223 dias separaram a entrega ao Congresso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar a Previdência Social da última votação, ainda em 1º turno, no Senado Federal. De lá pra cá o projeto sofreu algumas importantes modificações, e é fundamental que nós saibamos quais, a fim de disputar da melhor forma possível a opinião pública. Tendo isto em vista, abordarei neste texto o que era e o que ainda é a PEC da Reforma da Previdência.
No texto original, Paulo Guedes e sua trupe prometia retirar da Seguridade Social um total de R$ 1,237 bilhão em uma década, ou uma média anual de R$ 124 bilhões. Para conseguir subtrair estes valores, a PEC 06/2019 definia, para ficar em apenas sete pontos: (i) uma idade mínima de 65 (homens) e 62 (mulheres) anos para se aposentar; (ii) fim da aposentadoria por tempo de contribuição; (iii) 40 anos de tempo de contribuição para ter direito à 100% da média salarial; (iv) mudança no cálculo da aposentadoria, deixando de descartar os 20% de contribuições mais baixas da vida do trabalhador; (v) desvinculação do salário mínimo, como piso, de benefícios como pensão e BPC; (vi) mudança no critério de recebimento do abono salarial; e (vii) a criação de um sistema de capitalização bancária.
Como toda PEC, o primeiro passo da sua tramitação foi na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), onde houve importantes alterações no projeto. Naquele momento, no mês de abril, a constitucionalidade da PEC foi aprovada, mas com quatro modificações: (i) a não extinsão da multa do FTGS, quando o trabalhador for demitido sem justa causa; (ii) a não mudança dos tribunais que julgariam ações de questões previdenciárias; (iii) a não exclusividade do Executivo para reformas futuras na Previdência; e (iv) o fim do que se chamou de PEC da Bengala, mudança na aposentadoria compulsória no serviço público que permitiria Bolsonaro nomear mais ministros no STF. O método para não sofrer mais derrotas àquela altura já era totalmente contrário ao discurso hipócrita do período eleitoral, onde Bolsonaro dizia que não iria negociar com o Congresso utilizando-se de cargos e dinheiro. Para aprovar o projeto na CCJ foram prometidos empregos no segundo escalão (em estatais e autarquias) e emendas parlamentares (no valor de R$ 40 milhões).
Após a CCJ, a PEC foi para a comissão especial criada especificamente para discutir o mérito da reforma. Nela, foram retirados pontos ainda mais importantes da reforma, tais como: (i) estados e municípios, que antes teriam que obedecer automaticamente à nova lei; (ii) tempo mínimo de contribuição de mulheres, que havia subido de 15 para 20 anos; (iii) idade de professoras, que voltou a ter um critério diferenciado para se aposentar, idade mínima de 57 anos; (iv) fim na mudança do BPC, que idosos em situação de miserabilidade iriam receber apenas R$ 400,00, até atingirem os 70 anos, quando passariam a ter direito a receber um salário mínimo (importante frisar que o cálculo da “economia” com esta mudança era de R$ 34 bilhões, quase 3% da economia total); (v) mudança na aposentadoria rural, com o aumento da idade para se aposentar e criação de uma quantidade mínima de contribuições; (vi) a capitalização; e, por fim, (vii) foi acrescentada mais uma regra de transição para os servidores públicos, o qual permitiria se aposentar sem cumprir a idade mínima de 65/62, pagando um pedágio de 100% do que faltava para se aposentar. Sendo aprovado em julho, encaminhou-se para o plenário da Câmara.
No plenário da Câmara, em discussões que duraram quatro dias de sessões, só no primeiro turno, houve mais algumas novas mudanças: (i) cálculo do percentual da aposentadoria das mulheres, que antes, apesar de ter sido baixado de 20 para 15 anos, só começava a acrescer 2 pontos percentuais a cada novo ano de contribuição (a conta começava com 60% da média salarial) a partir dos 20 anos, e não dos 15, o que foi derrubado; (ii) piso de um salário mínimo para pensão por morte; (iii) diminuição da idade mínima para policiais (PF, PRF, PFF, polícias legislativas, polícia civil do DF) e agentes penitenciários e socioeducativos federais, que passa a ser de 53 anos para homens e 52 para mulheres, com o mesmo pedágio de 100% do tempo que restava para se aposentar; (iv) diminuição do tempo de contribuição para homens que já estão no mercado de trabalho, de 20 para 15 anos; e (v) mudança na idade mínima para professores se aposentarem, na regra de transição, com uma redução de cinco anos, ou seja, 52 anos para professoras e 55 anos para professores.
Todas as mudanças feitas na Câmara diminuíram em R$ 303 bilhões o que o governo prometia tirar, em dez anos, da Seguridade Social. Aprovada em 7 de agosto, por 370 a 124, partiu para o Senado Federal, a segunda fase da votação de uma PEC.
Na CCJ do Senado a PEC foi aprovada sem nenhuma alteração substancial. Mas um novo projeto entrou em cena, o que chamaram de “PEC paralela”, idealizado por Tasso Jereissati (PSDB-CE), para não atrasar a aprovação do texto-base da Reforma da Previdência e questões que, para eles é consenso, não tenha que voltar à Câmara. Nesta PEC paralela há tanto propostas que amenizam a reforma quanto a profundam. Ameniza nos seguintes aspectos, diminuindo os ataques em alguns aspectos e aumenta as receitas em outros: (i) define, por lei, que nenhum pensionista poderá receber menos do que um salário mínimo; (ii) acresce 10% na aposentadoria por incapacidade, caso tenha sido fruto de acidente; (iii) diminuição para 15 anos de contribuição no caso de homens que ainda entrarão no mercado de trabalho; (iv) acaba com a desoneração fiscal do setor agroexportador, entidades filantrópicas (salvo Santas Casas); e (v) onera o empresário optante pelo Simples em relação à contribuições destinadas a financiamento de benefícios previdenciários concedidos em decorrência de acidente de trabalho ou exposição a agentes nocivos. Por outro lado: (i) recoloca estados e municípios na Reforma; e (ii) traz de volta a possibilidade de adesão ao Funpresp, para os servidores federais.
Ambas foram aprovadas na CCJ do Senado e o texto principal já foi para votação no plenário. Por um placar apertado (56 x 19 – sendo que o mínimo de votos a favor para PEC deve ser de 49), o governo conseguiu a aprovação em primeiro turno na casa. No entanto, mais um ponto importante caiu (ao menos por enquanto), o da restrição ao abono salarial, que hoje é pago para trabalhadores formais que recebem até 2 salários mínimos, e que o governo propunha que o teto caísse para trabalhadores que recebesse até R$ 1,3 mil. É uma derrota para o governo, pois Guedes previa deixar de pagar R$ 76,4 bilhões à estes trabalhadores nos próximos 10 anos, diminuindo a “economia” da Reforma. Isto ocorreu em retaliação ao governo, e não por os senadores entenderem que tirar um 14º salário de trabalhadores de baixa renda prejudica os mais pobres e afunda ainda mais a economia brasileira, o que dá brecha para uma futura reconciliação e uma reinserção disto à PEC. Com estas mudanças a “economia” em 10 anos é estimada em R$ 800 bilhões.
Como vimos, o essencial da reforma foi mantido (idade mínima, fim da aposentadoria por tempo de contribuição e rebaixamento dos valores pagos com a mudança do cálculo da aposentadoria), mas por conta da grande rejeição popular, crises políticas e um desastroso e bizarro governo, houve algumas pequenas vitórias até aqui, como a não implementação de um sistema de capitalização, benefícios abaixo do salário mínimo, regras de transição menos absurdas e, agora, a não subtração da renda de trabalhadores de baixa renda, a partir do abono salarial. Ainda haverá o segundo turno, provavelmente próximo ao dia 22 deste mês, mas não há nenhuma disposição por parte dos senadores de abrandarem a reforma mais do que isto. Resta saber se, de nossa parte, há alguma disposição para convencê-los do contrário.
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