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A existência de nove centrais sindicais no Brasil é uma anomalia

Valerio Arcary

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

O movimento sindical brasileiro ainda é o mais importante movimento social no Brasil. A existência de nove Centrais sindicais no Brasil é uma anomalia, talvez até uma aberração, diante das mudanças no país nos últimos anos, e do que significam os ataques do governo Bolsonaro.

Os capitalistas não têm sua representação fragmentada. Não há nove FIESP’s, por exemplo. Segundo o Ministério do Trabalho há 11.478 sindicatos de trabalhadores. (1) A classe trabalhadora não é tão homogênea para poder ser representada por um só partido, mas pode ter, talvez, uma só Central sindical. Talvez, não. Mas nove, é absurdo.

Aproximadamente dez milhões de trabalhadores estão filiados a sindicatos representados pelas Centrais sindicais. São 34 milhões aqueles com carteira assinada no setor privado, e mais doze milhões de funcionários públicos, o que significa um índice de sindicalização pouco inferior a 20%, o que é muito expressivo, internacionalmente, em termos comparativos. Mas há, claro, mais 38 milhões de trabalhadores na informalidade.

Por definição, uma Central sindical é uma união de sindicatos com o objetivo de garantir uma representação unificada de classe diante das organizações dos capitalistas e do Estado. A defesa da independência política dos trabalhadores diante do Estado e dos capitalistas justifica a existência de uma Central sindical.

Organismos de “frente única” são aqueles instrumentos de luta que pretendem fazer a representação de trabalhadores, ou qualquer outra base social explorada ou oprimida, independentemente de suas preferências políticas ou religiosas, sem qualquer discriminação. Os sindicatos de base territorial no Brasil são, por exemplo, organismos de frente única.

Considerando os números de 2016, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), onde prevalece a relação como PT, lidera o índice com 33,67% de representatividade, seguida pela Força Sindical (FS) ligada ao Solidariedade, mas com presença do PDT, com 12,33%, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) vinculada ao PSD, com 11,67%, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), articulada ao PCdB com 9,13%, a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), ligada aos partidos do centrão com 7,84% e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), com 7,43%. (2) Há ainda a CGTB, ligada ao ex-Pátria Livre que se fusionou com o PCdoB, a Intersindical, além da CSP/Conlutas.

A ditadura militar proibiu a existência de Centrais sindicais no Brasil. Quando da fase final da luta contra o governo Figueiredo a construção de uma Central sindical adquiriu importância estratégica. Porque era claro para os setores da esquerda comprometidos com a derrubada da ditadura a necessidade de construir um instrumento de luta que fosse uma referência para além dos sindicatos por categoria.

A luta pela CUT, fundada em 1983, passou pelo Conclat da Praia Grande em 1981, porque se impunha a formação de comando nacional unificado. Teve que enfrentar os sindicatos dirigidos pela velha “pelegada”, uma burocracia sindical que não aceitava a fundação de uma Central em que não estivessem em maioria, porque apoiavam a estratégia de transição de regime lenta, segura e gradual, sem disposição de desafiar os planos da ditadura.

Entre 1983 e 2003, durante vinte anos, a pulverização de Centrais tinha como objetivo central enfraquecer a CUT, e foi estimulada pelos patrões e pelos governos Sarney, Collor e FHC com o objetivo de desorganizar a resistência dos trabalhadores. Foi assim que surgiu a Força Sindical. O surgimento da Força Sindical foi uma operação política reacionária para dividir a classe trabalhadora.

Mas depois da eleição de Lula a divisão da CUT remete ao tema do aparelhamento pelo PT. A adaptação da CUT ao regime democrático-eleitoral nos anos noventa foi regressiva, mas seu aparelhamento pelo PT, e capitulação aos governos do PT foram uma tragédia. Este processo tem, também, uma explicação histórica mais complexa a ser ainda contextualizada.

De qualquer forma, a CSP/Conlutas surgiu como uma tentativa de construir uma referência sindical independente durante os anos de governo do PT, quando as outras Centrais, em especial a CUT, se alinharam ao governo sem mediações. Ela inovou ao tentar articular a representação sindical e movimentos sociais. Tragicamente, a oportunidade de uma unificação do sindicalismo classista e combativo se perdeu no Congresso de Santos de 2010, e ali, talvez, tenha se selado o destino da Conlutas.

Infelizmente, o último congresso da CSP/Conlutas confirmou a indisposição do partido majoritário em tentar defender o caráter de “frente única” que uma Central sindical deve ter. O aparelhamento da CSP/Conlutas pelo PSTU consolida uma dinâmica de decadência. A aprovação de uma resolução sobre Venezuela estapafúrdia com a exigência de Fora Maduro, e outra ainda mais imprudente sobre a LavaJato e, diretamente, indefensável sobre Lula, significaram que se perdeu o sentido das proporções, e não há limites. Se será ou não irreversível é algo ainda, talvez, em disputa, mas parece difícil de corrigir em função do que aconteceu entre 3 e 6 de outubro em Vinhedo/SP.

Não se garante a democracia somente através do exercício da maioria. Existe o direito de voto, mas deve ser respeitado o caráter de frente única. Isso significa a valorização de consensos, que não é o mesmo que o direito de veto. Uma Central não é igual a um sindicato de base.

As formas da democracia dependem muito da natureza das organizações. Em um sindicato de base a convocação de assembleias facilita o funcionamento democrático. Em uma Central sindical a representação é indireta. Os delegados são portadores de um mandato, mas não podem extrapolar. Sendo uma união de sindicatos deve prevalecer a responsabilidade e o bom senso de aprovar resoluções sobre plataformas de luta comuns, e evitar a partidarização.

No congresso de Vinhedo foram aprovadas resoluções que não fortalecem a CSP/Conlutas como uma referência do sindicalismo combativo e independente de todos os governos. Simplesmente, confirmam um sectarismo absurdo.

NOTAS

1 – As seis maiores centrais sindicais brasileiras (CUT, UGT, Força Sindical, CTB, NCST e CSB) alcançaram a marca de 9.818.853 trabalhadores associados em 2015. Centrais sindicais receberam R$ 1 bilhão em impostos entre 2008 e 2016.
< https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/03/01/6-maiores-centrais-sindicais-crescem-85-em-5-anos/ >. Consulta em 11 outubro 2019.

2 – < http://www.diap.org.br/index.php/component/content/article?id=17053 >. Consulta em 11 outubro 2019.