Nossa região voltou ao noticiário nacional e internacional, após um misto de fuligem e nuvens ter feito a principal cidade do país, São Paulo, escurecer às 15h da tarde em um dia normal. Rapidamente a notícia se espalhou pelas redes sociais e o mundo resolveu olhar para os problemas das queimadas, as quais estão reduzindo a cinzas nossas florestas.
Longe de ser novidade, a barbárie impulsionada por Bolsonaro, e executada por madeireiros e fazendeiros é mais um capítulo da destruição e saque das nossas riquezas perpetrados por mais de 400 anos em nossa região. Vivemos séculos de colonialismo e exploração das drogas do sertão, dois ciclos econômicos de extração da borracha, e desde o Golpe de 64, o projeto econômico para a nossa terra está baseados naquilo que convencionamos chamar de “Grandes Projetos”.
O Plano dos militares estava fundamentado em uma visão de que a Amazônia seria um grande “vazio demográfico”, e com o medo dela ser “ocupada” por agentes estrangeiros, o lema da Ditadura era “Integrar para não entregar”. Estimulou-se então a migração para a região (Terra sem homens para homens sem terras), rasgou-se a floresta com criação de estradas, como a Transamazônica (até hoje inconclusa) e a Belém-Brasília (iniciada por JK e concluída pelos militares), e criou-se uma série de projeto de hidroelétricas (como Tucuruí e a recente Belo Monte) e de exploração minerária.
Mas uma coisa que muito nos incomoda, quando os não-amazônidas falam da nossa região, é que inclusive dentro dos grupos de esquerda ainda impera a visão do “vazio demográfico”. Fala-se das queimadas e indigna-se com a floresta ardendo e os animais morrendo (o que obviamente é digno de justíssima revolta), mas se esquece que esse território todo é historicamente ocupado por pessoas, e que são elas as principais afetadas pelo avanço do agronegócio. São estas pessoas que não só são atingidas pelas queimadas, mas que entregam o seu sangue todos os dias há décadas pelo direito de viver no seu território.
Desde 1612, quando a colonização pelo português aqui começou que centenas de povoados indígenas batalharam e guerrearam pelo seu território; na luta contra a escravidão, foram séculos de formação de quilombos de resistência; são décadas em que o Estado do Pará é, por exemplo, um dos líderes em chacinas e assassinatos de camponeses e de trabalhadores rurais; no seio da floresta há também milhares de ribeirinhos que vivem da pesca e do açaí, e seringueiros que vivem da extração da borracha. Enquanto São Paulo escureceu por um dia, há um surto de doenças respiratórias em crianças e idosos em Estados como Acre e Rondônia.
Portanto, vamos divulgar as notícias, lutar contra a necro-política de Bolsonaro, denunciar o agronegócio e se manifestar pela defesa das nossas florestas. Mas lembremos que quando falarmos de Amazônia, não estamos falando apenas de mata queimando, e animais sendo carbonizados. Falamos principalmente sobre as vidas humanas que aqui residem e que são violadas todos os dias há séculos. É pelo nosso direito à terra, ao rio, à natureza e à vida digna. É pela demarcação das terras indígenas e quilombolas, é pela reforma agrária e contra a expulsão de camponeses de suas terras, é pelo direito dos povos tradicionais ao seu território e pela manutenção da floresta em pé. Essa é a nossa defesa!
Comentários