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MUNDO

Fora Jeanine Anez! Todo apoio à resistência indígena e popular contra o golpe na Bolívia

Joallan Cardin, de Salvador (BA) e Nericilda Rocha, de Fortaleza (CE)

Militar dá “posse” à Jeanine Anez

 “…Nos han robado,
Nos quieren vender
Si nos seguimos durmiendo
Nada has de tener. Pero nunca
Los quiero aca…
Nunca más!!! …” 

Trecho de Nunca Más, canção de Atajo, banda de rock boliviana, gravada após outubro de 2003.

 

Há uma heroica luta em curso na Bolivia. Vários setores sociais resistem com barricadas e gigantescas mobilizações contra o governo de Jeanine Añez. Um governo ilegítimo, tutelado pelas Forças Armadas, após o golpe que depôs o presidente Evo Morales em 10 de novembro. Com suas vidas buscam derrotar o golpe e decidir, junto à resistência popular no Chile, os rumos da situação política na América Latina. Merecem o apoio e a solidariedade internacional da esquerda socialista e dos setores progressistas.

Quatro dias de governo interino, Añez já substituiu alguns chefes das Forças Armadas que agora atuam nas ruas intensificando uma duríssima repressão à gigantesca resistência popular contra o golpe e seu governo. Os relatos e cenas demonstram que a repressão tem características de matança em algumas localidades. Em Sacaba, cidade da região dos cocaleiros do Chapare, a 13 km de Cochabamba, uma mobilização de cocaleiros, neste sábado 16, exigia a renúncia da autoproclamada Presidente e o retorno de Evo Morales, foi brutalmente reprimida, deixando seis manifestantes mortos e centenas de feridos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o que chamou de uso desproporcional das forças militares. O Decreto Supremo 4.078 de sábado 15, autoriza os militares a usar todos os meios disponíveis para controlar as manifestações, leia-se licença para matar. A própria CIDH considerou que o Decreto exime de responsabilidade penal às Forças Armadas e viola os Direitos Humanos. 

Os que orquestraram o golpe buscam impedir que a mobilização chegue à cidade de Cochabamba e siga em direção à capital, La Paz, onde se encontra a sede do governo e o centro da resistência promovida pelos moradores de El Alto. Este fato poderia colocar em xeque o governo golpista. Os golpistas pressentem o perigo, e reprimem com características de massacre àqueles que resistem. Em El Alto, uma multitudinária mobilização que desceu à cidade de La Paz, sexta 15, também foi brutalmente reprimida. Na capital de Potosi, no sábado 15, chegou uma grande marcha dos indígenas do Norte do estado que se instalou na principal Praça da cidade, exigindo o retorno de Evo Morales e o desagravo à bandeira Wiphala pisoteada por setores golpistas.

A resistência ao golpe já soma 23 mortos e mais de 500 feridos e luta como pode. Cortaram os gasodutos de gás que abastecem de combustível às cidades de La Paz (planta de Senkata), Cochabamba (planta de Bulo Bulo), trecho de Villa Tunari y Cristal Mayu onde se interrompe o gasoduto de acesso às cidades de Potosí, Chuquisaca e Santa Cruz e seguem em mobilizações e bloqueios nessas regiões. 

Tentam impor um novo regime 

Houve muita confusão nos dois dias posteriores ao golpe. A direção política das principais manifestações, Mesa e Camacho, trataram de fortalecer a narrativa de que não houve golpe, e sim fraude, e por isso a renúncia de Evo. Muitos ativistas honestos que estavam em oposição à Evo desde o 21F, mas, não sob a direção política dos golpistas, estão se dando conta que as mobilizações nunca foram por segundo turno, menos ainda por novas eleições. A quebra de institucionalidade é tão evidente que o golpe se ramifica a todas as instituições. 

O governo já substituiu o presidente do Tribunal Superior de Justiça e uma infinidade de lideranças à frente de empresas estatais, Tribunal Superior Eleitoral, etc. Tudo em uma velocidade que somente um golpe de profunda ruptura da institucionalidade possibilita. Não mudaram apenas o governo, o projeto é alterar todas as instituições e retroceder no Estado Plurinacional, seus símbolos e tudo o que ele representa de visibilidade e incorporação dos povos historicamente excluídos. 

O racismo é estrutural e estruturante no desenvolvimento do capitalismo boliviano e na formação social e política das elites dominantes. Esse é o caminho para entender a relação entre os interesses econômicos, ideológicos, políticos e culturais que tecem o golpe. Os ataques econômicos que pretendem impor, exige que as tímidas reformas e políticas inclusivas de Evo Morales, adotadas devido às reivindicações dos processos revolucionários de 2003 e 2005, sejam anuladas. Não é casual que a resistência ao golpe levante com força a Wiphala. Por outro lado, o governo interino e as forças repressoras não aguardam as novas eleições para colocar em marcha sua nova agenda.

A face econômica do golpe

O governo interino suspendeu o Decreto de Evo que estabelecia uma cota para o abastecimento interno do açúcar e da soja. Estabelecida esta cota, os produtos poderiam ser exportados. A presidente ilegítima anunciou este sábado 16, que será realizada auditoria nas empresas estatais para ver quais serão capitalizadas e quais vendidas, ou seja, o retorno das privatizações. Os golpistas revisarão os contratos petroleiros nas áreas protegidas e a Lei 767 dos hidrocarburos. Esta lei estabeleceu novos contratos petroleiros com as transnacionais permitindo ao Estado boliviano uma maior arrecadação, estabilidade econômica, equilíbrio fiscal e a criação de políticas sociais como os bônus Juancito Pinto, Juana Azurduy e Renda Dignidad.

Nas palavras da usurpadora Jeanine Añez, “seu governo estabelecerá as bases para que o próximo possa liberar a economia”. Ora, essa agenda é o retorno do neoliberalismo em Bolívia, implementado durante os governos de Gonzalo Sanchez de Lozada e rechaçadas pelo povo em outubro de 2003. O golpe é para dar início a uma agenda econômica em que o imperialismo tenha maior controle sobre os ricos recursos naturais do país (gás, lítio, urânio) hoje com forte presença da China. 

Realinhamento com os EUA e a ofensiva contra Venezuela e Cuba

Alguns jornais apresentaram as relações dos Estados Unidos com os principais atores do golpe. Luis Fernando Camacho, presidente do comitê cívico de Santa Cruz, além de ter reunido com o governo brasileiro através do Ministro Ernesto Araújo, é orientado por Branko Marincovick, ex-presidente da entidade cívica que encabeçou o golpe contra Evo em 2008. Este personagem vive em São Paulo e integrou a Cúpula Conservadora das Américas. Juan Flores, presidente do comitê cívico de Cochabamba, é assessorado por Carlos Sánchez Berzain, ex-ministro de defesa de “Goni”, que vive exiliado em EE.UU. desde 2003. 

Trump foi o primeiro a emitir nota parabenizando os militares bolivianos e afirmando que a renúncia de Evo era um passo para a democracia. Sendo seguido pelo governo brasileiro de Jair Bolsonaro. Decerto que um golpe na Bolívia no momento em que as lutas nas ruas contra os governos direitistas do Equador e Chile ameaçam mudar a configuração política na América do Sul. 

O governo ilegítimo está realinhando a Bolívia aos interesses dos EUA. Sábado 16, anunciaram que o país romperá relações com Venezuela e todo o pessoal de sua Embaixada foi declarado “pessoas não gratas”, e se reconheceu ao autoproclamado Juan Guaidó presidente de Venezuela. Já retiraram Bolívia da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) e farão o mesmo com a UNASUR. Cuba retirará seus mais de 725 médicos e diplomatas do país porque estão sendo perseguidos e agredidos. Quatro profissionais da saúde foram detidos em El Alto sob acusação de apoio às mobilizações. 

O encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Bolivia, Bruce Williamson, declarou sábado 15, que um eventual retorno da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos à Bolívia, seria uma forma dos dois países restabelecerem relações. A DEA foi um dos grandes símbolos da ingerência e intervenção militar norte-americana na Bolívia nos anos 1990, ao impor a erradicação forçada dos cultivos de folha de coca. 

Fortalecer a resistência! A COB deve convocar os mineiros à luta!

Como um governo de conciliação de classes, Evo Morales sempre fez grandes concessões à burguesia, garantindo os negócios e lucros dos empresários de Santa Cruz. Quando o setor da extrema-direita organizou sua derrubada com o apoio dos militares, Evo fez uma última concessão, prometendo chamar novas eleições. Ainda assim a escalada golpista não se deteve. Agora que as mobilizações enfrentam nas ruas a dura repressão dos militares e do governo ilegítimo de Añez, Evo Morales, desde o México, anuncia sua intenção de voltar ao país e convocar uma grande mesa nacional de diálogo com Carlos Mesa e Camacho. Evo e o MAS precisam olhar para o exemplo de coragem e luta que os indígenas e camponeses estão dando. Não há o que negociar! 

A direção da COB e da Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros de Bolívia não podem capitular ao golpe e fugir da luta! Até o momento, as bases mineiras de Huanuni e outros distritos não se somaram à resistência. Os mineiros não podem abandonar seus irmãos camponeses e indígenas que estão sendo massacrados pela repressão. Derrotar o golpe é tarefa de toda a classe trabalhadora. A COB, a FSTMB e o Sindicato dos Trabalhadores Mineiros de Huanuni devem convocar uma greve geral e marchar até a cidade de La Paz, ampliando e fortalecendo a resistência que estão travando os trabalhadores, indígenas e camponeses de El Alto e Cochabamba.

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