Santiago, Beirute, Quito, Argel, Porto Príncipe, Bagdá, Barcelona, Cartel… Cidades completamente distintas, cada qual com sua história, sua cultura, sua realidade, suas praças e avenidas, seus . Assim como seus habitantes. Uns tem os traços árabes, outros são brancos com olhos claros, outros negros ou indígenas. Eles falam línguas diferentes, espanhol, catalão, francês, inglês, catalão ou arabe. Apesar disso, nas últimas semanas eles tiveram realidades parecidas.
As ruas das cidades foram fechadas, barricadas com pneus, pedras, lixo e móveis velhos se tornaram parte do cenário urbano. A presença do Exército e ou polícia nas ruas entrando em confronto com gente em comum. E estas cidades de diversos locais do mundo foram palco de manifestações gigantescas, na casa dos centenas de milhares.
Tem algo de diferente acontecendo no mundo. Ao contrário do que escreveu Erich Remarque, hoje tem algo de novo no front.
Não é todo o dia que vemos protestos massivos e radicais como os que acontecem atualmente em diversos países. E apesar das diferenças de cada local, e do motivo que fizeram a população destes países tomarem as ruas, as pautas no fundo no fundo tem um motivo comum e se aproximam através da semelhança de cartazes e palavras de ordem. Em cada uma das línguas faladas por esses manifestantes, se lê coisas como: Fora FMI!. Poder para o Povo! Esse sistema não serve!
Estes protestos têm algo em comum. Todos se iniciaram de forma espontânea, sem uma organização prévia por um partido. Em alguns locais, os protestos desenvolveram suas direções políticas, algo importante e determinante para a continuação e organização da luta. Em outros não.
É importante colocar também outra característica comum destas lutas. Elas tiveram como linha de frente em seu início a juventude precarizada e os estudantes. Nos mais diversos países os primeiros rostos a ocupar as ruas e a sentir a repressão dos governos eram rostos jovens e com grande presença feminina. Após as mobilizações da juventude os trabalhadores entraram em cena e trouxeram métodos como as greves e as paralisações. Os protestos se fortaleceram qualitativamente.
Em todo o mundo jornalistas, políticos tradicionais e comentaristas parecem estar surpresos e se perguntam o que teria levado milhares de pessoas para as ruas, com métodos radicais e por questões aparentemente pequenas, mas que se mostraram gigantescas.
A resposta para essas perguntas e entender o que levou milhares de pessoas a rebelião pode ser encontrado em um pequeno livro de 1848: a luta de classes.
Este fantasma da luta de classes voltou e assombra a elite de diversos países. Cada vez está mais nítido que é “nós” contra “eles”. Eles são o “1%” que fica com a riqueza, e nós somos aqueles que a produzimos e sofremos com os planos de ajuste do FMI.
O colapso financeiro de 2008 ainda não foi completamente superado. Por mais que algumas economias tenham se estabilizado, a situação dos “99%” piorou e piora cada vez mais. A tendência a uma recessão mundial nos próximos anos vai ter consequências avassaladoras na vida de bilhões de pessoas.
Os países do G-20 injetaram nos últimos 10 anos cerca de U$ 10 trilhões para salvar os bancos e os mercados financeiros. Os governos destes países retiram de serviços públicos, pararam de investir em educação, saúde, saneamento, e falaram para a população que isto era um mal necessário, que iriam retirar direitos trabalhistas, mas a situação iria melhorar para todos.
Dez anos depois da crise de 2008 os banqueiros voltaram a lucrar, a elite econômica ficou mais restrita e ficou mais rica. Os pobres e os trabalhadores ainda não viram sua fatia do bolo que foi prometida pelos governos. Pelo contrário. A desigualdade econômica aumentou e coincidentemente, ou não, vimos os direitos democráticos e as liberdades democráticas diminuíram e figuras neofascistas e de extrema-direita assumirem o Poder.
Esta nova onda de protestos mundiais se insere nesse cenário de crise do modo de produção capitalista. Que ainda vê a luta pelo clima e em defesa do meio ambiente e o crescimento de uma esquerda radical nos Estados Unidos e Reino Unido, a resistência do povo venezuelano contra o imperialismo, o enfraquecimento do império norte-americano e o enigma que representa a China.
A hegemonia neoliberal está sendo novamente questionada. A herança do neoliberalismo em todo mundo é a mesma, pobreza, descaso, péssimos serviços públicos, e uma desigualdade econômica gritante.
Obviamente que nem tudo são somente flores. Ao redor do mundo são diversos os exemplos da barbárie avançando. A invasão da Síria pela Turquia. O desgoverno Bolsonaro. A guerra no Iêmen. Porém, eles somente confirmam a velha máxima: socialismo ou barbárie.
O atual modelo de organização da sociedade se mostra insustentável e que não serve para a maioria da população. O capitalismo só traz barbárie e miséria para a maioria enquanto deixa os 1% cada vez em menor quantidade e cada vez mais ricos.
E justamente por isso em todo o mundo a juventude e os trabalhadores se levantam, por uma democracia real, por justiça econômica e contra os planos de ajuste do FMI e suas medidas. Por mais que a questão do Poder do Estado não esteja colocado em muitas dessas manifestações, em outras ela já atinge este patamar, como no Haiti, Sudão e Argélia. Os caminhos políticos das forças dirigentes não são questões menores, mas sim cruciais para o futuro dessas lutas.
Diante da atual situação mundial, com uma nova recessão se aproximando, as disputas entre Estados crescendo, e as elites nacionais buscando aumentar cada vez mais seus lucros, a possibilidade de revoltas em novos locais são grandes.
Por mais que se conquistem vitórias pontuais e a derrubada de determinadas leis de ajuste fiscal ou até mesmo se consiga por fim a governos, a vitória popular definitiva, com uma verdadeira democracia e justiça social, só vai ser possível com a questão do Poder colocada e se confrontando diretamente com o atual sistema.
A esquerda radical deve se preparar para momentos que em diversos locais do mundo situações pré-revolucionárias e revolucionárias surjam. A problemática de como e quando alcançar o Poder vai estar cada vez mais na ordem do dia. E formas do confronto entre as classes serão frequentes, Estados de Exceção serão usados em diversos locais do mundo para proteger as elites.
Tirar lições de cada um dos processos que surjam é fundamental. As rebeliões populares abrem a possibilidade real para que em cada um desses locais se construam fortes movimentos de contestação da ordem neoliberal. Movimentos verdadeiramente anticapitalistas, que se relacionem internacionalmente e coloquem a construção de uma outra sociedade como uma alternativa concreta.
As manifestações que ocorrem em diversos locais do mundo mostram que Marx estava certo, a luta de classes é o motor da história e o capitalismo produz seu próprio coveiro.
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