Chegamos no dia 20 de novembro de 2019. Acordamos, enquanto população negra brasileira, com as lembranças de histórias de negros que os livros da escola não nos contaram. Uma delas é a história de Zumbi dos Palmares, conhecido como símbolo da resistência negra.
Depois de um longo centenário, que seu nome trás, na verdade, muitos outros nomes que lutaram pela liberdade do povo negro roubado da sua terra, vendido, escravizado, liberto sem terra, liberto sem escola, liberto sem trabalho e, logo em seguida, novamente escravizado, pois sabemos qual o papel do encarceramento em massa da população pobre e negra no Brasil.
O que Zumbi nos quis dizer em seu tempo? Foi assim que outras gerações de negros foram se mantendo vivas. Sempre que possível, contando esta história. História esta que em alguns momentos foi saindo das memórias e do conto “dos outros” e se tornando nossa história.
Foi assim que resistência começou a fazer parte das nossas vidas. Palavras como fuga, luta, vida, força, irmandade, africanidade, foram fazendo parte do nosso vocabulário, cheias de possibilidades. Quando nossos pretos e pretas velhas iam contando, criavam possibilidades de olhar pra frente.
Hoje quero falar de fuga, de vida, de irmandade, pois estas palavras nos levaram a buscar, dentro desta sociedade escolarizada, espaços de aprendizagens, muitas vezes, escritas por “outros”.
Neste caminho, em que fomos aprendendo a ler, escrever e contar, fomos reconhecendo a possibilidade de ir mais além. Estudar para conhecer as histórias dos livros escritos por “outros”, e aprendemos muitas coisas, dentre elas a fuga, a luta e a irmandade. Aqui e acolá fomos encontrando sujeitos negros e não negros na contramão da corrente do saber universal, único. E com a memória dos nossos ancestrais fomos costurando esta colcha de retalho – um novo conhecimento “para eles”. Para nós, conhecimento produzido a partir de onde saímos.
Entramos na escola, na universidade e, não foi, nada fácil. Podemos aqui lembrar da história de Ruby Bridges, pequena – grande menina negra a ir para a escola na década de 1960, nos Estados Unidos. Ruby entrou escoltada por policiais para garantir seu direito de estudar. Esta pode ter sido nossa primeira experiência de “cotas” educacionais.
No Brasil, esta história não foi diferente, no que diz respeito ao direito à educação, pois nas leis provinciais de 1837 encontramos os registros de proibição de frequentar as escolas públicas: 1º – as pessoas que padecem de moléstias contagiosas, 2º – os escravos e pretos ainda que livres ou libertos.
Vamos observar, nos dois casos citados, que estamos falando de educação elementar: “ler, escrever e contar”. A contabilidade é simples, os negros ficaram sem escola no Brasil, deste sua chegada escravizada. Esta constatação nos possibilita ter uma ideia do que viriam a ser as lutas por vagas na escola elementar até a escola superior, hoje universidade.
Nem Zumbi, nem Dandara, nem Tereza de Benguela, nem Dragão do Mar, sem Preta Simoa poderiam imaginar o tamanho da história de resistências e seus significados para seus descendentes.
Em homenagem a eles quero falar de negros da universidade. O que significa para cada negro, para cada família negra, criar um quilombo nas instituições educacionais e, em especial, nas universidades.
Queremos aqui, neste dia, falar de histórias de negros que resistiram: luta, fuga, irmandade, africanidade. Pois, desde 2012, com a Lei das Cotas, tivemos oportunidade de discutir, duramente, sobre racismo, igualdade, desigualdade, diferenças. Esta lei possibilitou tratarmos de políticas afirmativas de entrada, permanência e formação do povo negro na universidade. Política, não assistência. Sabemos que ainda temos muito a conquistar, como a escola básica de qualidade para todos e todas, pobres do Brasil.
Queremos aqui ratificar o que Cida Bento afirmou acerca das ações afirmativas nesta década. Diz a autora que “Ações afirmativas são revolucionárias por reivindicar equidade num sistema político, econômico e social que se alimenta das desigualdades, da crescente concentração de renda na mão de poucos e por colocar em cena novos atores e atrizes sociais que disputam outra perspectiva de sociedade e de desenvolvimento.” (Folha de São Paulo, 2019).
Estas ações afirmativas têm possibilitado a cada dia sermos mais em número e em produção de conhecimento negro, em circulação, em aquilombamento de corpos e ideias na universidade.
Se perguntam quantos mais seremos, vamos dizer que seremos muitos mais. Pois entramos em um lugar político de fala que sempre nos pertenceu! Se entramos, continuaremos, para assegurar que mais estejam conosco.
E quais serão nossos nomes nos Diplomas de formatura? Zumbi, Dandara, Tereza, Luíza!
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