Com quem devemos caminhar na luta contra Bolsonaro?

Gabriel Santos, de Marechal Deodoro (AL)

“Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
– E isso importa?
– Mais que a própria Guerra”

Erneste Hemingway

Nove meses após a posse de Bolsonaro a esquerda brasileira se encontra no divã e busca responder o velho e tradicional questionamento leninista: e agora, o que fazer?

Respostas para essa pergunta são bastantes diversificadas. A dispersão das forças da esquerda revolucionária, por exemplo, faz com que dado a grande quantidade de pequenos grupos e seitas existentes no país, tenhamos as mais diferentes políticas sendo aplicadas nesse momento. Todas as variantes estão, em certa medida, sendo testada.

Apesar disso, podemos apontar que em medidas gerais existem três grandes táticas, que partem de três interpretações distintas da realidade e de nossas tarefas diante do governo Bolsonaro.

Primeiro, existem aqueles que apontam como o centro a luta pela derrubada imediata do governo Bolsonaro. Suas leituras dizem que é preciso radicalizar, ir para a ofensiva. Para a maioria destes a sociedade está em disputa. A onda conservadora não existe. A situação reacionária ainda não se instaurou. A extrema-direita vem ganhando a batalha das ideias porque com a crise econômica aberta mundialmente em 2008, ela passou a propor alternativas, e se radicalizou, enquanto a esquerda se acomodava dentro da regra democrática burguesa. Para os defensores desta leitura, a esquerda também precisa se radicalizar antes que seja tarde, e passar a puxar a corda para outro lado. Sua palavra de ordem é o “Fora Bolsonaro”. Esta leitura da situação desemboca na primeira tática, que é chamada de “ofensiva permanente”.

Uma segunda leitura tem um objetivo final já bem traçado. Ela mira 2022. Mas precisamente as eleições presidenciais que deverão ocorrer. Os que a defendem entendem a eleição de Bolsonaro como um “acidente histórico”. Ou seja, algo fora da linha. Um ponto fora da curva que não deveria ocorrer. Ao mesmo tempo, porém, vêem no capitão da reserva uma ameaça a democracia, e defender a democracia burguesa e todo seu regime assume o aspecto de tarefa central para esse grupo.

Para estes, as forças de esquerda devem se aproximar das rupturas do governo, dá as mãos para forças do centrão, construir frentes com a direita tradicional, e assumir que existem medidas de cortes orçamentários que são necessárias. Os que agem assim buscam criar pontes com o Centrão (deixando para este a tarefa de arauto da democracia), assim como ampliar seu público, e em essência se mostrar uma esquerda governável. Ao contrário da tática da ofensiva permanente que busca polarização e radicalização, esta tática busca o diálogo com o mais amplo leque para desgastar o governo e formar um campo de coalizão que seja governável em 2022. Está tática é chamada de republicanista ou politicista e tem como expressão de sua política as frentes amplas.

Recentemente esta tática teve uma importante vitória. Segunda dia 02 de Setembro foi lançado o movimento “Direitos Já! – Fórum Pela Democracia” em um pomposo evento na TUCA, teatro da PUC, em São Paulo. O nome deste fórum, é uma nítida referência ao Diretas Já, do fim da década de 1980. Hoje, os que compõe o novo movimento buscam formar uma frente para “reorganizar a oposição” e “defender a democracia contra os ataques de Bolsonaro”.

No Direitos Já, que foi idealizado por Fernando Guimarães, sociólogo do PSDB que faz parte de uma “ala esquerda” tucana, já existem 16 partidos. Do PCdoB e PDT, com Flávio Dino e Ciro Gomes, respectivamente, passando pela presença de Kassab do PDT, do PSDB com FHC e Alckmin e Márcio França do PSB, entre muitos outros. Movimentos sociais com a UNE também fazem parte do grupo.

Os dias seguiram, e a ausência do Partido dos Trabalhadores na composição da Frente, que já havia sido comentada pela mídia, passou a ser discutida no seio da esquerda e dos ativistas. Assim como a ausência do PSOL, o partido que mais frontalmente tem se colocado na defesa das liberdades democráticas e no combate a Bolsonaro.

Um texto em especial, publicado no The Intercept Brasil, foi bastante divulgado para criticar a falta do PT, e em menor escala a do PSoL e das lideranças de ambos os partidos.

O texto em questão é de João Filho e foi publicado no The Intercept quase uma semana depois do lançamento do movimento. Já no título o autor aponta “O PT se recusa a dá as mãos para defender o País”. Ao longo do texto ele aponta como motivo para o PT não compor a frente foi que “O partido decidiu não se envolver institucionalmente com o movimento por não poder controlar suas pautas”. O autor segue com um balanço tímido das eleições, afirmando o velho e cansativo argumento de que foi um erro o PT não ter composto chapa com Ciro e o PDT e isso foi determinante para as eleições.

É válido apontar também a defesa da importância do movimento na atual conjuntura feita por João Filho, quando fala: “Engolir alguns nomes de centro-direita me parece um preço razoável a se pagar pela defesa da civilização. (…) A formação de frentes amplas desse tipo tem sido a saída que os democratas de vários países encontraram para combater governos autoritários. Não se trata mais de esquerda x direita, mas de civilização x barbárie”.

Alguns dias antes da publicação do texto João Filho. Em posição contrária, foi escrito um excelente texto por Valério Arcary afirmando os motivos pelo qual o PSOL não teria ido ao ato na TUCA. Porém, com a publicação em linha crítica ao PT e ao PSoL pelo The Intercept a discussão ganhou novos ânimos.

Antes de mais nada é preciso apontar os acordos e partir deles. Todos concordamos com o perigo que Bolsonaro representa para os direitos sociais e trabalhistas, assim como para as liberdades democráticas e para o próprio regime democrático burguês. Da mesma forma, também tenho acordo com João Filho quando ele fala que na defesa dos direitos democráticos é preciso unificar todos as “forças democráticas”.

Qualquer um que queria defender as liberdades democráticas é bem vindo. Seja ele da “ala esquerda” do PSDB, ou da ala direita do PSB. Seja do DEM ou do PCdoB. Seja uma ruptura do governo arrependida, ou um antigo militante da época da guerrilha. Essa unidade pontal em torno de uma pauta é aquilo que chamamos de Unidade de Ação. E esta unidade de ação é ampla, diversa, se faz com tudo e com todos que estejam dispostos a ter acordo naquela pauta contra o governo e gastar suas energias na luta contra ela. No combate ao projeto autoritário de Bolsonaro a unidade de ação é muito importante.

Porém, a unidade de ação é diferente da composição de frentes. E a partir deste tema as diferenças com João Filho só aumentam.

Cada batalha traz consigo novos fatos, e estes podem gerar, e normalmente geram rearranjos. Então a cada batalha, a arte militar consiste em saber escolher eventuais aliados. Mas é preciso saber diferenciar cada batalha da Guerra em seu todo, saber quem são os aliados esporádicos e quem são aqueles que permanecerão no front até o fim conosco..

Como dito acima, a unidade de ação ocorre de forma pontual, em torno de um tema. Não se precisa ter um acordo geral em diversas questões. Já uma frente tem um objetivo diferente. Uma Frente pressupõe um programa comum, um acordo comum de uma série de pautas em torno de algo que não é meramente pontual, mas permanente. Uma frente, em última instância propõe-se a ser uma alternativa política. E esta é a problemática central.

Podemos dizer que a Unidade de Ação é escolher o aliado para determinadas batalhas, e a Frente seria pensar o aliado para toda a Guerra.

Se é verdade que não existe problema em estarmos do mesmo lado de partidos de direita tradicional e de setores da elite na defesa pontual das liberdades democráticas contra o autoritarismo e o neofascismo. Não é verdade que estes setores da direita e da elite são nossos aliados permanentes e podemos construir um projeto de oposição junto deles.

Um projeto de oposição, com “O” maiúsculo, deve ter em seu programa algo a mais que a defesa das liberdades democráticas, apesar de dever começar por essas. Os partidos que compõem o movimento Direitos Já, em sua maioria, são grandes inimigos do povo brasileiro e especialistas na retirada de direitos.

PSDB, Cidadania, DEM, Novo, Podemos, entre outros, são aliados do governo quando o assunto é ajuste fiscal. Todos dão as mãos e seguem firme a cartilha de arrocho salarial e destruição dos direitos trabalhistas e sociais, como pede a burguesia brasileira.

Para além de uma unidade pontual, que tipo de frente e projeto político para o poder, leia-se um bloco anti-Bolsonaro, é possível com estes partidos? Será que esse movimento, o Direitos Já! colocará em sua plataforma a revogação da reforma trabalhista e da previdência? Válido lembrar que ambas foram aplaudidas por FHC, que busca agora ressurgir das sombras de seu apartamento em Paris e se colocar como um pensador político contra as polarizações.

Será que se colocarão pela revogação da reforma da PEC do teto dos gastos do governo Temer? Qual será a política para a educação e a linha para o Future-se?

Defender o Brasil, como tanto quer João Filho, é defender acima de tudo o povo brasileiro. E combater o imenso abismo da desigualdade que nosso país está inserido. Assim, não parece que os partidos de “centro-direita” estão interessados na defesa da “civilização”.

Pensar a unidade de ação, assim como elaborar a construção de frentes, são movimentos táticos, e que devem estar subordinado a nossa estratégia final. Digamos que a nossa estratégia seja a derrotar o governo Bolsonaro, então devemos escolher nossa tática de acordo com isto.

Será que partidos como PSDB, DEM, Novo, Cidadania, Solidariedade, estarão do mesmo lado que o nosso na luta para derrotar o governo Bolsonaro como um todo? Derrotar Bolsonaro é derrotar seu projeto. Não somente seu projeto autoritário, mas também a face neoliberal e destruidora de direitos. Será mesmo que estes partidos têm a mesma estratégia que a nossa, querem o mesmo objetivo e lutam pela mesma coisa? A resposta é obviamente um grande não. Logo qualquer frente e movimento com estes partidos que busque construir um projeto político a longo prazo estará destinado ao fracasso.

Diante disso retomamos a discussão que trazíamos nos parágrafos iniciais deste texto, qual seria a melhor tática para derrotar Bolsonaro? Apontamos também que existiam três principais que disputavam dentro da esquerda qual delas teria maior audiência e sairia vitoriosa.

Saber qual das três vai acabar conquistando a maioria dentro dos partidos políticos e do movimento de massas é uma incógnita que não se dá para prever, porém, a tática que nos parece a mais adequada para o momento é justamente a que ainda não apresentamos neste texto, a tática da frente única.

Nós partimos da visão que desde o processo do Golpe contra Dilma a situação tem ficado extremamente complicada para os trabalhadores e oprimidos no nosso país. São sucessivas derrotas que desmobilizam e desmoralizam nossa classe. Após a eleição de Bolsonaro a situação da luta de classes, em nossa opinião, se tornou uma situação reacionária, isso quer dizer que o nosso time está perdendo e o adversário (a burguesia) está mais próxima de marcar um novo gol.

Dessa forma acreditamos que devemos se posicionar na defensiva. Não é hora de abrirmos o jogo em desespero. É preciso calma e concentração para dar o bote, desarmar o adversário e se aproximar do gol de empate.

Nós afirmamos também que não existe condições de derrubar o governo de forma imediata agora. É preciso então desgastá-lo. Fazer confrontos parciais. Em nossa opinião é preciso ganhar mais e mais pessoas antes de partimos para o ataque. Nossas ideias ainda são minoritárias na sociedade. É preciso reorganizar nosso exército no meio da Guerra, e refazer os planos de combate.

Coloca que através do desgaste e de confrontos parciais, por meio do acúmulo de forças permanente na sociedade, podemos preparar a condição para o confronto direto que mais cedo ou mais tarde irá ocorrer. A esquerda deve pensar na construção de um governo de esquerda. Esta unidade da esquerda em toda sua diversidade, com seus partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, nós chamamos de Frente Única.

No momento da Guerra as forças da esquerda podem contar apenas com as demais forças da esquerda. Pois, temos, ou deveríamos ter, o mesmo objetivo final.

Por meio da Frente Única buscaremos, apesar das diferenças entre os diversos partidos, movimentos e organizações no campo da esquerda, a  mobilização dos trabalhadores e dos setores do povo brasileiro e a construção de um campo político conjunto.

A tática da Frente Única não nega a necessidade da Unidade de Ação. Coloca, como já falamos, a importância da unidade ampla e diversa, por pautas específicas e pontuais. Mas a tática da Frente Única é oposto da tática republicanista e sua política de Frente Ampla. A Frente Única busca abrir caminho para derrotar Bolsonaro e tudo que ele representa, e assim construir um governo popular de esquerda. A Frente Ampla é a aliança com setores das elites, com partidos da direita corrupta, é rebaixar nossas ideias em nome da governabilidade.

As duas táticas não combinam, são diferentes, e somente uma pode estar correta e no fim, somente uma será implantada pela maioria dos partidos de esquerda no Brasil. A batalha de todos ativistas hoje, é também, ganhar mais e mais pessoas para a ideia da Frente Única, para a necessidade de acumular forças dentro do nosso campo e preparar a construção de um governo verdadeiramente popular e democrático no país.