O impeachment de Dilma foi um golpe parlamentar, Lula é um preso político e as eleições de 2018 foram viciadas

Uma polêmica necessária entre as organizações de esquerda e os que lutam contra o governo neofascista de Bolsonaro

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Na noite da última segunda-feira, dia 16 de setembro, o ex-presidente ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) participou de uma entrevista no Programa Roda Viva, da TV Brasil.

Nessa entrevista, como uma espécie de “ato falho”, se referiu ao Impeachment da ex-presidenta Dilma Roussef (PT-MG) como um golpe. No seu ataque de “sinceridade”, Temer não deixou de mentir também, afirmando, na maior “cara de pau”, que não participou da operação golpista de aprovar no Congresso Nacional um Impeachment sem crime de responsabilidade.

Mas, deixando de lado os devaneios tardios de Temer, o assunto tem sua relevância. Afinal, acontece num cenário onde está cada vez mais difícil esconder o golpe e todo o seu desenvolvimento nos últimos 3 anos.

Os vazamentos dos diálogos no Telegram entre o ex-Juiz e atual Ministro da Justiça Sérgio Moro, com o coordenador da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba Deltan Dallagnol e outros procuradores da operação, publicados pelo The Intercept Brasil e vários órgãos de imprensa, jogaram luzes nesta discussão.

Atualmente, fica ridículo tentar esconder o verdadeiro conluio entre o Juiz Moro e os procuradores da Lava Jato para montar toda uma narrativa que visava, principalmente: justificar e legitimar o golpe do Impeachment, tirar Lula da disputa eleitoral, pavimentando o caminho para a vitória de um candidato afinado com agenda golpista nas eleições presidenciais de 2018.

Para isso, eles contaram com a estreita colaboração dos principais meios de comunicação do país, especialmente a TV Globo, que davam um ar midiático e sensacionalista a todas as mentiras e artimanhas montadas por Moro, Dallagnol e sua turma de procuradores.

Para que não fique nenhuma dúvida, as negociações entre Moro e aliados de Bolsonaro, ainda durante a campanha eleitoral, são a demonstração do processo viciado que estava se realizando, o que depois veio se comprovar com a nomeação do ex-Juiz para o Ministério da Justiça do atual governo.

Outras questões de enorme importância foram às intensas pressões e algumas iniciativas dos procuradores para impedir as entrevistas de Lula, atacando a garantia constitucional à liberdade de imprensa; e os vazamentos criminosos contra o PT e o seu candidato Haddad na reta final da campanha eleitoral.

A interferência políticas da Lava Jato no processo eleitoral, o impedimento da candidatura de Lula (o primeiro colocado, até então, em todas as pesquisas de opinião) e toda a ação criminosa da extrema-direita com as “fake news” são algumas das comprovações que as eleições presidenciais de 2018 ocorreram em um ambiente fraudulento.

Por isso, os movimentos sociais e as organizações de esquerda devem apoiar duas iniciativas parlamentares: a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da “VazaJato” e uma apuração profunda e transparente das “fake news” na CPI que já está iniciando seus trabalhos.

Evidentemente, não devemos confiar numa apuração séria sobre estes crimes realizada por um Congresso Nacional de maioria corrupta e reacionária. Mas, estas duas CPI´s podem ampliar a capacidade dos movimentos da classe trabalhadora, da juventude, dos oprimidos e dos partidos de esquerda de denunciar o caráter reacionário e seletivo da Lava Jato e do golpe iniciado em 2016, que deu um salto com a eleição de Bolsonaro.

Cresce o espaço para dialogar com a maioria do povo sobre estes temas. Uma parte significativa dos trabalhadores e da juventude já começa a perceber as mentiras da Lava Jato e as falsas promessas de campanha de Bolsonaro. Segundo as pesquisas de opinião, uma maioria já rejeita a forma pela qual Bolsonaro vem governado.

A esta altura, não deveria existir dúvidas entre as organizações de esquerda e de oposição sobre o golpe de 2016, a prisão política de Lula e a ilegitimidade das eleições de 2018. Entretanto, não é isso que as discussões públicas, das últimas semanas, estão demonstrando.

Os debates entre os partidos de esquerda e da oposição

É importante observar que a compreensão sobre a existência do golpe do Impeachment, do caráter reacionário da Lava Jato, da prisão política de Lula e dos vícios do processo eleitoral passado seguem dividindo as organizações de esquerda e da oposição ao governo Bolsonaro.

Chega ser curioso que estas questões fundamentais para entendermos o momento político atual no Brasil são ainda negadas por vários setores, tanto pelos os que querem fazer uma oposição moderada ao atual governo, como também por aqueles que acham que já estamos à beira da derrubada de Bolsonaro.

Ciro Gomes (PDT-CE), numa recente entrevista, nega o golpe, a prisão política de Lula e chega afirmar que Bolsonaro não atentou contra a democracia. Sua conclusão, portanto, é que a tarefa colocada seria a construção de uma oposição meramente parlamentar, moderada e que espere pacientemente as eleições 2020 e 2022. Além, é claro, de colocar seu nome como pré-candidato a presidente, para expressar esse projeto.

Mas, chamou ainda mais atenção que essa mesma postura foi a que apresentou em outra entrevista, o atual Governador da Bahia, o petista Rui Costa. Ele chegou a afirmar que a bandeira da liberdade imediata de Lula não deveria ser um objetivo de uma oposição unificada a Bolsonaro. Rui Costa, que apoiou pontos fundamentais da atual contrarreforma da previdência de Guedes e Bolsonaro, defendeu, na mesma entrevista, que o PT deveria ter apoiado Ciro Gomes para presidente nas eleições passadas e que deve construir uma nova aliança ampla de conciliações de classes nas eleições de 2020 e 2022, colocando também seu nome como pré-candidato.

Ciro Gomes (PDT) e Rui Costa (PT) possuem a mesma estratégia política diante do governo Bolsonaro, como muito foi muito bem analisado pelo camarada Valério Arcary em recente artigo.

Mas, existem outros setores que negam principalmente a existência do golpe e da prisão política de Lula tentando construir um discurso pela esquerda. Esta política está presente em setores do próprio PSOL e no PSTU.

No interior do PSOL, vemos, por exemplo, uma de suas correntes internas, o MES, que chegou a defender que a Lava Jato tinha elementos progressivos e / ou estava em disputa pela esquerda. E, agora, mesmo ajustando sua linha, sem dar maiores explicações, segue se opondo que o PSOL integre a campanha Lula Livre. Outras correntes internas do PSOL, como a CST, seguem ainda negando a existência do golpe parlamentar.

O PSTU dizia em 2016 que o Impeachment de Dilma era trocar “seis por meia dúzia” e frente a evidente prisão política Lula, apenas exigia a prisão de todos os corruptos e corruptores, dizendo que Lula não era inocente. Na prática, apoiando a condenação sem provas e a prisão política do ex-presidente.

Em recente artigo, o PSTU admite agora que o julgamento de Lula não foi justo, e que sua condenação foi armada de forma seletiva pela Lava Jato. Mas, este partido segue repudiando que a esquerda entre na campanha Lula Livre.

 Não custa relembrar que a caracterização que houve um golpe parlamentar em 2016 e a defesa dos direitos políticos e democráticos de Lula não significa dar apoio político ao projeto de conciliação de classes da direção petista.

Estamos firmes na construção do PSOL e de sua aliança com o MTST, APIB e vários outros movimentos sociais combativos, afirmando esse projeto como uma alternativa de superação pela esquerda do PT. Mas, não vamos vacilar na defesa do Lula Livre e na denúncia da Lava Jato, pois entendemos este processo reacionário como parte integrante do golpe de 2016 e dos ataques às liberdades democráticas.

Nossa prioridade deve estar concentrada na construção e fortalecimento de um calendário unificado de mobilizações, que passa agora pela convocação da greve nacional da educação, marcada para os dias 2 e 3 de outubro; e também das mobilizações nacionais contra as privatizações e em defesa da soberania nacional, apontadas para o dia 3 de outubro.

Será nas ruas que vamos derrotar o governo neofascista de Bolsonaro. Mas, segue sendo fundamental também a realização dos debates de estratégia e programa na esquerda, para evitar desvios políticos e graves erros que em nada irão ajudar em nossa tarefa urgente de derrotar esse governo e seu projeto de extrema direita, que vem representando duros ataques aos direitos sociais e às liberdades democráticas do povo trabalhador brasileiro.