Quando o povo se levanta, o imperialismo treme
-Thomas Sankara
“Nossa revolução só terá valor se, olhando para trás, para os lados e diante de nós, podermos dizer que os burquinenses são, graças a ela, um pouco mais felizes. Porque eles têm água boa para beber, alimentação suficiente, uma saúde excelente, educação, casas decentes, estão mais bem-vestidos, têm direito ao lazer, oportunidade de gozar de mais liberdade, mais democracia, mais dignidade. […] A revolução é a felicidade. Sem a felicidade não podemos falar de sucesso”. Era assim que Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, definia o sentido de seus objetivos e a Revolução que ocorria em Burkina Faso, treze dias antes do golpe de Estado do dia 15 de outubro de 1987, no qual ele seria assassinado.
Um homem sorridente, descontraído, cheio de humor, dono de um discurso firme, fã dos sons que saiam das cordas das guitarras e apaixonado pelo povo. Um dirigente revolucionário que se dizia somente mais um, tão igual ao povo, e que o povo era semelhante a ele. Thomas Sankara foi assassinado há 32 anos, em um 15 de outubro de 1987, em Uagadugu. Tinha apenas 37 anos. No barulho das rajadas dos kalachnikovs, o presidente de Burkina Faso deixava a vida, com doze de seus companheiros. Era o início do fim de uma curta história revolucionária na África.
Sankara, nasce em 21 de dezembro de 1949, na então colônia francesa, até então chamada de Haute-Volta. Foi na academia militar de Kadiogo, no centro do país, que ele se aproxima dos movimentos revolucionários. Um professor integrante do Partido Africano da Independência (PAI) o apresentou ao marxismo, foi o primeiro contato deste jovem militar com a teoria que o nortearia na luta pela liberdade nacional. Na escola militar interafricana de Anstirabé, em Madagascar, o nosso jovem oficial estuda sociologia, economia e ciências políticas, francês e ciências agrícolas. Porém, o ensinamento mais importante vivenciado por Sankara na Grande Ilha, foi a revolta popular que derrubou o regime neocolonialista de Philibert Tsiranana. Concebendo assim a ideia de Revolução Democrática e Popular na mente do oficial burquinense.
Quando volta ao país, ele se dedica a organizar a jovem geração de oficiais formados no exterior, e se enfrenta com uma estrutura do exército formada por antigos colonialistas. Durante um curso de formação militar no Marrocos, em 1976, Thomas Sankara conhece e faz amizade com Blaise Compaoré. Juntos, formam o Agrupamento de oficiais que desempenharam o papel principal no desenvolvimento da revolução de 1983.
Desde a independência ocorrida em 1960, o Alto Volta jamais teve uma estabilidade política duradoura. Civis ou militares, governos caiam, eram sucedidos e derrubados. Até que em 7 de novembro de 1982, um novo golpe de Estado leva ao poder Jean-Baptiste Ouédraogo, um médico militar. Dois meses mais tarde, aproveitando uma correlação de forças favorável ao campo progressista dentro do exército, Thomas Sankara torna-se primeiro-ministro. Sua ligação com povo, sua capacidade oratória, sua base dentro o exército e seu ardor revolucionário, começam a incomodar e então ele é demitido e preso. Começa uma rebelião popular que abre caminho aos militares progressistas. Em 4 de agosto de 1983, os comandos de Pô, tomados por Blaise Compaoré, conquistam Uagadugo, com o apoio de civis. Thomas Sankara é libertado e torna-se presidente do Alto Volta.
Imediatamente ele conclama a população a criar os Comitês de Defesa da Revolução (CDR). É o começo de uma experiência revolucionária tão curta quanto poética e importante para a história africana. Um processo alimentado por um profundo desejo de independência e combate ao imperialismo. O nome do país foi mudado e passar a se chamar Burkina Fasso, que significa “terra dos homens justos”.
Sankara se recusava a ver a África como um apêndice da história ocidental. Sua luta era para a possibilidade de todo o continente se emancipar, política e economicamente. Um apaixonado pela paz, foi um ecologista e um defensor da causa feminista muito antes do tempo. Anti-imperialista convicto, e marxista por formação. Os quatros de seu governo tiveram resultados espetaculares. Conseguiu levar um país do Sahel a autossuficiência alimentar, entre muitas outras conquistas.
Na educação, no meio ambiente, na agricultura, na reforma do Estado, na cultura, dos direitos das mulheres e da juventude, eram feitos programas e mais programas, resultados e mais resultados, e isto entrava em desacordo em forma e conteúdo muitas vezes com setores do movimento revolucionário.
Sankara foi um inimigo da dívida externa, que mantinha os países africanos em situação de humilhação para as ex-metrópoles. Em um histórico discurso na tribuna da Organização de Unidade Africana (OUA), em Addis-Abeba, 1987, onde chamava para o não pagamento da dívida “Se não pagarmos, nossos fornecedores de fundos não vão morrer. Ao contrário, se pagarmos, somos nós que vamos morrer. Estejamos seguros disso”.
O presidente de Burkina Fasso se tornava um porta voz de todo continente africano e de todos os povos que lutavam no continente contra a opressão neocolonial. O mesmo dizia que era a hora de “produzir na África, transformar na África e consumir na África”.
Os quatro curtos anos de governo revolucionário apesar de não terem expropriado por completo a burguesia do país (Sankara dizia que isto seria um processo em andamento), mudaram a vida da população. Novos postos de saúde, centenas de escolas, uma campanha de alfabetização fez com que a taxa de alfabetizados no país passasse dos 13% para os 67%, uma reforma agrária para apoiar os pequenos produtores rurais que fizeram a produção de triga mais que dobrar em apenas três anos. Foram reduzidos gastos com a máquina burocrática do governo, como benefícios ao próprio presidente e seus ministros, e investido em gastos públicos. Em educação o aumento foi de 26,5% por pessoa e em saúde 42,3%.
O termo autossuficiência era um dos mantras do governo. Sankara dizia que ficar refém do auxilio estrangeiro era ficar submissos a estes. Ele repetia incansavelmente “nós sabemos que só podemos depender de nós mesmos”; E dessa forma foram construídas diversas obras públicas, como um malha ferroviária que ligava todo o país.
Em um país árido como Burkina Fasso, ser autossuficiente, de acordo com o próprio Sankara significava a necessidade de ser ambientalmente sustentável. Assim, centenas de novos poços foram cavados, reservatórios construídos, agricultores ensinados como combater a erosão do solo. Mais de dez milhões de árvores foram plantadas para combater a desertificação do Sahel. Em abril de 1985, o CNR, lançou as “três lutas”: contra o corte o abusivo de madeira, contra os incêndios florestais, e pela campanha de sensibilização no uso do gás. Por todo o país camponeses constroem barragens de água e o governo conjuntamente realiza projetos de açudes e represas. Sankara denúncia e cobra responsabilidade dos países ocidentais em especial da França na construção de grandes obras e o caos ambiental que elas causam nos países africanos.
Podemos dizer sem medo de errar, que Sankara estava à frente de muitos outros em seu tempo.
No que se trata dos direitos das mulheres, Sankara também foi pioneiro. A realidade no país era brutal para as mulheres. Em seu governo foram instituídos idade mínima para o casamento, o divórcio e o fim do pagamento pelo noivado. Além de campanhas que buscavam combater a poligamia e a mutilação genital feminina. Aulas de alfabetização voltadas para as mulheres, e ensino sobre educação sexual e gravidez também foram implementadas, especialmente nas zonas rurais.
Porém, como em quase todas as experiências revolucionárias ocorridas no século XX, as divergências que surgiam no interior do movimento foram brutais. Dentre o CNR existiam os seguidores de Stalin, de Mao, Fidel, Enver Hoxha, entre outros. Porém, o mais antigo camarada de Sankara e um dos dirigentes da revolução, Blaise Compaoré, tinha uma visão mais conservadora do processo revolucionário no país. Ele acreditava que Sankara estava indo rápido demais nas medidas antiimperialistas, se afastando da França e da vizinha Costa do Marfim, que na visão de Compaoré deveriam ser os alinhados prioritários do país. Apesar das críticas políticas a Sankara, Compaoré também tinha seus objetivos pessoais de ser o dirigente da nação, e ter os benefícios do que isso significa. Assim, um golpe de Estado foi armado, com participação de Estados africanos como a Libéria e a Costa do Marfim, com a complacência do imperialismo francês, e com a participação de setores oposicionistas da CNR.
Assim, em 15 de outubro de 1987, Sankara e 12 companheiros que estavam com ele foram brutalmente assassinados. Seus corpos foram desmembrados e enterrados em covas clandestinas sem identificação. As massas se levantaram contra o assassinato de seu presidente, mas Compaoré reprimiu com mão de ferro. Era uma mostra do que seria seu governo, uma feroz ditadura que durou 27 anos, até 2014, quando protestos populares derrubaram seu regime e ele teve que fugir para a Costa do Marfim. Nos primeiros anos, todos os avanços do governo revolucionário foram destruídos, e o país se alinhou e se tornou submisso ao FMI e ao Banco Mundial.
Hoje, 32 anos após seu assassinato pelos inimigos do povo e da revolução, Sankara não é apenas uma figura para o passado que ocupa lugar nos livros de história. Mas sim é um revolucionário vivo e atual, assim como suas ideias.
Ele deixou como herança uma imensa esperança e exemplo para a Africa e todos os povos do chamado terceiro mundo. De que somente com a derrota do imperialismo e com a descolonização os povos podem ter seus direitos garantidos.
O lema do governo revolucionário de Burkina Fasso era “Pátria ou Morte, Venceremos”. Esta frase simples carrega uma série de ensinamentos por trás. Para Sankara não existia uma terceira via. Ou se conquistava a vitória e a libertação da Pátria, ou o imperialismo nos derrotaria. Para Sankara, e seu internacionalismo, a vitória da Pátria só era possível se as Pátrias irmãs também se levantassem contra o neocolonialismo, ou seja, a vitória final de Burkina Fasso só seria possível com a vitória dos demais países africanos. Infelizmente, Sankara, morreu sem ver esta vitória final.
Entre a Pátria e a Morte, ele encontrou a última, por tanto defender e lutar pela primeira. Porém, como a história não termina, o sonho de uma África livre e soberana ainda atravessa pelas noites do Sahel e de todo o continente. Os assassinos de Sankara tiveram que anos depois fugir do país, são odiados pelo povo, e serão tratados como criminosos nos livros da história. Sankara, por sua vez, retorna, diariamente, no desejo de uma África livre e soberana, nas lutas anti-imperialistas de todo o mundo, e nos rostos das multidões que tomam as ruas por justiça, igualdade e amor ao povo.
“O mais importante é ter levado o povo a ter confiança nele mesmo, a entender que, finalmente, ele pode se sentar e escrever seu desenvolvimento; escrever a sua felicidade; dizer o que desejar.”
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