Como se previa, o PS alcança nestas legislativas 1,86 milhões de votos, mais 124 mil votos que os recolhidos há quatro anos. Um acréscimo que lhe permitiu passar de 32,38% para 36,65% da votação e de 85 para 106 deputados.
O PS sai vitorioso, mas não consegue a maioria absoluta. O regime e as suas instituições conseguiram alguma recuperação, ao longo dos últimos 4 anos, mas um dos seus mais importantes pilares, o “centrão”, sofre novo desgaste. PS e PSD que, nas legislativas de 2015, valiam 70,9% da votação, alcançam agora 64,6% da votação. Este desgaste deve-se, em Portugal, sobretudo à crise que assola a direita tradicional, mas também ao descrédito de um sistema econômico e político em falência. O povo português está cansado das maiorias absolutas de PS e PSD/CDS-PP e das suas famílias e fez questão de o deixar evidente já desde as legislativas anteriores. Por outro lado, fica evidente que a memória do Governo PSD/CDS-PP e da Troika ainda está presente, pelo que a opção de governo foi a de continuidade da solução dos últimos 4 anos.
À esquerda, o BE consolida-se como a terceira força política nacional, mantém os seus 19 deputados, mas perde cerca de 57 mil votos e desce para os 492 mil votos. Em percentagem, desce de 10,72% para 9,67% dos votos. A CDU [PC português] foi bem mais castigada. Viu a sua base eleitoral erodir de forma significativa, à semelhança dos últimos actos eleitorais nas Autárquicas, Europeias e Madeira. Obteve 329 mil votos, menos 116 mil do que nas legislativas de 2015, e caiu de 8,27% para 6,46% dos votos. A sua bancada parlamentar encolheu de 17 para 12 deputados.
Confirma-se que a Geringonça serviu ao reforço do PS, que conquista eleitorado à sua direita, mas que também o faz, em parte, à sua esquerda. A retórica oposicionista de BE e PCP não chegou para contornar completamente as sucessivas aprovações dos Orçamentos do Estado do PS. Da experiência da geringonça resultou (como alertámos) a perda de 170 mil votos para o BE e PCP, que escaparam para o PS, pequenos partidos de protesto e abstenção. Somando os votos das três forças políticas que formaram, em 2015, a Geringonça, houve agora 2,69 milhões de votos neste trio, menos 49 mil votos que há 4 anos.
É daqui que surge a deputada do Livre, Joacine Moreira, mulher, negra, trabalhadora e activista social. Cerca de 56 mil eleitores, um crescimento de 16 mil votos, face a 2015, escolheram aqueles que defendem a necessidade de acordos permanentes com o PS. Dizê-lo abertamente, parece ser precisamente a sua “virtude”. Europeístas convictos terão de gerir as suas posições políticas contraditórias com a crise que o projecto capitalista europeu gera no clima, entre as mulheres, entre os e as imigrantes, entre as LGBTs, entre todos os trabalhadores e trabalhadoras do país. O Livre está aquém das necessidades dos seus eleitores.
À direita, a crise aprofunda-se com uma dura derrota eleitoral. O CDS-PP alcança a pior percentagem de sempre, 4,25%, e passa de 18 para 5 deputados. Cristas abandona assim a liderança do CDS-PP, sem deixar saudades. O PSD alcança um dos piores resultados de sempre com 1,4 milhões de votos e 27,9% da votação. Passa de 82 para 77 deputados. Rui Rio não consegue colocar um fim à crise interna que se volta a manifestar. Juntos, PSD e CDS-PP perdem cerca de 110 mil votos, face à sua coligação (Páf) em 2015, e não conseguem alcançar o resultado do PS.
Em boa medida, é a profunda crise da direita tradicional e os seus rearranjos, associada à falta de oposição à esquerda, que abre portas ao surgimento da Aliança, do Chega e da Iniciativa Liberal, estes dois últimos a conseguir conquistar um deputado, cada um, no parlamento português.
É sintomático que um partido oportunista como o Chega, com uma retórica justicialista, racista e autoritária, consiga um deputado no parlamento português. Alimentando-se dos sectores mais reacionários da sociedade portuguesa, o Chega consegue agregar a votação de um nicho de sectores nacionalistas, saudosistas monárquicos e conservadores cristãos do PNR, PPM, PPV/CDC, CDS-PP e PSD. Afinal, nem Portugal está isolado do mundo, nem a Geringonça serviu para o evitar, bem pelo contrário, potenciou-o. O Chega precisa ser combatido, desmoralizado e esvaziado. Nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade!
O Iniciativa Liberal surge como um sector “jovem” e “dinâmico”. No entanto, foi a sua velha política liberal, aplicada desde os anos 1970/80 pelo mundo, sob os governos de Thatcher e Reagan, que nos trouxe até à actual crise mundial. A sua retórica contra um suposto socialismo procura polarizar os sectores de pequenos empresários e classes médias abastadas para um projecto de individualismo, desigualdade e verdadeiro empobrecimento geral. Acabámos de ver os resultados deste projecto com a recente presença do FMI em Portugal.
Estas duas forças de direita começam já a mostrar o oportunismo de que são feitos. Fortes críticos das funções do Estado e daquilo que apelidam de “subsídio-dependentes” não abdicam das chorudas subvenções estatais que servirão para olear as suas máquinas partidárias.
Quanto ao PAN, este disparou dos 75 mil para os 167 mil votos, passando de 1 para 4 deputados. Vai-se escudando numa suposta isenção ideológica mas vincula-se às regras da economia de mercado (leia-se capitalismo). Diz-se disponível para apoiar Costa e não lhe consegue reconhecer grandes erros, mesmo a um Governo que abre portas a prospecções de petróleo, gás ou lítio. Tem um programa confuso para os seus próprios candidatos o que casa com a imagem de ingenuidade que vai cultivando. É desta forma que o PAN se tem colocado como o partido que consegue agregar “descrentes” de todos os quadrantes. Uma solução ecológica anticapitalista precisa-se dado que o PAN, lamentavelmente, não o é nem será. Outra ilusão que se pagará cara.
Por fim, o MAS, que apenas se candidatou a 8 círculos dos 22 que existem no país, obteve um resultado bastante modesto, que após a contagem dos votos da emigração se aproximará dos cerca de 4 mil votos. Se tivesse concorrido a todos os círculos provavelmente obteria o dobro dos votos ou muito perto disso. De qualquer forma não seria, na verdade, um resultado qualitativamente diferente. Tal como nas Europeias, há uns meses, o resultado do MAS explica-se pelo facto de boa parte da sociedade portuguesa estar convencida da necessidade da continuidade da Geringonça, enfraquecendo quem se opõe à sua política. A situação política mundial tem igualmente colocado grandes desafios às forças políticas revolucionárias socialistas. Não será por acaso que são tão minoritárias a nível mundial. Para além disso, é agora tempo de analisar os erros eventualmente cometidos e voltarmos às lutas de todos e todas as que vivem do seu trabalho, em torno dos serviços públicos, dos direitos laborais, dos direitos democráticos e do ambiente.
Vem conhecer a esquerda insubmissa. A esquerda determinada em combater os interesses dos poderosos.
Artigo publicado no MAS, em 08 de outubro de 2019 (https://www.mas.org.pt/index.php/editorial/180-editorial/1833-notas-sobra-eleicoes-legislativas-2019.html)
NOTAS
1 – Nesta semana o PS anunciou o rompimento com a Geringonça, bloco político formado pelo PS, PCP e Bloco de Esquerda, que governou o país nos últimos quatro anos.
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