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CULTURA

O Coringa sem máscara

Pedro Augusto Nascimento, de Santo André, SP
Reprodução

O turno da noite é ruim, mas até que é bom. Pude digerir um pouco de O Coringa, que estreou ontem (03) nos cinemas. Mas só um pouco, pois é um prato pesado que se come frio, com poucas cores e cheiro de estação de metrô.

Joaquin Phoenix fez uma das atuações mais brilhantes de que tenho lembrança. Já era seu fã, mas Todd Phillips conseguiu oferecer a ele todas as condições, da produção ao roteiro, para que pudesse criar um personagem de uma densidade mortal, com e sem trocadilho. Me emocionei mesmo na versão dublada, ou seja, Phoenix conseguiu dobrar o meu preconceito.

Mexeu comigo mais do que o Coringa do genial Heath Ledger, em Batman O Cavaleiro das Trevas. Talvez, por ter feito Arthur Fleck, o homem por trás da maquiagem do Coringa. Nunca fui muito adepto de quadrinhos, não entendo nada de universo DCEU, Marvel, essas coisas. Vejo cada filme como se fosse um episódio único, com começo, meio e fim, e sei que essa é uma limitação minha. Mas em Coringa, o Batman, por exemplo, não faz falta alguma.

O Coringa também se conectou ao seu tempo histórico. Fala das emoções que sentimos, de mim e de você. Fala de 2019, das doenças da mente, das doenças sociais. Fala de Trump, de Bolsonaro, fala dos Anonymous, dos black blocs, fala, dos homens brancos frustrados que matam. Falam dos cortes de verbas para a saúde, dos amores não correspondidos, das decepções e da desigualdade social. Fala de Nova York, de São Paulo. Fala do mundo, do bem e do mal do século: as rebeliões populares com direção e programas dispersos, mas que refletem um mal estar social que beira cada vez mais o insuportável em todo o mundo. Enquanto queremos dar um sentido revolucionário às expressões da crise do capitalismo, o fascismo também acha espaço para espalhar o seu chorume em meio ao caos.

É possível ter empatia, raiva e incredulidade com Arthur Fleck. Joaquin Phoenix encena monstruosidades sem torná-lo monstro. Ele não é especialmente racista, misógino ou xenófobo. Ele é humano e misantropo, ao mesmo tempo, e isso é o mais assustador.

Afinal, o que é verdadeiro e o que é delírio da mente de Fleck? Há vingança ou só desejo? Mas é certo que há adoecimento da mente, e precisamos falar sobre isso.

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