, que instituiu a Carteira Verde e Amarela, é com respeito ao adicional de periculosidade.

O adicional de periculosidade é um valor devido ao empregado exposto a atividades periculosas. Por periculosas entende-se aquelas atividades no trabalho que são perigosas ou que colocam a vida em risco.

As situações de risco acentuado são aquelas inerentes aos serviços executados pelos trabalhadores ou simplesmente por estarem trabalhando dentro de uma área física considerada suscetível a acidentes, podendo resultar em incapacidade, invalidez ou mesmo a morte.

Por exemplo, quem trabalha em contato com substâncias inflamáveis, explosivas, com energia elétrica, com produtos radioativos, etc, possui o direito de receber do patrão um adicional por trabalhar em situação de risco.

São exemplos de trabalhadores nestas condições os frentistas de postos de combustíveis, os eletricistas, “vigilantes”, os trabalhadores de operadoras de gás, bombeiro civil e mais recentemente os motoboys, dentre outros.

Para quem trabalha nesta situação, há um adicional de 30% sobre o salário-base do empregado, nos termos do artigo 193 da CLT.

É o chamado “salário condição”, que são pagos enquanto durarem a “condição” de periculosidade. Uma vez inexistente esta situação, o adicional pode deixar de ser pago.

O que mudou com a MP-905

A primeira e mais importante mudança é com respeito ao valor do adicional de periculosidade, que passa de 30% para apenas 5% do salário-base.

Este montante seria pago como um seguro contratado pela empresa para cobrir “morte acidental, danos corporais, danos estéticos e danos morais”, conforme estabelece o § 1º, do artigo 15 da MP-905.

A título de exemplo, vejamos a seguinte comparação entre um frentista que trabalha no regime da CLT e outro que aderiu ao Programa Verde e Amarelo do Bolsonaro, em ambos os casos ganhando R$ 1.300,00 mensais.

Nas regras da CLT ele ganharia o seguinte:
R$ 1.300,00 x 30% de adicional de periculosidade = R$ 1.690,00 mês
Renda anual: R$ 20.280,00

Nas regras da MP-905 ele ganharia o seguinte:
R$ 1.300,00 x 5% de adicional de periculosidade = R$ 1.365,00 mês
Renda anual: R$ 16.272,00

Com a alteração, em um ano de trabalho, o empregado teria um prejuízo de R$ 4.008,00 em seu orçamento.

Requisitos para receber o adicional

Este valor de 5% só valeria para aqueles trabalhadores que cumprirem os seguintes requisitos:

  • Estar trabalhando pela primeira vez;
  • Possuir idade entre 18 e 29 anos;
  • Aderir por escrito à nova modalidade contratual.

Evidentemente que num país com quase 13 milhões de desempregados, dos quais a juventude entre 15 e 25 anos ocupa a expressiva taxa de 26,62% de desempregados (IBGE), ninguém que pretende trabalhar pela primeira vez estará em condições de recusar o serviço por conta desta redução do adicional, o que torna a medida muito mais desumana, dada a situação desesperadora de quem quer trabalhar.

Esta medida afetará mais ainda os negros e negras que amargam uma taxa mais elevada de desemprego, por volta de 2% maior que os brancos, segundo pesquisa da LCA Consultores.

A medida é totalmente contrária à decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que na Súmula 364, inciso II, estabelecia que cláusulas de acordo ou convenção coletiva que estipulassem valores menores de adicional seriam inválidas, posto que se trata de questão de higiene, saúde e segurança do trabalho.

Ou seja, se nem os sindicatos, que representam uma categoria toda, poderiam diminuir o valor do adicional, menos ainda poderia uma pessoa individualmente.

Além de contrariar decisão do TST, a medida também é inconstitucional, já que normas de higiene, saúde e segurança do trabalhador estão resguardadas pelo artigo 7º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal.

Outro obstáculo para o direito

Além dos três requisitos anteriormente mencionados, o trabalhador terá que ficar exposto ao perigo de forma permanente durante ao menos 50% do tempo de sua jornada de trabalho, conforme dispõe o § 4º do artigo 15 da MP-905.

Esta medida afronta diretamente decisão do TST que na Súmula 364, inciso I, garantia o direito ao adicional de periculosidade aos trabalhadores que estivessem expostos de forma habitual ou intermitente a situação de risco ou perigo.

Apenas quando estava exposto de forma fortuita ou eventual é que não teria o direito ao referido adicional.
Portanto, além de diminuir o valor do adicional, a regra da MP-905 também dificulta o acesso ao direito.

Número de acidentes no Brasil

O Anuário de Acidentes do Trabalho do Ministério da Fazenda registrou no ano de 2017 um total de 549.405 acidentes de trabalho.

Segundo o Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho, entre 2012 de 2018 foram contabilizados 17.200 falecimentos em razão de algum incidente ou doença relacionados à atividade laboral.

Só no ano de 2018 foram registrados 2.022 mortos no trabalho.

A cada 3 horas e 40 minutos uma pessoa morre por acidente de trabalho no Brasil.

Os adicionais de periculosidade não são capazes, evidentemente, de evitar a incapacidade, invalidez ou a morte de um trabalhador, mas é uma forma de compensar os riscos que suporta todos os dias, sem saber se algum imprevisto o impedirá de retornar com vida para sua família.

Além da MP 905 não garantir geração de empregos, de nada vale ostentar o verde e amarelo por fora se por dentro a cor continuar a ser de luto para trabalhadores e familiares.