A semana iniciada dia 11 de agosto de 2019 foi emblemática para a luta das mulheres no Brasil. Diante de uma situação política de avanço do conservadorismo, foram mais uma vez, as mulheres, que demonstraram força e determinação para organizar as trincheiras da mobilização social no país.
Território: nosso corpo, nosso espírito
Foi a partir da conexão entre terra, corpo e pertencimento que as mulheres indígenas organizaram a primeira Marcha Nacional. Tiveram reunidas do dia 11 ao dia 14 em Brasília lideranças de mais de 115 etnias diferentes dos 26 estados da federação. A Marcha autofinanciada pelos movimentos sociais, em especial a partir da organização da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), teve como objetivo dar visibilidade as ações das mulheres indígenas, debatendo a partir da sua realidade e projetando o protagonismo dos lugares que ocupam em suas comunidades.
Da ocupação do Ministério da Saúde à organização de Seminários na Câmara dos Deputados essas mulheres estiveram pautando as discussões de direitos sociais e representação política, demonstram que são protagonistas na defesa do território a na luta pelo bem viver.
Uma política genocida
Em um dos seus primeiros atos de governo Jair Bolsonaro transferiu a responsabilidade pela demarcação e regulação dos territórios indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura e nomeou como ministra Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, ex-líder da bancada ruralista, e acusada de mandar matar lideranças indígenas. A política de “integração nacional” defendida pelo governo pretende extinguir os povos indígenas em base ao discurso de unidade nacional. É a tentativa de assimilação pela força com o roubo de suas terras, portanto, a demarcação das terras dos povos indígenas e quilombolas é um dos principais alvos do agronegócio em parceria com o governo federal.
Quem tem território tem cura
O que estamos assistindo no Brasil é uma verdadeira caçada aos territórios. No campo, nas florestas os povos originários sobreviventes de mais de 500 anos de assassinatos resistem.
Nesse contexto a 1ª Marcha das mulheres indígenas ganha um contorno de esperança frente ao atual momento. Esperança porque estamos diante das que sobreviveram a um massacre durante séculos na luta pelo direito a terra. Esperança porque nessa encruzilhada a defesa da vida impulsiona milhares de mulheres em suas comunidades a levantar-se na luta coletiva de resistência. Esperança porque as mulheres indígenas entendem a sua luta como necessariamente anticapitalista e assim realizam a unidade mais potente junto com todas as mulheres que apartadas de seus territórios lutam pela vida. Esperança porque há conhecimento e ciência natural para contrapor o agronegócio que envenena nossa sobrevivência através da alimentação diariamente.
Uma margarida nasce até da lama
Foi a 6ª edição desta que é a maior marcha organizada de mulheres no Brasil: Marcha das Margaridas. Mulheres do campo, trabalhadoras rurais de todos os cantos do Brasil chegaram em caravanas desde o dia 11 a noite na cidade de Brasília para apresentar suas demandas nas ruas.
Ainda que a imprensa tenha realizado um grande boicote, estiveram reunidas 100 mil mulheres no dia 14 de agosto marchando pela esplanada aos gritos de “nenhum direito a menos” e pela derrubada do governo Bolsonaro. Esta marcha, juntamente com os movimentos de mulheres do #elenão, é sem dúvida a maior representação da luta das mulheres no país de maneira organizada.
Mais uma vez o território como vida e morte
É no campo que concentra uma verdadeira guerra civil pelo direito a propriedade. O Brasil é o país que mais mata defensores dos direitos humanos, e são os grandes latifundiários os responsáveis pela “matança” indiscriminada de agricultoras, sem-terra e líderes sindicais relacionadas a defesa da terra em nosso país.
Mas ao defender a terra e vida as milhares de margaridas em marcha também pautaram aquele que foi uma das principais medidas de retirada de direitos em nosso país nos últimos meses: a Reforma da Previdência. Trabalhadoras rurais que sentirão na pele os anos a mais de trabalho sob forte sol e difíceis condições. Para o presidente Bolsonaro e a maioria do Congresso Nacional são essas que “trabalharão até a morte”.
São mulheres que lutam por liberdade
Em todos os movimentos a demanda pelo direito de organizar-se foi recorrente. Há uma leitura comum realizada pelas mulheres que estiveram em Brasília de que estamos diante de um período de exceção em relação as liberdades democráticas. Lula como preso político é a maior expressão desse processo. Além disso, são lideranças indígenas assassinadas, Preta Ferreira e outras organizadoras do movimento de luta por moradia encarceradas na cidade de SP e a necessidade de saber quem mandou matar Marielle quatorze meses depois que apontam o aprofundamento da repressão a todos que lutam.
Outro fato símbolo desse momento foi a descoberta de que o sistema de inteligência brasileiro monitorou as organizadoras da 1ª Marcha Indígena durante o período que antecedeu o evento em Brasília. Mais uma expressão do cerceamento democrático que vivemos em 2019 no nosso país sobre os movimentos sociais de resistência.
Uma Frente Parlamentar Popular Feminista Antirracista
A culminância da semana de resistência feminista em Brasília foi o lançamento da frente Parlamentar com participação popular Feminista Antirracista no Congresso Nacional. Trata-se de uma frente pluripartidária, que surge como forma de aglutinar as pautas feministas na luta contra a avalanche conservadora que toma o Congresso. Contraditoriamente, esta frente organiza-se num momento onde a bancada evangélica, bancada da bala e do agronegócio tem maior expressão no parlamento. Porém, nunca antes foram eleitas representante tão diversas da luta das mulheres para o Congresso. Portanto, e sob contradição, que surge um espaço de resistência no congresso. Uma frente que pode servir de apoio a mobilização de rua, daquelas que são linha de frente no enfrentamento a Bolsonaro. Talíria Petrone, deputada federal pelo PSOL/RJ, mulher, negra, favelada será a coordenadora dessa frente.
As deputadas presentes apontaram “não tem o E, é feminista antirracista”, e isso tem simbolismo e força porque indica que estamos diante da necessidade urgente de uma unidade de todas as mulheres em torno de uma luta feminista que não dissocie a luta antirracista.
O feminismo é URGENTE! Organizar o Encontro Nacional dos Movimentos Feministas
Todas estas atividades realizadas em Brasília nesta semana reforçam a necessidade de articular toda esta forca política canalizada pelas organizações das mulheres a nível nacional. O papel de linha de frente dos movimentos feministas no combate a retirada de direitos e as ideias de ódio referenciadas na ultradireita que governa o país hoje é incontestável. Os movimentos de mulheres estão em todos os lugares, no campo, nas florestas e nas cidades, mulheres organizam greves, entidades estudantis e centrais na organização do movimento negro hoje.
Não podemos mais perder tempo. Precisamos organizar essa potência, reunir todas as mulheres em torno de um programa comum que aponte a perspectiva anticapitalista e antirracista. A última vez que isso ocorreu no Brasil foi em 1979, naquele período estávamos no embate pela redemocratização, e as mulheres ocuparam papel importante até a Constituição de 1988 onde tiveram expressas muitas de suas demandas.
Precisamos voltar a ser sujeitos nacionalizadas em torno da bandeira de defesa dos direitos e da liberdade. Esta semana foi lançado um chamado a construção deste encontro em 2020 em Pernambuco, assinado por mais de 40 movimentos de mulheres no país. Nós do PSOL estamos no processo de construção do Encontro Nacional de Mulheres do partido e devemos nos somar a esta iniciativa aprovando uma resolução que indique nossa participação ativa a nível nacional na elaboração desde a base deste fórum que deve reunir das mulheres do campo e das florestas às mulheres negras periféricas.
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