Desde a vitória do Evo nas eleições de 2005, a Embaixada dos EUA atuou para derrubar o seu governo, agindo junto com a oposição fascista na tentativa de golpe de 2008, que assassinou camponeses do MAS e explodiu um gasoduto.
Como disse o Chomsky, os Estados Unidos tinham dois planos para a Bolívia: o plano A era um golpe de Estado; o plano B, assassinar Evo. A estratégia da política externa norte-americana para os governos à esquerda na América Latina sempre tem um plano A e um plano B. O plano A é derrubar através de “golpes brancos” (como o que derrubou Lugo em 2012 no Paraguai e Dilma em 2016), desestabilizando o governo com ciberguerras de fakenews sobre corrupção e mobilizando setores institucionais anti-governistas (Judiciário, Ministério Público, Congresso) para mascarar o golpe como constitucional (sempre bom lembrar que a Liliana Ayalde, que dirigia a Embaixada dos EUA no Paraguai, pouco antes do golpe e no Brasil durante, organizou programas de “combate à corrupção” (o Programa Umbral e o Projeto Pontes com juízes, promotores e policiais federais (dentre eles o Moro) que eram da oposição aos governos de Lugo e Dilma).
O golpe que derrubou o governo do Manuel Zelaya da presidência de Honduras em 2009 já não foi tão “branco”. Ele foi raptado de pijamas pelos militares hondurenhos e levado para uma base aérea controlada pelos norte-americanos, de onde foi despachado para fora do país (sem falar no financiamento dos EUA a milícias fascistas que assassinaram mais de quarenta pessoas do movimento campesino após o golpe). Mas a ordem para o exército veio do Judiciário, que acusava o Zelaya, dentre outras coisas, de corrupção. O caso hondurenho pode ser um meio termo entre o plano A dos golpes brancos e o plano B, que aciona os militares e as milícias fascistas para derramarem sangue quando não é possível um golpe mascarado. Foi o que o EUA tentou sem sucesso em 2002 na Venezuela (militares prenderam Chávez e fecharam a Assembleia Nacional e o Supremo Tribunal), em 2008 na Bolívia (os governadores da Media Luna tentaram se separar do país através de protestos violentos, explosão de prédios públicos e assassinatos), em 2010 no Equador (policiais se amotinaram, invadiram o Congresso e tomaram o aeroporto da capital), e o que tenta nesse momento na Bolívia.
Quando se fala do “novo golpismo do século XXI” muitas vezes se esquece de que o plano B sempre está pronto para ser acionado. Quer dizer, o imperialismo norte-americano desenvolveu novas táticas para derrubar governos, como 1) os programas ultra tecnológicos de análise de dados e manipulação de massas, através de redes sociais do Departamento de Defesa norte-americano, como 2) maiores teias de influência sobre os poderes judiciários (a lawfare, guerra jurídica) ou como 3) o renovado discurso de combate à corrupção construído por organismos internacionais dirigidos pelos EUA, depois que o fim da Guerra Fria acabou com o discurso da guerra ao comunismo e fez com que os EUA tivessem que criar novos inimigos como o terrorismo, o narcoterrorismo e a corrupção.
A mobilização dos militares e das milícias fascistas caminha junto com o engajamento de juízes e agitadores sociais para desestabilizar governos através de acusações de corrupção e ciberguerras nas redes sociais ou de assassinatos de militantes. O conceito de “guerra híbrida” é justamente a fusão das táticas de guerrilha, que o EUA usou, por exemplo, na década de 1980 contra os sandinistas na Nicarágua e contra os soviéticos no Afeganistão, com as táticas de insuflar manifestações anti-governistas através de programas de manipulação de massas por redes sociais, que o Departamento de Defesa dos EUA usou nas revoluções coloridas.
O governo do Evo, na Bolívia, enfrentou a ofensiva híbrida dos EUA desde que chegou ao poder. Dois dias depois de ele assumir a presidência, o Embaixador David Greenlee avisou a ele que “quando pensar em [financiamentos] do BID [Banco Internacional de Desenvolvimento], deve pensar nos Estados Unidos (…)”, completando que “isso não é uma chantagem, é a simples realidade” (…) espero que você, como próximo presidente da Bolívia, compreenda a importância disso, porque uma separação dos caminhos não seria boa para a região, nem para a Bolívia, nem para os Estados Unidos”.
Evo nacionalizou o petróleo boliviano logo após tomar posse, e os financiamentos do BID, do FMI e do Banco Mundial foram automaticamente cortados, e a Embaixada se articulou com os governos estaduais opositores para desestabilizar o governo de Evo: um telegrama enviado da Embaixada dos EUA na Bolívia para Washington em abril de 2007 fala do “mais amplo esforço da USAID para reforçar os governos regionais (da Media Luna) como contrapeso ao governo central”. Em outro telegrama de abril de 2008, a Embaixada analisava as possibilidades de mobilizar a oposição ao governo central em Santa Cruz (o Estado de Camacho), especialmente os movimentos indígenas “que se opunham a visão das comunidades indígenas de Evo Morales”, priorizadas nos financiamentos da USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional dos EUA, fachada para financiar oposições a governos vistos como hostis pelos EUA).
Em agosto de 2008, os governos estaduais da região opositora da “Media Luna” (Rubén Costas, de Santa Cruz, Ernesto Suárez, de Beni, Leopoldo Fernandez, de Pando e Mario Cossio, de Tarija, regiões que concentram a maioria das reservas de petróleo e gás e que, ao contrário dos outros Estados bolivianos, têm populações que não são majoritariamente indígenas), se rebelaram contra o governo com protestos pela separação da Media Luna da Bolívia, incendiaram prédios públicos e assassinaram líderes do movimento campesino ligado ao MAS (partido do Evo). O principal ataque era à lei dos hidrocarbonetos, a que tinha nacionalizado o petróleo em 2005 e que tinha distribuído os royalties ganhos com o petróleo por todo o território boliviano, que antes ficavam nas mãos dos governos da Media Luna.
Enquanto a UNASUL condenava os ataques, a Embaixada dos EUA escrevia o telegrama “Bolívia: transformação com violência é o mais provável”, comentando com naturalidade que a oposição, liderada pelo governador de Pando, Leopoldo Fernandez (que então organizou o Massacre de Porvenir, que emboscou e assassinou 30 camponeses do MAS), e o governador de Tarija, Mario Cossio, via a “violência como possibilidade para forçar o governo a dialogar”.
A Embaixada, em outro telegrama intitulado “O verdadeiro líder da oposição vai por favor se levantar?”, já havia apontado Cossio como uma possível liderança para derrubar Evo (Philip Goldberg, o Embaixador dos EUA na Bolívia, que escreve esse telegrama, foi enviado para assumir a direção da Embaixada logo depois da vitória de Evo – note-se que ele foi enviado do Kosovo, onde atuou no processo separatista, como também fez antes na Bósnia.
Dias antes dos protestos, em 25 de agosto, Goldberg se reuniu com o governador de Santa Cruz Rubén Costas, que disse “sentir” que “um confronto civil iria acontecer”, e que Evo só sairia do palácio presidencial morto. Quando, em 24 de setembro, os protestos estavam no auge da violência e a Embaixada esperava ocorrer “confrontos” entre um pelotão da oposição, que marchava para Santa Cruz, e a militância do MAS, o Comitê de Emergência da Embaixada formulava uma “resposta imediata em caso de emergência, por exemplo, uma tentativa de golpe ou a morte do presidente Morales”. Quer dizer, os protestos não começaram quando Evo ignorou o plebiscito que votou contra a possibilidade dele se reeleger (o que foi dar de bandeja uma bandeira democrática nas mãos da oposição): o plano A e o plano B já estavam traçados há muito tempo.
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