Lula Livre! Nem quietismo, nem ofensiva permanente, em defesa da frente única de esquerda

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Uma pedra rolando não junta nenhum musgo.
Sabedoria popular francesa

Você não pode fazer um omelete sem quebrar os ovos.
Sabedoria popular latina

Lula é um preso político. A sua liberdade provisória é a maior vitória política democrática desde a posse de Bolsonaro. Mesmo parcial, merece ser comemorada. A presença de Lula nas manifestações abre a possibilidade de mobilizações populares em uma escala muito maior. Muito da evolução da conjuntura, nesse terreno, vai depender do próprio Lula.

O lugar que Lula irá ocupar na luta contra o governo de extrema-direita é a maior incógnita da conjuntura. A recuperação de seus plenos direitos políticos tem imensa importância, e vai encontrar uma inflexível resistência burguesa.

Lula deve sair da cadeia com a decisão do STF, mas a Lava Jato só saiu enfraquecida, não foi derrotada. A anulação dos dois processos já julgados em Curitiba depende da aprovação do Habeas Corpus em julgamento no STF agendado para o fim de novembro. E não há garantia alguma do que virá pela frente, porque há mais sete processos para serem julgados em Curitiba. A luta política pela sua plena liberdade está ainda longe de terminada.

O papel de Lula na resistência passa a ser um fator chave. E reforça a necessidade da tática da frente única de esquerda. Se Lula estiver disposto a sair pelo país em campanha para ajudar a construir mobilizações contra Bolsonaro, toda a esquerda deve estar disposta a participar.

Acontece que a esquerda brasileira está muito dividida, pulverizada em duas dezenas de organizações e correntes que se estruturam no interior dos partidos legais, e com graus de influência muito variados.

Mas, em uma análise rigorosa são três, somente, as táticas. Há aqueles que defendem o quietismo, os que defendem a ofensiva permanente e os que defendem a Frente Única. Estes conceitos têm uma história e remetem ao repertório acumulado pela esquerda marxista mundial.

O quietismo está associado à orientação do SPD, o partido da socialdemocracia alemã sob a orientação de Kautsky. A ofensiva permanente era a posição de Bela Kun, líder húngaro da III Internacional para a situação alemã, que resultou na derrota da revolução em 1923. A tática da Frente Única foi elaborada sob a inspiração de Lenin e Trotsky.

Os que defendem o quietismo partem da premissa de que sofremos uma derrota histórica. Concluem que a situação é contrarrevolucionária, e exigirá anos para uma recuperação da capacidade de luta, e o maior perigo é um autogolpe, portanto, não podemos provocar.

Os que defendem a ofensiva permanente partem da premissa que a derrota foi, essencialmente, eleitoral, as forças da classe trabalhadora estão intactas, a situação é pré-revolucionária, e a expectativa é uma derrubada, mais ou menos iminente, do governo, e não podemos hesitar.

Por último, estamos aqueles que consideramos que ocorreu uma derrota político-social grave, de tipo estratégico, avaliamos a situação como reacionária, e temos a expectativa de um período defensivo, em que a resistência precisa acumular forças para ter capacidade de contraofensiva, e não podemos vacilar.

Devemos considerar que o governo mantém uma devastadora ofensiva, até o momento, incontível. Por que apoiado, em primeiro lugar, na embaixada norte-americana, no apoio da imensa maioria dos capitalistas animadíssimos com os pacotes sucessivos de Paulo Guedes; nas Forças Armadas e nas polícias; na maioria reacionária no Congresso Nacional; no Supremo Tribunal Federal e na maioria da classe média abastada. Enquanto na classe trabalhadora e no povo ainda prevalece o desânimo e a insegurança, quando não a confusão.

Nos atos dos últimos meses – ações de vanguarda com alguns milhares de abnegados ativistas – tem tido ampla adesão o ‘Fora Bolsonaro’, como expressão de ‘Basta’, ‘Chega’, e isso alimenta ilusões. Ao que parece teve repercussão no Rock in Rio, o que é ótimo. O ‘Fora Bolsonaro’ como palavra de ordem de agitação, sinônimo de Basta, Chega, é útil.

Mas abraçá-lo como eixo da estratégia política, ou seja, ‘Abaixo o Governo’, significa que se considera que estão reunidas as condições objetivas e subjetivas para tentar derrubar Bolsonaro, aqui e agora, e isso é precipitado. Porque essas condições, infelizmente, ainda não existem. Dedicar todas as forças empenhadas em uma campanha que não podemos vencer, porque não temos forças, só pode gerar desmoralização.

Oxalá a situação evolua, rapidamente, e então será correto e oportuno.