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MUNDO

A deportação como arma na luta de classes

A empresa que solicitou a deportação de seus próprios trabalhadores

Marcela Anita, Pittsburgh (EUA)
Reprodução Rede Globo

O ataque aos imigrantes nos Estados Unidos tem crescido e espalhado medo em toda a população. Eles já eram prática durante o governo Obama, que deportou em média 400 mil imigrantes anualmente, entre 2009 e 2012, e prosseguem agora com Trump no governo.

Esses ataques são parte da luta de classes que se acirra nos Estados Unidos. Por um lado são utilizados para impedir que os trabalhadores se organizem e por outro lado, servem para alimentar a ideologia nacionalista entre a classe trabalhadora, culpando os imigrantes pela queda em salários, menor número de empregos ou a existência empregos cada vez mais precários, que têm afetado negativamente a qualidade de vida nas últimas décadas.

Um claro exemplo de como a classe dominante utiliza-se das leis de imigração como arma na luta de classes aconteceu na cidade de Morton, no estado do Mississipi nos Estados Unidos. No dia 7 de agosto, os donos da processadora de frango, Koch Foods, chamaram a imigração contra seus próprios trabalhadores. O ICE (US Immigration Customs Enforcement – departamento de controle de imigração nos EUA) prendeu 680 trabalhadores de uma só vez, nas 4 plantas da empresa Koch Foods. Essa foi a maior operação da última década contra imigrantes. Apenas na planta de Morton foram 243 trabalhadores, levados em custódia em vários ônibus para as casas de detenção.

Os donos da Koch afirmaram que estavam colaborando com os órgãos de cumprimento da lei dos EUA quando chamaram o ICE contra seus próprios empregados. Na verdade, a ação contra os trabalhadores imigrantes teve o objetivo de desencorajar a organização dos mesmos, constituindo-se em uma vingança contra eles por ousarem enfrentar seus  empregadores no ano passado.

Em Agosto de 2018, exatamente um ano atrás, a Koch teve que pagar uma soma de 3,75 milhões de dólares (em torno de 14 milhões de reais) à vários trabalhadores por um processo que estes moveram contra a empresa na justiça, que lhes concedeu ganho de causa. Os trabalhadores latinos que foram alvo da operação do ICE, na cidade de Morton, no estado do Mississipi, ganharam uma ação por discriminação racial, discriminação de nacionalidade e assédio sexual. Na ação, a Comissão de Oportunidade Igual ao Emprego (EEOC – Equal Employment Opportunity Comission) descreveu que supervisores tinham o costume de apalpar as trabalhadoras por trás, enquanto estas trabalhavam, e faziam comentários sexualmente sugestivos. A denúncia descreve também casos de agressão física contra os trabalhadores: os supervisores batiam nos empregados e jogavam frango neles, outras vezes ainda cobravam dinheiro para “deixá-los” tirar licença médica ou mesmo para conceder permissão para irem ao banheiro.

Durante o processo, muitos trabalhadores foram ameaçados. As ameaças diziam que se eles testemunhassem contra a empresa, seriam denunciados para a imigração. Mesmo assim os trabalhadores se organizaram e ganharam a ação. Além da multa, a Koch Foods teve que providenciar treinamento aos seus funcionários e disponibilizar um número de apoio disponível 24 horas por dia em Inglês e Espanhol, para atender denúncias de casos de discriminação e assédio. Essas medidas ainda devem continuar por mais dois anos. Mas desde então, muitos trabalhadores afirmaram que sofriam retaliação constantemente. Mas a grande vingança estaria programada para agosto de 2019 com a ação massiva contra os trabalhadores.

O ataque aconteceu durante o primeiro dia da volta às aulas. Muitos desses trabalhadores tinham filhos e foram presos em horário escolar. Nesse dia, várias crianças saíram de seu primeiro dia de aula, e ficaram nas ruas com fome, sem saber onde estavam seus pais.

O dono da Koch Foods é Joseph Grendys, um bilionário que não sofreu nenhuma acusação, apesar da prática de contratação de trabalhadores sem autorização de trabalho ser ilegal. A empresa ainda solicitou à imigração que devolvessem as ferramentas de trabalho, propriedades da empresa que foram levadas com os trabalhadores. Portanto, apesar da contratação de pessoas sem documentos nos Estados Unidos ser ilegal, apenas os trabalhadores são punidos. Os empresários donos da Koch, mesmo sabendo que estão praticando ações ilegais, têm toda a liberdade de denunciar e acusar os trabalhadores pelo crime que eles mesmos cometem.

Empregadores sempre dizem que não sabem que o trabalhador não tem documentos para trabalhar nos Estados Unidos. Mas claro que isso é uma falácia descarada, uma vez que as empresas beneficiam-se das leis de imigração, que criminalizam trabalhadores por venderem sua força de trabalho em países onde não têm cidadania, ao pagar menores salários, não fornecerem equipamentos de segurança, não concederem nenhum benefício e ainda não coibir abusos e assédios. O maior benefício que os empregadores têm em contratar imigrantes sem documentos é exatamente a segurança de que há uma probabilidade muito menor desses trabalhadores organizarem-se em sindicatos para revidar e exigir seus direitos pelo medo da deportação.

Essa não foi a primeira vez que a imigração foi usada como retaliação à organização dos trabalhadores. Outros exemplos aconteceram nos estados de Ohio e Tennessee, onde o ICE entrou em busca de trabalhadores imigrantes sem documentação, uma semana após os mesmos trabalhadores buscarem o órgão de proteção para entrarem com pedido de maior segurança no trabalho. O sindicato UFCW (United Food and Commercial Workers) teme que os trabalhadores não busquem representação por medo de serem deportados.

Entre o curto período de April a Maio de 2019, apenas 11 pessoas (não empresas, apenas indivíduos) nos EUA foram acusados de contratar trabalhadores imigrantes sem documentação. Nesse mesmo período, mais de 120 mil trabalhadores foram responsabilizados pelo crime de entrar ilegalmente nos Estados Unidos

Os recentes ataques do órgão de imigração, o ICE, tem fins políticos e propaga a discriminação. O ódio aos imigrantes, que para muitos estadunidenses, são os responsáveis por tomar os empregos que de direito seriam deles, cresce e os ataques do ICE além de enfraquecer a organização geral dos trabalhadores é usado para justificar a violência contra imigrantes. A operação Koch aconteceu quatro dias depois do ataque de um supremacista branco armado no Walmart, na cidade de El Paso, no Texas, motivado pelo ódio aos imigrantes latinos. O atirador matou 22 pessoas e feriu outras 24 no dia 3 de agosto.

Combater a violência e a discriminação contra imigrantes também é lutar pelo direito ao trabalho. Enquanto o capital transita livremente explorando a força de trabalho em qualquer país do mundo, erguem-se fronteiras imaginárias entre a classe trabalhadora. Um trabalhador é criminalizado por vender sua força de trabalho quando cruza essa linha imaginária. Mas a imigração de trabalhadores para os EUA em busca de trabalho e uma vida melhor também faz parte da resiliência e resistência da classe trabalhadora. “Eles fizeram o que seres humanos em busca de liberdade sempre fizeram ao longo da história, – eles partiram” (Isabel Wilkerson). Nenhum ser humano é ilegal!

 

https://thinkprogress.org/ice-raids-follow-massive-sexual-harassment-settlement-mississippi-plant-koch-foods-d95eb2720f67/

https://www.reuters.com/article/us-usa-immigration-koch-foods/allegations-of-labor-abuses-dogged-mississippi-plant-years-before-immigration-raids-idUSKCN1UZ1OV

https://www.pbs.org/newshour/show/mississippi-employers-in-ice-raids-unlikely-to-be-prosecuted

https://www.nytimes.com/2019/08/07/us/ice-raids-mississippi.html

https://www.npr.org/2019/08/07/749243985/mississippi-immigration-raids-net-hundreds-of-workers