Na Baixada Santista e em todo o País, uma pergunta ecoa: por que a esquerda não se une?



Raphael Guedes*, de Santos (SP)
Leandro Olímpio

Ato Unificado da Greve Geral de 14 de Junho, em Santos



Em pouco mais de oito meses, o governo Bolsonaro já mostrou ser um pesadelo aos mais pobres, aos povos indígenas e aos assalariados, sobretudo ao seu setor mais vulnerável – negras e negros, mulheres e LGBTQIs. Diante disso, a urgência de se unir é um consenso. Mas até agora não se construiu uma unidade capaz de fazer frente aos ataques. A pergunta feita na Baixada Santista e em todo o país por diversos lutadores e lutadoras é a mesma: por quê?

A primeira explicação talvez esteja nas estratégias distintas existentes na esquerda. Para nós, da Resistência/PSOL, só com a mobilização direta, ou seja, com a construção de protestos nas ruas e greves nos locais de trabalho, podemos barrar a agenda do retrocesso e acumular as forças necessárias para derrotar Bolsonaro.

Mas há setores que apostam em outras saídas, como priorizar a redução de danos via negociação; ou apostar nas eleições de 2020 e 2022 como principal (e até mesmo única) arena de luta contra a extrema-direita.

Consideramos um grave erro essas opções. Diante de um governo reacionário e com traços neofascistas não há o que negociar. A tentativa fracassada de parte do movimento sindical de negociar pontos da reforma trabalhista deveria servir de lição. Também não há tempo para esperar o processo eleitoral, por mais importante que seja disputar este espaço. A atuação dos parlamentares do PSOL a serviço da luta expressa a relevância de ocupar o parlamento, mas trata-se de um ponto de apoio para nossa luta e não o principal espaço de disputa política para mudar os rumos do país.

Há ainda práticas corrosivas que todas as organizações estão suscetíveis. Dentre elas, o hegemonismo. Toda organização têm o direito (e dever) de lutar por suas ideias e de trazer às suas fileiras o maior número possível de ativistas. Também é legítimo eleger prioridades de atuação. Mas para isso não vale tudo. Infelizmente, a bússola usada por algumas organizações para participar de mobilizações e atividades unitárias nem sempre é a justeza da causa e/ou a necessidade de colocar em movimento a classe trabalhadora, a juventude e os oprimidos. O tamanho da dedicação empreendida, e muitas vezes a própria participação, fica submetida à capacidade que se vislumbra de ser a direção política do processo. Não se trata de demonizar a autoconstrução, tarefa inerente a toda organização, mas a busca cega por protagonismo já demonstrou ser um terreno fértil para a divisão de nossas forças.

As organizações também têm o direito de divergir sobre aspectos da realidade, mas isso não pode ser barreira pra construção de sínteses e da unidade na ação naquilo que nos une: por exemplo, o combate à reforma da previdência, às privatizações, a defesa da educação e das liberdades democráticas. A divisão de nossas forças por conta de análises distintas da conjuntura é injustificável.

No atual estágio de polarização ideológica do país, a tentativa de dialogar e conscientizar aqueles que foram iludidos pelo discurso “anti-sistema” bolsonarista é fundamental. Mas para isso exige uma ação anterior: a mobilização dos que já discordam do governo, mas ainda não estão ao nosso lado no campo de batalha.

A última pesquisa do Instituto Datafolha mostra que a rejeição ao governo Bolsonaro tem sido cada vez maior. Dos entrevistados, 38% consideram o governo ruim ou péssimo e ganha importância a revelação de que as mulheres, os negros e desempregados são alguns dos segmentos que puxam pra baixo a aprovação do governo. Diante desses números, precisamos elaborar um conjunto de ações que elevem essa rejeição hoje passiva a mobilizações de enfrentamento à agenda de retrocessos de Bolsonaro.

E nisso está a importância da unidade, pois nenhuma organização tem condições de resistir sozinha. Na Baixada Santista, esta tarefa passa pela articulação de um fórum unificado que desenvolva, a partir do debate e definição de um programa mínimo, atividades de mobilização e diálogo com a população.

Um espaço que apresenta vocação e disposição para estimular esse processo é o Fórum em Defesa das Aposentadorias de Santos. Reunindo ativistas independentes, trabalhadores de base, dirigentes sindicais, lutadores sociais, juventude trabalhadora e membros de setores católicos e evangélicos, conseguiu aglutinar diversas organizações e pessoas dispostas a defender a previdência social. Desde então, através de palestras, panfletagens e aulas públicas, vem denunciando os retrocessos impostos pela reforma, assim como os deputados federais da região que disseram sim à destruição da previdência.

Com a proximidade da votação no Senado, o que infelizmente irá sacramentar a aprovação da reforma, o Fórum discute os próximos passos. E as primeiras conclusões, corretas em nossa opinião, é de que este espaço deve se transformar num fórum mais amplo, que se proponha também a sair em defesa de temas como a preservação do patrimônio público e dos direitos trabalhistas de nossa classe, discutindo quais propostas devem ser elaboradas para apontar uma saída alternativa à agenda anti-povo e anti-nação do atual governo. Ao lado das demais organizações políticas que atuam na região, coletivos e sindicatos combativos, dentre eles os que formam a Frente Sindical Classista da Baixada Santista, o Fórum pode ser um importante ponto de apoio para a unificação da luta.

Nós, da Resistência/PSOL, dentro de nossas forças, seremos parte deste esforço e nos dedicaremos a construir este espaço unificado de debate e luta, nos incorporando também a toda e qualquer mobilização que ajude nossa classe a resistir.

*Raphael Guedes é professor e membro da coordenação Baixada Santista da Resistência/PSOL.