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MUNDO

Colômbia: marcha de 26 de julho denuncia as mortes do governo Duque

Joan Matamba, de Perspectiva Marxista Internacional (Colômbia) | Tradução Candelária Vargas

Sexta-feira, 26 de julho, 17h. Uma das calçadas da Avenida El Dorado – estrada da cidade de Bogotá – está completamente fechada. A artista Doris Salçedo entrega 1400 retratos de 140 líderes sociais assassinados, para aqueles que farão parte da mobilização Marchamos pelos líderes. Segundo dados da Defensoria do Povo, entidade estadual com cobertura nacional, até aquela data, 486 líderes sociais haviam sido assassinados no país. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (INDEPAZ), os mortos chegaram a 765, dos quais 138 eram ex-guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) desmobilizados após a assinatura em 2016, em Havana, dos acordos de paz.

Essa onda de assassinatos cometidos desde aquela data é a razão pela qual o grupo Defendendo a Paz convocou a marcha em 26 de julho. Esse grupo é constituído pelos negociadores do acordo entre o governo do então presidente Juan Manuel Santos e as FARC, intelectuais, artistas, a Igreja Católica e os setores políticos da oposição. A marcha foi convocada após o assassinato de uma líder social, requerente de terras e vítima de deslocamento forçado, que foi baleada na frente de seu filho de 12 anos. O choro da criança em frente ao corpo de sua mãe, em uma favela de um município com histórico de presença paramilitar, foi gravado em vídeo e chocou o país.

A mobilização ocorreu em 50 cidades colombianas e 30 a nível internacional. Em Bogotá, com constantes idas e vindas dos manifestantes e conseguindo encher a Praça de Bolívar, pode-se fazer um cálculo aproximado de 70.000 participantes. Os partidos burgueses relacionados ao governo anterior e a oposição parlamentar – que inclui o setor liderado por Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro do M19, que nas últimas eleições presidenciais conquistou 41% dos votos, com amplo apoio popular, juvenil e dos trabalhadores – lideraram a manifestação, que se tornou um evento de mobilização antigovernamental, apesar dos pedidos de alguns dos convocadores para que o Presidente Duque participasse.

Ao grito de “Sim, senhor, é claro, o governo os matou”, “Deixem que venham vê-lo, venham vê-lo, este não é um governo, são os paracos [paramilitares] no poder”, defensores dos Direitos Humanos associações de vítimas, sindicatos, partidos políticos, grupos de mulheres, estudantes, associações de bairro, famílias e grupos de amigos de diferentes classes sociais responsabilizaram diretamente o governo pelos assassinatos.

O atual governo, presidido por Iván Duque, juntou-se à marcha tentando repetir sua manobra para liderar as reivindicações políticas e sociais impulsionadas por outros setores burgueses, como o chamado “pacto anticorrupção”, com o qual ele conseguiu constituir uma frente burguesa dos quais até o partido político das FARC fazia parte. Nesse caso, sua tentativa foi um fracasso retumbante, a ponto de Duke ter sido expulso da mobilização em Cartagena em meio a gritos de “fantoche” e “assassino“; fato que destacou as dificuldades pelas quais está passando: Duque tem apenas 29% de aprovação e uma rejeição popular que se tornou constante.

Duque nomeou uma cúpula militar politicamente próxima, que foi denunciada por suas ligações com execuções extrajudiciais – popularmente conhecidas como “falsos positivos” – cometidas durante os governos de seu mentor Álvaro Uribe e pela possível reedição dessas práticas hoje. O partido no poder tem em suas fileiras, políticos ligados a paramilitares, fazendeiros, proprietários de terras e burguesias regionais associadas ao tráfico de drogas. Todos esses setores estão envolvidos direta ou indiretamente nos assassinatos de líderes e combatentes populares, razão pela qual um setor importante da sociedade estabelece um vínculo entre essas mortes e o governo, e coloca Duque como responsável político delas.

Virgelina Chará, uma líder social e defensora dos Direitos Humanos afro-colombianos, denunciou o dia da marcha: «Na Colômbia, o conflito armado está ligado ao território, e hoje o território é chamado de restituição dos bens que nos foram retirados, que o conflito nos despojou. Quem está envolvido nos despojos? Os grandes proprietários estão envolvidos, e esses grandes proprietários estão no governo.”

Duke não conseguiu realizar seu grande “acordo nacional”, pois existem setores burgueses que relutam em concordar com o uribismo, que o criticam e alegam a falta de um projeto político claro. A marcha de 26 de julho permitiu a convergência desses setores em torno de um dos problemas políticos que mais incomoda o governo.

Como fato da luta de classes, a mobilização pode ser vista como um aviso de que o governo não tem liberdade para fazer o que quer, e que o movimento trabalhista e popular no país tem mecanismos de reistência, e que o fenômeno político que foi expresso eleitoralmente com a candidatura de Petro à presidência ainda está vivo. O uribismo parece em crise e enfraquecido, a imagem da rejeição de Duque em Cartagena é o cartão postal político que ficou para o governo nesse 26 de julho.

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Colômbia