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MUNDO

A face fundamentalista, machista e racista do Golpe na Bolívia

Gabriel Santos, de Maceió, AL
Reprodução

O Golpe na Bolívia teve inúmeras imagens marcantes que representam bem a situação do país vizinho, porém, um dos momentos mais marcantes do Golpe foi a ação fascista que violentou Patricia Arce, membro do MAS (Movimento Al Socialismo), a prefeita da cidade de Vinto. Um município com cerca de 60 mil habitantes, localizado no centro do país na região de Cochabamba, e que viu em suas ruas a representação da violência, fascista, fundamentalista, racista e machista do Golpe na Bolívia.

As imagens de Patricia rodaram o mundo. Ela foi sequestrada e espancada por milícias do Comitê Cívico por cerca de quatro horas. Em seguida, foi levada para praça pública. Rodeada de homens encapuzados, os cabelos da prefeita começaram a ser cortado por esses milicianos, que a filmavam e distribuíram a imagem para televisões e nas redes sociais. Além de ter seu cabelo cortado, uma tinta vermelha foi jogada por todo seu corpo e ela recebia constantes ameaças de apedrejamento caso não renunciasse diante das câmeras seu mandato, sendo forçada a caminhar amarrada por três quilômetros.

A direita fascista boliviana com essa ação deu seu recado. Antes queimaram a Prefeitura da cidade, em seguida sequestraram e humilharam a prefeita. Deixaram notável que eles estavam no controle. Dominam e expõe quem querem. Somente não assassinaram Patricia Arce porque não quiseram.

Outra imagem que diz muito sobre a Bolívia em dias de Golpe e aqueles que tomam o poder, foi o retrato de Camacho rezando de joelhos no meio da sala presidencial com dois policiais, um de cada lado, e uma bíblia aberta em cima da bandeira.

Não é segredo para ninguém o perfil de um fundamentalismo religioso cristão dos líderes do Golpe boliviano. Circulam nas redes sociais diversos vídeos. Desde uma oração conjunta de um batalhão do exército na cidade de La Paz, em que juntos se ajoelham com a bandeira do país e a bíblia. Até um em que Raul Velasquez, Coronel do Exército, em uma espécie de culto coloca que as Forças Armadas do país estarão a serviço de Deus para garantir a segurança e a estabilidade. Camacho, principal figura da oposição, diariamente em sua página no facebook e twitter, aparece falando com uma bíblia ao lado, e dizendo que Deus vai libertar o país da corrupção, má gestão, do comunismo e do bolivarianismo. Seus posts vêm acompanhados de versículos bíblicos, e fotos das Cruzadas com frases de motivacionais são comuns em suas páginas.

Camacho chegou a se reunir em maio com outra figura fundamentalista do continente, o chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo. Este, foi direto e afirmou que “não há nenhum golpe em andamento na Bolívia”. Ernesto, Camacho, assim como outras figuras como Steve Bennon, sabem, como afirmou este último, que o crescimento da direita na América Latina se dará por meio de valores éticos e morais ligados ao preceitos religiosos cristãos. O escritor colombiano Santiago Gaboa em seu livro “Vai ser Longa a noite” trata das Igrejas neopentecostais como um problema para a democracia e de segurança nacional para os países latino-americanos.

Na Bolívia, o discurso religioso impulsionou a candidatura de Chin Hyun Chung, um pastor evangélico fundamentalista, comparado a Bolsonaro, e que concorreu pelo Partido Democrata Cristão e chegou em terceiro lugar, tendo 8,77% dos votos.

O fundamentalismo religioso por parte de Camacho e outras lideranças golpistas, o uso da fé e da bíblia para promover a diferença e o ataque a mulheres e indígenas, e o provável apoio dos magnatas da fé donos das igrejas brasileiras, é outra face do golpe boliviano que precisamos ver com atenção.

Outra imagem que chocou todos os defensores da liberdade foram as imagens da bandeira Wiphala sendo queimadas, destruídas e retiradas de prédios públicos. Esta bandeira é considerada sagrada por povos indígenas andinos, em especial para os de nação aimarás e quéchuas, e ela representa o Estado Plurinacional tanto da Bolívia, como do Equador.

Cerca de 70% da população boliviana se considera indígena, um número gigantesco. A maior parte dessa população, apesar de se reconhecer como católica, tem em sua fé um grande sincretismo, misturando adorações a Santas com um crença em entidades tradicionais de seus povos.

Desde sua constituição de 2008, na qual a Bolívia trabalhou para se efetuar como um Estado Plurinacional, e reconheceu suas 36 nacionalidades distintas, cada um dos povos originários do país, a Wiphala se tornou um símbolo nacional com o mesmo status a bandeira verde, amarela e vermelha.

A bandeira de sete cores quadriculada passou a se fazer presente em edifícios governamentais, estádios esportivos, tribunais, e fardas de militares.

A destruição destas bandeiras por multidões de classe média enfurecidas mostra bem o ódio que estes grupos e a direita têm dos indígenas e das conquistas que estes tiveram durante o governo Evo. Representa a vontade que os grupos fascistas, a elite e a direita têm de invisibilizar os povos indígenas, e devolver todo poder político para a elite que domina o país e é parceira menor do imperialismo. Entre uma Bolívia Plurinacional e soberana, e um país submisso ao imperialismo sendo uma neo-colônia norte-americana, a elite boliviana escolheu a última opção.

Felizmente, existem ainda movimentos de resistência no país, e estes têm em indígenas, mulheres e camponeses sua linha de frente. Se a bandeira Wiphala era queimada pelos golpistas, nos dois últimos dias rodaram o mundo centenas e milhares delas sendo erguidas orgulhosamente por aqueles que combatem o Golpe.

A Wiphala se tornou um símbolo da Bolívia que não se rende ao golpismo e ao imperialismo, que quer manter sua soberania e a vontade popular. Como afirmou o histórico líder indígena aimará Tupac Katari, que liderou a revolta contra a dominação espanhola em Alto Peru, na Bolívia: nós voltaremos e seremos milhões.

E foi com esse espírito que milhares de camponeses, indígenas, mineiros, entraram em La Paz, para combater os golpistas. As Wiphalas voltarão a tremular e voltarão aos milhões.

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