No último domingo, aproximadamente 7,3 milhões de bolivianos estavam inscritos para votar e escolher o novo presidente do país, para o período 2020-2025. Apesar de liderar todas as pesquisas, o cenário apresentava-se incerto quanto à vitória ou não, do atual presidente Evo Morales no primeiro turno. O favor estava os bons indicadores econômicos e sociais do país, e a relativa estabilidade política que marcaram os últimos anos da sua gestão. Com o slogan de campanha, “Futuro Seguro”, Evo Morales, buscava assegurar um quarto mandado presidencial consecutivo.
Com aproximadamente 95% das urnas apuradas, Evo Morales alcança 46,86% dos votos, enquanto Carlos Mesa obtém 36,72%. Segundo o sistema eleitoral boliviano, para alcançar a vitória no primeiro turno, o primeiro colocado deverá obter 50% mais um ou o mínimo de 40% dos votos com uma diferença de 10% para o segundo colocado.
A apuração esteve marcada por denúncias de fraudes e o não reconhecimento dos resultados pelo segundo colocado. Desta forma, ainda não está certa a vitória ou pose de Evo Morales. Nas principais cidades do país o clima é de tensão. Violentos enfrentamentos ocorrem entre partidários de Evo Morales e apoiadores da oposição de direita. Na cidade de Oruro, a sede do MAS foi destruída por apoiadores de Carlos Mesa.
Uma conjuntura de crise e instabilidade política se inicia
Apesar do favoritismo, o presidente Evo Morales enfrentava, desde fevereiro de 2016, o desgaste provocado pela derrota no referendo que permitia a sua postulação para mais uma reeleição. Mesmo saindo derrotado no referendo, Evo recorreu ao Tribunal de Justiça que reconheceu o seu direito a postular-se novamente ao cargo de Presidente. Aliado a isso, o governo enfrentou o desgaste provocado pelos incêndios na Amazônia boliviana, que destruiu 4 milhões de hectares. Na reta final da campanha eleitoral, a oposição de direita retornou às ruas, em grandes manifestações (Cabildos) de rechaço à candidatura de Evo Morales.
Se compararmos os atuais resultados com as eleições nacionais de 2014 (quando Evo Morales obteve 61,01%), o retrocesso eleitoral chega a aproximadamente 15%. Esta, não foi a única expressão amarga que deixaram os resultados da jornada eleitoral de 20 de outubro. Os dados provisórios apontam que o MAS perdeu a maioria qualificada de 2/3 na Câmara dos Deputados e no Senado. Em 2014, o MAS obteve a maioria em 8 dos 9 departamentos (estados), enquanto, nestas eleições, o partido governante ganhou em cinco departamentos (Pando, Potosí, La Paz, Cochabamba e Oruro).
Resultados provisórios para a Câmara dos Deputados e o Senado
O cenário de fragmentação da oposição de direita parecia contribuir para a vitória segura de Evo Morales no primeiro turno. No entanto, na reta final da campanha, com o aumento da polarização, prevaleceu o voto útil na candidatura de centro direita, representada por Carlos Mesa. Com um discurso centrado na denúncia da ilegitimidade da candidatura de Evo Morales e no combate à “corrupção”, Carlos Mesa, obteve o apoio de amplos setores das classes médias urbanas e do eleitorado jovem.
O crescimento eleitoral da extrema direita
A grande surpresa destas eleições foi o expressivo crescimento do candidato de extrema-direita e conservador, Chi Hyun Chung. Com 95% das urnas apuradas, o candidato do Partido Democrático Cristão, alcança 8,8% dos votos, desbancando a direita tradicional, representada pela candidatura de Oscar Ortiz. Conhecido como “Bolsonaro boliviano”, o pastor evangélico centrou sua campanha no combate ao feminismo, ao “socialismo” e aos grupos LGBTQ.
O retorno da polarização política e eleitoral
Ainda é cedo para afirmar categoricamente, mas, os resultados eleitorais deste domingo apontam a um novo cenário de instabilidade e retorno da polarização política. Na contramão do que vem ocorrendo na América Latina, onde multitudinárias mobilizações rechaçam as políticas neoliberais e os governantes da direita, no Equador, Honduras, Haiti, Chile e Argentina, na Bolívia, estamos presenciando uma retomada das ruas pelos setores da oposição de direita. Como ocorreu entre os anos 2006 e 2008, a direita tradicional convoca o povo para uma suposta “resistência democrática” e o não reconhecimento dos resultados. O fantasma da guerra civil volta a assombrar a Bolívia.
O projeto de conciliação de classes e o “nacionalismo indígena” impulsionado por Evo Morales mostra sinais de esgotamento. Sua política favoreceu, em grande medida, as antigas elites do agronegócio e do mercado financeiro. Mas, isto não foi suficiente. As oligarquias políticas e econômicas, enclausuradas no Oriente do país, pretendem retomar o controle direto do Estado boliviano e aplicar o projeto neoliberal ao estilo de Bolsonaro, Pinera e Macri.
O voto do povo boliviano deve ser respeitado
A OEA, que é parte da delegação de observadores estrangeiros que acompanham a eleição boliviana, já divulgou uma nota questionando os resultados da eleição. Mas, até que se prove o contrário, os resultados eleitorais na Bolívia devem ser respeitados, e nenhuma interferência estrangeira deve ser admitida. O povo boliviano é soberano para definir o seu destino político.
A falta de uma alternativa política dos trabalhadores e a fragilidade da esquerda anticapitalista torna o cenário ainda mais trágico. Diante desta situação, mesmo reconhecendo os limites da candidatura de Evo Morales, a esquerda latino-americana e os movimentos sociais devem cerrar fileiras para garantir a sua posse e impedir que a direita neoliberal retorne ao poder.
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