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COLUNISTAS

Derrubar presidentes é um hábito equatoriano

Por Henrique Carneiro

Em 1996, Abdalá Bucaram foi eleito presidente do Equador e, cinco meses depois, após fortes protestos populares, foi destituído pelo congresso por “incapacidade mental para governar”, em fevereiro de 1997. Fugiu para o Panamá, onde permaneceu por 20 anos sem voltar ao país.

Em 2017, após prescreverem os crimes de que era acusado, voltou a sua cidade de Guayaquil e declarou apoio a candidatura presidencial de Lênin Moreno que tinha sido o vice-presidente dos dois mandatos de Rafael Correia, entre 2007 e 2017.

No final de 1999, outro presidente do Equador, Jamil Mahuad, aumentou o preço dos combustíveis, entre outras medidas impopulares, e, em 9 de janeiro de 2000, adotou a dolarização do país que, desde então, deixou de ter a sua moeda nacional, o sucre. Onze dias depois, em 21 de janeiro de 2000, uma rebelião indígena que tomava o país e ocupava a capital, recebeu apoio de um setor do exército, liderado pelo coronel Lucio Gutierrez. O vice-presidente foi empossado e o coronel preso por quatro meses, mas depois organizou um partido chamado Sociedade Patriótica 21 de janeiro que, em 2002, ganhou as eleições presidenciais. O presidente Mahuad deposto fugiu para os EUA e nunca mais voltou.

Na época, o coronel Gutierrez era visto como até mais radical do que Hugo Chávez, que também tinha liderado um levante militar, em 1992, sido preso e depois eleito, a partir de 1999, presidente da Venezuela.

O governo do coronel equatoriano, no entanto, frustrou as expectativas. Embora nomeasse um primeiro governo com participação do movimento indígena Pachakutik, manteve a dolarização e após alguns meses viajou aos EUA e adotou um alinhamento completo com esse país. Aliou-se com a direita e passou a executar o programa do FMI. Fez também, o imprevidente gesto fatal de ajuste neoliberal que sempre desata as rebeliões no Equador: aumentou os combustíveis.

O Equador exporta basicamente petróleo, além de bananas e crustáceos. Mas importa gasolina. A cada vez que os governos no Equador tentam fazer um ajuste fiscal atingindo os subsídios ao preço dos combustíveis eles são derrubados.

Assim foi com Gutierrez, que em abril de 2005 decretou o estado de emergência contra os protestos. Cinco dias depois fugia do palácio em um helicóptero e tendo obtido asilo no Brasil foi levado ao país num avião da FAB. Depois voltou ao país e, junto com seu irmão, continuou se apresentando candidato à presidência.

A eleição e reeleição de Rafael Correa, nos dois mandatos com Lênin de vice, trouxeram um período de maior estabilidade e com alguma diminuição da desigualdade e da pobreza com o projeto do que ele denominou de “revolução cidadã”. Em 2008, convocou uma Assembleia Constituinte e depois se reelegeu ainda para mais dois mandatos presidenciais. Embora houvesse criticado antes a dolarização do país ele a manteve. Como economista doutorou-se com uma tese na universidade de Illinois sobre o desenvolvimento contemporâneo latino-americano. Após eleger seu sucessor, entrou em choque com a mudança de rumo que Lênin Moreno impôs e, em 2017, se foi num auto-exílio viver na Bélgica, país de sua esposa.

As diferenças com Lênin levaram a uma ruptura no partido Alianza PAIS, de que ambos faziam parte, e a fundação do Movimiento Revolución Ciudadana. O primeiro tem hoje 40 cadeiras e o segundo 29, num total de 137, na Assembleia Nacional. 

Lênin, que era uma figura apagada nos governos de Correa, deve sua popularidade a ter sobrevivido paraplégico a um tiro recebido num assalto e, depois, ter se tornado um escritor de muito sucesso com livros de auto-ajuda.

Depois de ter sido eleito, se alinhou com os EUA, entregou Assange, se juntou a oligarquias tradicionais, como a de Bucaram, fez um plebiscito que venceu em 2018 para, entre outras coisas, explorar petróleo em parques naturais e áreas indígenas, e agora, em setembro de 2019, tentou sua cartada mais radical no plano de ajuste que descarrega sobre o poder aquisitivo da população sua intenção de aumentar os preços dos combustíveis com a retirada dos subsídios.

Há duas coisas que os equatorianos estão habituados: verem presidentes, eleitos com um programa de esquerda, aderirem depois à política tradicional da direita e fazerem greves gerais e marchas para a capital para derrubar esses presidentes traidores.

Quando os indígenas e camponeses decidem que é hora de um basta, decretam Paro Nacional e se dirigem em marchas de milhares para a capital. Ao fazerem isso vão dispostos a derrubar o governo.

O espírito andino de rebelião remonta aos movimentos messiânicos anti-coloniais, às rebeliões de Tupak Katari em La Paz e Tupak Amaru em Cusco, à revolução boliviana de 1952. São comunidades indígenas tradicionais que mantém língua e uma cultura secular de resistência e de ação coletiva. Quando se movem não é para fazer atos políticos simbólicos. Sabem que sua força está na ação de massa. Por isso, tomam paus e pedras e se dispõe a definir a história com suas próprias mãos e sangue.

No dia 7 de outubro de 2019, as marchas chegaram a Quito e cercaram o palácio. O presidente fugiu da capital e instalou o governo em Guayaquil. Instalações petroleiras foram tomadas. Em diversas cidades há protestos e tomada de edifícios públicos. A greve geral se aprofunda.

Bucaram foi derrubado em 1997.

Mahuad foi derrubado em 2000.

Gutierrez foi derrubado em 2005.

Até quando durará Lênin Moreno?

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