O presidente da República Jair Bolsonaro está preso. Não é premonição. É uma situação simbólica que atinge todos: estamos sempre aprisionados, em certa medida, por nossas mazelas e virtudes.
O atual chefe do Executivo nacional cultivou, ao longo de sua vida pública, amizades perigosas. O mais notório dos parceiros íntimos é o indigitado Fabrício Queiroz. O policial militar reconhece, em linguajar grosseiro, que está ameaçadíssimo por investigações de negócios espúrios.
Os valores que Queiroz explicitou são claros – e obscuros: mandatos parlamentares como “boquinha” para amigos, espionagem de inimigos, blindagem de próximos contra apurações. Espírito e prática miliciana. Poder e dinheiro. Impossível não enxergar aí a cosmovisão dos Bolsonaro, tamanha a força que esse senhor tinha na vida pública da família hoje no vértice da hierarquia da República.
Bolsonaro, que se construiu como antissistema sendo visceralmente dele, saudoso das capitanias hereditárias e do AI-5, com sua “filhocracia”, é prisioneiro do que o fez crescer em popularidade: a palavra irrefletida, a raiva incontida, a destruição do adversário diuturnamente pregada.
Retrógrado, ressuscita a Guerra Fria e vê em todos os que o criticam o “comunismo solerte”, na linguagem dos chefes militares do regime autoritário que tanto admira – como a tortura, implementada como política de Estado naqueles ásperos tempos.
“Leão”, se vê cercado por “hienas”, que vão de entidades religiosas, como a CNBB, a ONGs e ao STF. Com voracidade de predador faminto, promete destruir, qual biomas a serem explorados, quem denuncie suas escolhas e sua visão tosca de mundo. Quando alguma mensagem o desagrada, ameaça eliminar o mensageiro.
Bolsonaro é prisioneiro de sua base extremada, que não chega a um terço da população brasileira. Servidão voluntária: só fica à vontade quando fala para ela. Os “bolsocrentes” o estimulam a seguir nessa marcha insensata, patrimonialista, autocentrada e antirrepublicana. Bolsonaro é um líder tão algemado pelo êxito do seu “espontaneísmo” que se desgasta até com setores dominantes, adeptos dos aspectos ultraliberais do modelo econômico que aprofunda.
Na outra ponta da polarização política está Lula – que ficou efetivamente preso desde abril do ano passado. Lula está em liberdade, por erros processuais e por direito, após um trâmite judicial seletivo e de rara celeridade, para evitar sua candidatura à presidência.
Representante de um outro padrão de política, Lula seguirá prisioneiro de seu extraordinário carisma. Tomara que combata o senso comum que “acredita em pessoas, não em partidos”. À parte a riqueza de sua trajetória e a capacidade de comunicação que fez dele o maior líder popular da história do país, isso encerra riscos: tornar-se uma espécie de “oráculo”, portador único do caminho a ser percorrido. Lula locuta, causa finita. Faria bem a volta daquele Lula aberto à autocrítica, que rejeitava o “lulismo” e se reconhecia como “fruto da consciência política da classe trabalhadora”. Aliás, foram seus “novos amigos” grandes empreiteiros os primeiros a denunciá-lo…
Em perspectiva de futuro, não é adequada para nenhuma sociedade a disputa personalizada, em torno de nomes, ainda que eles simbolizem ideias e sistemas de valores antagônicos. Isso só agravaria a tendência contemporânea do individualismo, das “bolhas” egoístas de proteção e indiferença, negadoras da sociabilidade e da política. Polarização é natural na política, desde que nutrida pela disputa de projetos.
O melhor caminho na senda republicana e democrática é o fortalecimento de processos coletivos, implementados por movimentos e partidos, por mais que estes andem enfraquecidos e desgastados. Será sempre pior a “egolatria”, a personificação do embate entre projetos em “mitos” falíveis e finitos.
Há caminhos, há saídas. Mas só sujeitos coletivos poderão trilhá-lo, rumo à sociedade igualitária, fraterna e republicana.
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