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MUNDO

Os protestos no Chile e o neoliberalismo brasileiro: o que um tem a ver com o outro?

Gabriel Santos, de Maceió, AL
Day Osorio

O Chile durante anos foi tratado por economistas e políticos neoliberais como o exemplo a ser seguido. Hoje, diante dos protestos que tomam contam do país andino, estes mesmos economistas e políticos devem estar correndo para apagar seus artigos que enalteciam o “modelo chileno”.

O próprio Paulo Guedes, ministro da Economia do desgoverno Bolsonaro, já afirmou diversas vezes que se baseia no tipo de previdência chilena, feita através da capitalização aprovada durante o governo Pinochet. Bolsonaro, em viagem a Santiago no meio do ano, afirmou que “a economia chilena era um modelo para toda América Latina”.

As manifestações que explodiram após o governo de Sebastian Piñera anunciar o aumento do preço na passagem do metrô foram somente a ponta do iceberg.  O Chile, que durante os anos da ditadura de Pinochet foi o laboratório para políticas neoliberais no mundo, as mesmas que hoje, sob o comando da extrema-direita, a burguesia brasileira tenta aplicar no nosso país com o nome de “ajustes e reformas econômicas”. A retirada de direitos sociais e econômicos da maioria da população trabalhadora, aumentando a concentração de renda e riqueza, retirando o papel do Estado em diversas áreas, e tudo para satisfazer a vontade de um “mercado”, que se apresenta sem rosto, sem nome e com uma fome insaciável.

O que a situação atual do Chile deixa claro é que o país vive uma situação insustentável. O aumento da passagem foi o estopim para uma revolta gigantesca contra a crise econômica, o FMI e o neoliberalismo.

No país, os direitos trabalhistas foram destruídos pela ditadura de Pinochet. A jornada de trabalho é de 45 horas semanais, as férias de apenas 15 dias, mais da metade da população recebe menos de um salário mínimo, e os sindicatos foram pulverizados, tendo seu poder de negociação coletiva reduzido. Esta realidade chilena é um sonho para a burguesia brasileira e para o governo Bolsonaro, que busca retirar por completo os direitos trabalhistas e destruir as organizações da classe trabalhadora.

Outro grande desejo da elite brasileira também é uma realidade no país latino, as universidades privatizadas. No Chile, todas as Universidades Públicas são pagas, algo que o governo Bolsonaro busca começar a implementar por meio do Future-se. Uma mensalidade em uma universidade pública chilena custa muitas vezes mais do que em uma universidade privada, e disto decorre um grande endividamento dos estudantes e de seus familiares, que muitas vezes demoram mais de dez anos para pagar os empréstimos necessários para terminar os estudos.

Já era possível observar alguns fortes descontentamentos populares contra o modelo privatizante do país.

Todo ano acontecem gigantescas marchas contra as Administradoras dos Fundos de Pensão (AFPs) que lucram com a previdência privada. A situação dos aposentados chilenos é caótica. Todo o sistema de aposentadoria é privado, e é administrado pelas AFPs. Estas empresas privadas utilizam o valor depositado para a aposentadoria para financiar seus lucro comprando ações no mercado financeiro. Os trabalhadores chilenos se aposentam com menos de 30% do que recebiam antes, os números são um completo absurdo. A realidade do país é a de que 90,9% dos aposentados recebem menos de um salário mínimo, 149.435 pesos, algo em torno de R$ 690. O salário mínimo chileno é de 264 mil pesos, o que daria R$ 1.226.

A situação é tão grave para os aposentados chilenos que muitos idosos do país têm se suicidado por conta das condições econômicas que se encontram. Ao todo, 44% dos idosos do país vivem abaixo da linha da pobreza. As taxas de suicídio acima de 80 anos é a maior do mundo, com 17,7 a cada 100 mil habitantes. A população que tem entre 70 e 79 anos também se encontra na mais elevada do mundo. E muito acima da média nacional. Sendo 15,4 pessoas a cada cem mil. Números altíssimos.

É justamente a previdência pública que é a joia da coroa que tanto almeja a burguesia brasileira e que Bolsonaro e seu governo buscam incansavelmente. O modelo chileno é um exemplo para a Reforma da Previdência do atual governo. Destruir o INSS para que empresas privadas administrem o dinheiro dos trabalhadores.

A juventude e os trabalhadores chilenos realizam uma verdadeira revolta popular justamente contra o abuso e as consequências que as privatizações têm nas suas vidas. Os serviços públicos cobram o que a maioria não pode pagar e isto tem uma relação direta com o sistema de aposentadoria no país. Pois, para financiar o custo da transição para o sistema de capitalização, uma das medidas tomadas por Pinochet  foi cortar investimentos em saúde, educação e demais serviços públicos.

Com isto e as privatizações, a qualidade destes serviços pioraram a um nível imenso e nunca mais foram recuperados. A situação de precariedade que vivem os trabalhadores chilenos hoje, assim como a revolta popular que toma conta das ruas do país são resultado das políticas neoliberais na economia.

É importante olharmos para o Chile e a realidade que hoje vivem os trabalhadores daquele país, porque durante muitos anos, ele foi um exemplo das políticas neoliberais que a elite brasileira busca implementar. Mas não só por isso, também porque estas medidas implantadas no país andino só foram possível com a destruição das liberdades democráticas. Guardadas as proporções e comparações históricas, sabemos que o objetivo do governo Bolsonaro é criar as condições necessárias para a máxima extração da mais valia dos trabalhadores e garantir a privatização dos serviços públicos brasileiros, assim como sabemos que ele é pessoalmente autoritário, um verdadeiro neofascista, e caso precise e tenha possibilidades não hesitará em destruir as liberdades democráticas e os instrumentos da classe trabalhadora.

As lições que podemos tirar da história chilena são duas: primeiro, que temos que evitar a retirada de liberdades o quanto é possível, caso não ficará praticamente impossível defender os direitos sociais e econômicos de nossa classe. Em segundo, que a classe trabalhadora e a juventude em algum momento volta a cena da luta de classes, não existe derrota nem apatia que seja eterna.

Que os ventos andinos inspirem a esquerda brasileira!

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