Não seremos ‘só mais um corpo estendido no chão’

Ângela da Silva Leonardo, de Londrina, PR
Arquivo Pessoal

“Mais um corpo estendido no chão”: uma cena já comum que perpassa o imaginário de muitas pessoas. “É só um indigente! Pobre! Preto! Talvez tenha merecido! O que será que ele(a) fez?” Faz tempo que o sistema capitalista criminaliza e nos culpa pela nossa existência. A vida das mulheres negras periféricas, dos jovens negros e jovens LGBTI+ tem menos valor do que os corpos brancos. Ao retornar um pouco ao passado não muito distante, vemos como os negros eram negociados e vendidos como mercadoria. Hoje, após anos da chamada “abolição”, as pessoas negras ainda são negociadas e mercantilizadas. Os corpos dos oprimidos, renegados e culpabilizados pela sua existência incluem as mulheres, mulheres negras, LGBTI+, os indígenas e quilombolas.

O assassinato do jovem Hannan Silva, encontrado estrangulado numa praça em Londrina, norte do Paraná, nesta terça-feira (22), duas semanas após a maior expressão de resistência que foi a Parada LGBTI+ na região, foi a segunda morte de homossexuais em menos de duas semanas. Essas mortes nos fazem lembrar dos assassinatos das três mulheres sobre as quais até hoje se espera resposta dos órgãos competentes. Passado um tempo, tanto os corpos das mulheres, quanto os assassinatos recentes não passarão de “corpos estendidos no chão”.

A metáfora do estrangulamento, ou da tentativa de silenciamento, nos remete à inquisição, quando aquele(a) que ousasse romper o poder oficial era executado(a) em praça aberta para servir de exemplo a quem pensasse em resistir. Também nos lembra a caça às bruxas, em que eram executadas na fogueira por resistir e existir. “Mais um corpo estendido no chão”, estrangulado, por aqueles que defendem uma sociedade “pura”.

Hannan foi encontrado na praça Rocha Pombo, ponto turístico de Londrina. Seu brutal assassinato, na mesma semana em que um grupo conservador reacionário tentou ameaçar e destituir do cargo clérigos que defendem uma igreja para os oprimidos, sugere muito, pois aqueles que detêm o poder não aceitam que a Igreja seja um espaço para os oprimidos, não aceitam que ela cumpra seu papel de inclusão e aceitação aos mais necessitados. Querem amedrontar as muitas vozes que vêm buscando emergir e denunciar esse sistema que nos renega.

O avanço reacionário da extrema-direita que vem “mostrando a cara”, ameaçando as liberdades democráticas, corrobora com o aumento da violência contra os oprimidos e quer deixar claro que, para o capital, a única serventia que temos é nossa mão de obra barata, a apropriação dos nossos corpos como mercadorias. Quando não somos mais úteis, somos exterminados, ou aprisionados nas grades das penitenciárias. Eles sabem o lado da trincheira em que estão.

Resistir e existir são palavras que perpassam as vidas de mulheres, mulheres negras e periféricas, nas vidas dos LGBTI+. O assassinato de Marielle Franco, até hoje sem solução; o assassinato da menina Agatha pelas mãos do Estado; os assassinatos das mulheres em Londrina, e os estrangulamentos recentes demonstram o quanto nossas vidas valem para esse sistema: somos apenas “corpos estendidos no chão”.

Mas aqueles que acreditam que iremos nos intimidar e nos calar, estão muito enganados. Está na hora de levantar a nossa voz e gritar por justiça! Justiça por Marielle e Anderson! Por Agatha, Hannan Silva e por todos que tombaram em resistência a esse sistema.

Só nos resta resistir e lutar! Por isso, conclamamos as mulheres, negras e negros, a juventude, os povos originários, indígenas e quilombolas, e a comunidade LGBTI+: UNI-VOS!

 

*Ângela da Silva Leonardo é professora da Rede Municipal de Londrina-PR, coordenadora do Coletivo Feminista Classista Marielle Franco, membra da Frente Feminista de Londrina, do Diretório Municipal e do Diretório Estadual do PSOL.