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MUNDO

Impasse nas eleições uruguaias

Ge Souza, de São Paulo (SP)

No último domingo, 24, foram realizadas as eleições em segundo turno, para a escolha do presidente no Uruguai. Mas, até agora (27) o Tribunal Eleitoral não proclamou um vencedor entre o candidato da Frente Ampla, Daniel Martínez, e o candidato do Partido Nacional, Luis Lacalle Pou.

Com 100% das urnas apuradas, há uma diferença de apenas 1,2% ou 28.666 votos entre os dois candidatos. O comparecimento às urnas no segundo turno foi altíssimo, com 90% dos eleitores indo votar, o que já anunciava a enorme polarização entre os dois candidatos.

Para resolver o impasse de quem ganhou as eleições, o Tribunal Eleitoral vai usar um critério de recontagem dos “votos observados”, que são pessoas que votaram fora de sua zona eleitoral, como por exemplo os mesários e uruguaios que vivem no exterior. Como o número de “votos observados” é superior à diferença de votos entre os dois candidatos (35.229), o Tribunal Eleitoral não pode anunciar um vencedor.

Martínez, da Frente Ampla, só conseguirá vencer as eleições se tiver 91% dos “votos observados”. No primeiro turno ele conseguiu apenas 27% destes votos, e é por isso que Lacalle já dá declarações como o futuro presidente do Uruguai. Caso Lacalle vença as eleições, vai interromper 15 anos de governos da Frente Ampla, e vai definir se o Uruguai vai dar um giro para a direita. 

A chegada da Frente Ampla ao governo em 2004, quando Tabaré foi eleito presidente, marcou a vitória da esquerda, um fato inédito na história uruguaia, já que desde o século 19, os partidos burgueses Nacional (conhecido como Blanco) e Colorado se revezavam no poder.

Mesmo tendo vencido o primeiro turno das eleições em outubro, com 39,2% dos votos, a Frente Ampla não conseguiu os 50% de votos necessários para evitar o segundo turno, quando já se previa que seu candidato poderia ser derrotado.

A recontagem dos “votos apurados” começou na terça-feira, 26, e deve se estender até o dia 29 de novembro.

Os problemas que dividem o Uruguai e que podem derrotar a Frente Ampla

Apesar de o Uruguai ser considerado um dos melhores países da América Latina em termos de qualidade de vida, igualdade e democracia, esta não é a mesma opinião da população uruguaia, segundo pesquisas. As enquetes sempre revelam um pessimismo dos uruguaios, mesmo tendo a maior renda per capita da região há 7 anos, uma economia crescente nos últimos 16 anos e índices de pobreza comparável aos países europeus. No entanto, o desemprego está em 9,8%, uma das taxas mais altas do continente latino americano. Mas, do que reclamam os uruguaios, se sob os governos da Frente Ampla alcançaram os melhores índices da sua história moderna?

Altas taxas de suicídio entre idosos e jovens

Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Uruguai tem a segunda maior taxa de suicídio da América Latina. Só perde para a Guiana. Foram 20,5 mortes por 100 mil habitantes em 2018, o dobro da taxa mundial, com um aumento de 3% em relação a 2017. Os especialistas explicam estes índices de tantos suicídios no Uruguai pela combinação de fatores sociais, familiares e pessoais. Os principais grupos de risco estão entre idosos e adolescentes. 

Os idosos representam 12% da população uruguaia, e a assistência do Estado é precária e insuficiente. No setor privado a assistência é muito cara e as aposentadorias não podem arcar com este custo. Na outra ponta, onde estão as crianças e os jovens, a situação não é diferente: uma em cada cinco crianças nasce na pobreza. E 60% sofrem com algum tipo de abuso. As taxas de dislexia, obesidade e déficit de ferro são comparáveis às de países três vezes mais pobres, segundo o Ministério da Saúde uruguaio.  

Educação em retrocesso

A educação no Uruguai já foi considerada a melhor da América Latina. Mas, hoje, ela está estacionada como era nos anos 1950 do século 20. Dos estudantes que ingressam no ensino médio, 40% não concluem esta fase do ensino. 

A Frente Ampla não conseguiu reverter esta situação nos 15 anos em que governou, e isto acabou comprometendo o apoio ao seu governo.

Violência crescente

Nos últimos 10 anos os índices de violência e a sensação de insegurança cresceram muito no Uruguai. Em 2018, os homicídios aumentaram 45%, os roubos com violência 53% e os roubos sem violência 23%.

Para os estudiosos da violência no País, o aumento da criminalidade se explica pelo fato de que nos últimos anos o Uruguai se transformou em um território de saída para as drogas produzidas na Bolívia, Peru e Colômbia. Nem mesmo a legalização da maconha fez diminuir os índices de criminalidade gerados pelas disputas do tráfico de drogas e as ações da polícia.

Para combater o aumento da violência e da criminalidade o Congresso tentou aprovar uma lei de segurança, muito parecida com a do Brasil, que iria permitir uma ação indiscriminada da polícia, legalizando os “autos de resistência” em confrontos. A população reagiu a este projeto com uma gigantesca manifestação, o que fez com que o Congresso voltasse atrás na aprovação do Projeto.

A violência foi um dos elementos principais que fez com que o candidato da direita, Lacalle, tivesse muitos votos junto à população e chegasse à frente da Frente Ampla no segundo turno.

Estes fatores combinados é que podem ter feito com que a Frente Ampla agora veja a continuidade de seu governo ameaçada, depois de 15 anos, mesmo com os bons índices de desenvolvimento econômico e social que proporcionou aos uruguaios.

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