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BRASIL

A contratação via CLT de professores nas universidades públicas: privatização e obscurantismo na agenda do MEC

Rafael Vieira, do Rio de Janeiro (RJ)
Luiz Fortes / MEC

A tentativa do governo de impor a contratação via CLT para ingresso nas universidades tem se tornado frequente em falas recentes do atual Ministro da Educação, Abraham Weintraub (1). . Esse tipo de medida articula duas dimensões do governo Bolsonaro, que o Ministro corporifica. Por um lado, o obscurantismo, a tentativa de realizar uma nova etapa de caça às bruxas e o ódio à dedicação à ciência e a qualquer forma de pensamento que coloque em xeque, real ou potencialmente, suas crenças e os efeitos concretos do governo que o Ministro se esforça por construir. Por outro, e atrelada a esta dimensão obscurantista está, o privatismo, que procura abrir espaço para variadas formas de saqueio das universidades, assim como de precarização do trabalho e intensificação do sobretrabalho docente, gerindo este por meio de Organizações Sociais (OSs).

Assim, o fim dos concursos precisa ser discutido criticamente a partir de alguns eixos importantes:

1- Ele significará objetivamente o retorno do velho pistolão, em que os amigos do Rei tinham privilégios variados para ingresso na universidade. Embora haja problemas por vezes na forma como alguns concursos são feitos, eles garantem mecanismos de controle social sobre o recrutamento docente e formas de exercício de pressão que a contratação via CLT não permite. E não é possível abrir mão disso em prol de um modelo que não funciona na esmagadora maioria das universidades privadas. É preciso aperfeiçoar o concurso e democratizar suas formas de recrutamento, e não abrir mão dele, tal como a medida alardeada pelo governo deixa em aberto.

2- Bolsonaro já anunciou que um dos seus objetivos de expandir o ensino à distância é “combater o marxismo”, uma vez que o conteúdo centralizado é mais fácil de ser controlado pelos censores do governo. (2) O mesmo fenômeno está presente neste tipo de decisão, embora não seja dito para que não seja questionada sua constitucionalidade. Atrelado ao ponto anterior, as OSs terão o monopólio da contratação via direito privado, o que permite que se intervenha mais diretamente na triagem ideológica e política (professoras e professores vistos como potenciais causadores de problemas serão facilmente descartados na seleção, se houver). Além disso, o fim da estabilidade facilita que professores não alinhados às posições político-ideológicas do governo sejam demitidos.

3- Tanto Vélez Rodriguez como Weintraub já expressaram seu ódio ao ANDES, sindicato nacional de docentes do ensino superior. Essa medida incide diretamente nas possibilidades de organização sindical de docentes, uma vez que com a contratação via CLT a dificuldade organizativa é ainda maior, pois o/a docente torna-se mais receoso/a de organizar-se diante do risco real de demissão e das variadas formas de assédio moral tendentes a se intensificar neste quadro.

4- A decisão criará um fosso dentro das universidades, contribuindo para a existência de disparidades significativas entre colegas de trabalho. Uns com estabilidade e regulados pela lei 8.112 e outros regulados via CLT, sem estabilidade e com menos direitos. Que os professores estáveis não achem com isso que estão protegidos. A decisão abrirá a possibilidade de o governo deixar de lado a carreira tratada como “antiga”, facilitando a retirada de direitos.


5- O governo pauta sua decisão em mentiras. A primeira é dizer que não há verbas. Basta ver a apresentação do Future-se, na qual o governo anuncia que as universidades que aderirem a ele receberão mais de 80 bilhões em verba pública, procurando provocar a adesão ao programa via chantagem ou oportunismo. Enquanto isso, hoje as universidades agonizam diante do corte de verbas. Uma outra mentira é que a contratação via OS seria “mais barata”. A gestão via OSs de serviços públicos não reduz gastos, segundo estudos realizados nos últimos anos. (3) Ademais, facilita as promíscuas relações entre o público e o privado, que provocam uma infinidade de denúncias sobre de desvio de dinheiro público realizado pelas OSs.

6- A seleção de professores será retirada dos departamentos e das universidades, ferindo sua autonomia e possibilidades importantes de democratização desse processo (que precisa ser melhorado, mas nada disso será feito por esse tipo de decisão do governo). Quem controlará essas seleções? Sob quais parâmetros? Não é preciso ser vidente para antever que isso abre portas para relações, no mínimo, obscuras e perigosas. Isso concentrará poderes em quem estiver ligado à OS (e dinheiro, muito dinheiro, via mecanismos de remuneração via pró-labore, para o docente que se dispor a realizar esse tipo de função).

Há outras consequências possíveis, e os pontos levantados anteriormente não se pretenderam exaustivos. Eles indicam um conjunto de tendências postas atualmente em curso no âmbito do projeto educacional para o ensino superior do governo Bolsonaro. Algumas destas tendências estão expressas no Future-se (4), visto como principal medida pelo governo para as universidades públicas do país e a qual o fim dos concursos públicos está atrelada. Estes aspectos fazem tanto da rejeição desta medida quanto do próprio Future-se uma pauta urgente e necessária que dizem respeito ao porvir das universidades públicas brasileiras.

 

 

NOTAS

1 – https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-vai-exigir-contratacao-de-professor-sem-concurso-para-universidade-que-aderir-ao-future-se,70003020974?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR00AYcMCfiTEAzoYF9-URoh8cx3CVwBQrB0H8GOFTgiQ-bhDWEPdFIkGwI. Acesso em 27/09/2019. Esse tipo de percepção se pauta por uma interpretação alargada dos artigos 3º e 4º rascunho de Projeto de Lei que estabelece o Future-se.

2 – Segundo Bolsonaro: “Conversei muito sobre ensino à distância. Me disseram que ajuda a combater o marxismo. Você pode fazer ensino à distância, você ajuda a baratear”. https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-defende-educacao-distancia-desde-ensino-fundamental-22957843. Acesso em: 27/09/2019.

3 – JUNQUEIRA, Virgínia & PILOTTO, Bernardo Seixas. “Organizações Sociais do setor de Saúde no estado de São Paulo: avanços e limites do controle externo”. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n.130, set/dez 2017, p. 557-558.

LIMA, Joseane Barbosa de. “A contrarreforma do Sistema Único de Saúde: o caso das organizações sociais”. Revista Argumentum, Vitória, v.10,n.1, jan/abr 2018, p.93.

4 – Analisado mais amplamente por: LEHER, Roberto.  “Análise preliminar do ‘Future-se’ indica a refuncionalização das  Universidades e Institutos Federais”. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2019/07/25/leia-a-analise-de-roberto-leher-da-ufrj-sobre-o-future-se/ . O Future-se materializa algumas tendências já expostas no programa de Bolsonaro para a educação superior. Para este programa, ver: VIEIRA, Rafael B. “O programa para a educação superior de Jair Bolsonaro: Empreendedorismo, Controle e ofensiva sobre o fundo público”. Revista Universidade e Sociedade.  Brasília, Ano XIX, n. 64, junho de 2019, p.90-101.