O desenlace da crise política no Equador, junto com a recente derrota do imperialismo na Venezuela, pode significar um ponto de inflexão para a situação política latino-americana. É possível definir que no Equador abriu-se uma distinta etapa histórica, desde a insurreição indígena-popular-militar de Janeiro 2000, onde se enfrentou o pacotaço de dolarização da economia de Jamil Mahuad (1998-2000), que acabou deposto no dia 21 daquele mês revolucionário, sendo substituído provisoriamente por um triunvirato do qual participou o Coronel Lúcio Gutierrez, apoiado por uma sublevação da média oficialidade das forças armadas. Ante a capitulação do triunvirato, Gutierrez foi preso por 120 dias e quando saiu da prisão foi como herói nacional, ganhando as eleições presidenciais em novembro de 2002 em unidade com o partido Pachakutik, dirigido pelas lideranças da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador-CONAIE, e o MPD, braço legal do partido dirigido pelo PCMLE (Los Chinos), apoiado pela maioria das organizações de esquerda do país.
Ante o fracasso do governo de Frente Popular liderado por Gutierrez, cercado ainda por graves denúncias de corrupção e intervenção na Corte Suprema, se desencadeou uma rebelião popular principalmente em Quito, conhecida por Rebelião dos Forajidos, entre 13 a 20 de abril de 2005 que pôs abaixo o governo liderado pelo Coronel (não mais rebelde) cujo pacto com as poderosas oligarquias agroexportadoras não foram suficientes para deter seu infortúnio. O seu Vice-Presidente, Alfredo Palácio, assumiu em meio a muita desconfiança popular, mas nomeou para ministro da economia o jovem aliado de Chávez, Rafael Correa.
Correa saiu do governo como símbolo da defesa da soberania, pois na agenda externa priorizou as relações multilaterais com os países da América do Sul e principalmente com Venezuela e Brasil, em detrimento do principal projeto do imperialismo para o país que era o Tratado de Livre Comércio. Ele também chegou a negociar que a dívida externa fosse assumida pela Venezuela em detrimento dos organismos imperialistas. Tal medida não agradou ao agronegócio daquele país nem o próprio Alfredo Palacio, mas alentou sua eleição com forte apoio popular para governar o país por 10 anos, convocou uma Assembleia Constituinte e desenvolveu políticas públicas com concessões sociais, apesar dos enfrentamentos com movimentos ambientalistas e com a CONAIE em algumas regiões, e suas tendências bonapartistas. Desta feita, Correa conseguiu se reeleger e fazer seu sucessor, Lênin Moreno.
Moreno foi eleito em abril de 2017, já num quadro de esgotamento do desenvolvimentismo correista e diante de uma queda vertiginosa da renda petroleira que foi a fonte de ouro do reformismo andino, assim como foi igualmente na Venezuela. O Lênin equatoriano, diante de tais dificuldades e a pressão do imperialismo, não vacilou em romper com o modelo correista e estendeu o tapete vermelho, sem mediações, ao imperialismo americano, e para tal, girou à direita em suas relações políticas internas e externas, haja visto sua posição de vassalo dos Estados Unidos ante a Venezuela e na vergonhosa entrega de Julian Assange ao imperialismo. Por outro lado, numa versão equatoriana do lavajatismo, houve a instrumentalização do Ministério Público e do Judiciário para perseguir aliados e o próprio Correa com inúmeros processos suspeitos de politização.
Moreno decretou Estado de Exceção e já prendeu mais de 500 ativistas para impor seu pacote ultraliberal e pró-imperialista
Neste início de outubro, Lênin Moreno, agora com seus novos aliados da decadente e reacionária burguesia agroexportadora e seus partidos PSC, CREO e o racha do Aliança País, tenta impor um brutal ajuste ultraliberal em favor de suas novas relações com o FMI e demais acordos com o imperialismo. O pacote envolve em uma só tacada o fim dos subsídios à gasolina e ao diesel, gerando aumentos de até 100% ou mais, que já está em vigor na bomba dos postos, e ainda um projeto de reforma trabalhista e tributária para serem apreciados na unicameral Assembleia Nacional prevendo o retorno do contrato temporário de trabalho (proibido em 2016) com redução de salários, redução de férias remuneradas de 30 para 15 dias, confisco de um dia de trabalho de todos empregados públicos e previsão de aumentos do Imposto de Valor Agregado-IVA, além de outras medidas draconianas exigidas pelo acordo com o FMI.
Segundo correspondentes equatorianos, a rebelião popular teve seu início puxado pelos caminhoneiros, grêmios de motoristas autônomos, cooperativas de taxis e de vans com o eixo contrário ao reajuste abusivo do diesel e da gasolina, se espalhando para várias regiões do país, se caracterizando de fato por um levante nacional popular em várias províncias e nas grandes, médias e pequenas cidades e povoados. Várias estradas estão bloqueadas e há elementos de duplo poder como o caso da declaração da CONAIE que decretou Estado de Exceção em todos os territórios indígenas proibindo a entrada do Exército e da Polícia Nacional nestes territórios autodeterminados.
Moreno, agora com o apoio pleno do FMI e do imperialismo, e de seu antes opositor de direita, Guillermo Lasso, impõe uma brutal repressão aos ativistas e ao povo trabalhador e indígena. A Policia Nacional pôs agentes nos terraços dos edifícios para disparar bombas de gás diretamente nas aglomerações dos protestos, além do uso cachorros treinados e cavalaria. Também há denúncias de disparos diretos nos corpos dos ativistas. As organizações de Direitos Humanos já denunciaram na imprensa que há centenas de prisões sem acesso aos advogados e sem audiência de custódia. Até esta segunda-feira, já seriam mais de 500 detidos em todo o país, mais de 170 pessoas somente na capital. Há registro de pelo menos 2 duas mortes.
No dia 04 de setembro, um setor dos transportistas havia recuado da greve geral nacional, antes convocada por tempo indeterminado. Por outro lado, a classe trabalhadora assalariada representada pelos sindicatos dirigidos por uma frente das centrais sindicais, Frente Unitária de Trabalhadores-FUT, incluídos aí os empregados públicos, mantiveram os protestos e o chamado, pois há uma compreensão de que até mesmo este pacote é somente o início de um grande plano de recolonização do país.
A rebelião indígena e popular em curso e mais uma vez o problema do poder
Para além dos bloqueios de estradas organizadas pelas organizações populares e indígenas e as paralisações de trabalhadores, está agora convocado para o dia 09 de outubro (quarta-feira) como data de uma Greve Geral com levante nacional da CONAIE. Tanto na insurreição de 21 de Janeiro de 2000 quanto na Rebelião dos Forajidos de 2005 se colorou como tarefa imediata dos movimentos o tema de quem deve assumir o poder diante do colapso das instituições do Estado burguês e das forças armadas. Nas duas situações o tema do poder popular dos trabalhadores e do povo bateu as portas das organizações e dirigentes das organizações, principalmente em Janeiro de 2000, quando os dirigentes da insurreição entregaram o poder, após terem assumido provisoriamente o triunvirato como resultado do levante nacional.
Novamente, diante do provável colapso do governo de Lênin Moreno, que já fugiu de Quito para Guayaquil, as negociações para prováveis saídas para recuperar o regime já se iniciaram. Por um lado, há a proposta de antecipar as eleições presidenciais, por outro, especulações sobre um acordo para a chamada “morte cruzada”, ou seja, antecipações das eleições presidenciais e parlamentares ao mesmo tempo. A pergunta que fica é: porque as organizações populares dos Trabalhadores com a FUT que reúne a maioria dos sindicatos junto com a CONAIE não constroem sua própria saída de governo? O bravo povo equatoriano, depois de tanto sofrer com ataques sociais e políticos fará mais uma revolta para devolver o poder para Rafael Correa que tentará canalizar a revolta para as eleições ?
As experiências históricas provam que é possível construir um governo dos trabalhadores e do povo e edificar uma nova forma de Estado que garanta as demandas da maioria da população. Um governo provisório da FUT e da CONAIE é possível! É possível convocar uma nova Assembleia Constituinte, desta vez a ser dirigida pelas organizações populares para romper com o FMI e a dolarização, e iniciar a construção de um verdadeiro Estado soberano, plurinacional e de transição ao socialismo. A superação da crise econômica e social do Equador só será possível com medidas frontais de nacionalização dos recursos naturais e estatização das empresas estratégicas.
Mesmo ante o recuo dos transportistas, a Frente Unitária de Trabalhadores (maioria das centrais), convocou a greve geral para a próxima quarta-feira. Neste mesmo sentido, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador-CONAIE, manteve o levante geral por tempo indeterminado. Os protestos e bloqueios já se espalharam para quase todo o país e para as cidades grandes, médias e pequenas do país. A rebelião equatoriana pode ser o sintoma de novos ventos no continente. O povo pobre e trabalhador do país dos revolucionários bolivarianos, Manuela Sáenz e do General Sucre, clama por soberania, justiça social e respeito aos povos originários! Estamos juntos!
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