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MUNDO

O Irã e as sanções de Donald Trump

Gabriel Santos, de Maceió (AL)

As tensões entre Irã e Estados Unidos não diminuíram com o passar do tempo. O governo norte-americano busca abertamente sufocar a economia do país persa, e este fato já é visto com naturalidade pelos comentaristas burgueses.

Os conflitos entre os dois países tiveram diversos incidentes no último mês, onde ora o Irã buscava mostrar sua força, ou os Estados Unidos com seus aliados buscavam se impor. O caso do navio iraniano, que ficou parado quase 50 dias no Brasil esperando ser reabastecido pela Petrobrás, é um exemplo disso. 

Este episódio mostra também o alinhamento entre o governo Bolsonaro e Donald Trump. A parceria entre os dois governantes de extrema direita coloca em risco a balança comercial entre Irã e Brasil. O país persa é o maior comprador de milho brasileiro e está entre os principais compradores de carne bovina e de soja.

Ao longo do mês de julho, o governo iraniano tomou diversas medidas contra petroleiros estrangeiros que estavam na costa do país, como uma forma de retaliação às sanções impostas pelos Estados Unidos. Dia 16 um navio-tanque panamenho desapareceu no Estreito de Hormuz. Dias depois, na sexta-feira 19, foi a vez de um petroleiro britânico ser interceptado em Bandar Abbas. A Guarda Revolucionária Iraniana disse que o navio foi capturado por não cumprir as leis marítimas internacionais. Dia 31, perto da ilha de Farsi, um petroleiro iraquiano, que contrabandeava 70 mil litros de petróleo para os países árabes, foi interceptado, apreendido e descarregado.

Apesar destas três recentes apreensões, elas não chegaram a elevar o preço do petróleo no mercado mundial, apenas os do seguro para fretamento de petroleiros.

Em maio de 2018 os Estados Unidos, sob o governo Trump, se retiram do tratado nuclear iraniano, que havia sido assinado três anos antes. O tratado foi assinado entre EUA, Alemanha, Reino Unido, França, Rússia e China (grupo conhecido como P5+1) e o Irã. O acordo coloca que o país persa iria diminuir o enriquecimento de urânio e seu programa nuclear, por outro lado as sanções econômicas impostas iriam sendo retiradas.

De forma unilateral Trump rompe o acordo e passa a aplicar diversas medidas muito mais duras que as que proliferavam antes do acordo ser assinado. Muitos falam que as sanções contra o país persa estão entre as mais duras da história. Agora, qualquer empresa, seja americana ou de outro país que fizer negócios com o Irã, em especial compra de produtos petroquímicos, passam a ser atingida e sofre represálias, podendo perder o acesso ao mercado norte-americano.

O que na prática fazem Trump e seus assessores de extrema-direita, como John Bolton e Mike Pompeo, é estrangular a economia de um país soberano e membro da ONU. Isso tudo de forma aberta e declarada sem sequer chocar os governos dos demais países ou a chamada “comunidade internacional”.

Diversas empresas europeias deixaram o país, Renault, Peugeot, Volkswagen, Daimler, Airbus, entre outras, causando um aumento no número de desempregados e um duro golpe na vida econômica iraniana e agravando a situação da população do país.

Não houve vontade política, nem coragem dos líderes europeus para enfrentar as medidas de Trump. Chegou a ser criado um mecanismo de defesa das empresas europeias (Instex – Instrumento de Apoio às Trocas Comerciais, criado por Reino Unido, Alemanha e França), porém, ele não tem atuação prática.

O Irã por sua vez, afirmou que começaria a se livrar das amarras que o acordo o fazia cumprir, pois, não fazia sentido o país limitar seu programa nuclear e ao mesmo tempo sofrer as injustas sanções norte-americanas. Foi reiniciada a construção de um reator de água em Arak, e o enriquecimento de urânio que estava sendo feito abaixo dos 3,67% permitido, passou a exceder os limites acordados com o P5+1.

É válido apontar que após o acordo firmado em julho de 2015, as empresas europeias tiveram um aumento de 79% no comércio com o Irã, isso até o anúncio das sanções de Trump. Muitas destas empresas passaram a ser substituídas por concorrentes russos e chineses, sendo duplamente afetadas com a proibição do comércio com o Irã.

A União Europeia buscou de forma débil evitar que o país islâmico se retirasse do acordo, e ao mesmo tempo tentou proteger suas empresas, e desenvolveu o Special Purpose Vehicle (SPV), que constitui uma bolsa de valores que protege as empresas europeias de sanções secundárias e da lei de extraterritorialidade. E esta lei pode fazer isso, pois atua em um sistema de escambo que opera fora do sistema financeiro global, dominado pelo padrão ouro-dólar e pelos Estados Unidos.

O já citado Instex, formalizado em 31 de janeiro de 2019, foi o projeto mais trabalhoso e detalhado, com negociações durando meses. Alemanha, França e Inglaterra ainda trabalham para conseguir o apoio integral da União Europeia ao mesmo. Que teria um capital inicial de míseros 3.000 euros, com um objetivo de rapidamente chegar aos 100 mil euros e depois alcançar a marca de um milhão. Apesar de toda espera e apreensão causada na Europa por meio do Instex, ele é muito limitado. Primeiro porque é válido apenas para pequenas e médias empresas. Segundo porque estas podem atuar somente por meio do comércio legal, ou seja, aqueles produtos que não estão sujeitos às sanções, como produtos considerados essenciais, que são os agrícolas, medicamentos e os de caráter humanitário. A exploração de hidrocarbonetos para a Europa não será possível, diferente do que se buscava inicialmente.

O sonho americano é bloquear por completo qualquer venda de petróleo iraniano. Porém, este objetivo de exportação zero, é irreal quando colocado em prática. Uma proibição absoluta da venda de petróleo iraniano iria causar um verdadeiro caos no mercado mundial, além de uma escassez que atingiria em especial diversos aliados do Governo Trump. Por exemplo, foi concedido um período de seis meses para sete países, China, Turquia, Itália, Japão, Coreia do Sul, índia e Grécia, para manterem negócios com o Irã. 

O país persa se aproveita da falta de acesso marítimo de seus vizinhos, o Afeganistão, que depende do porto iraniano de Chabahar para exportar seu petróleo, para a realização de acordos. Um acordo entre esses três países, coloca a aceleração do trânsito de mercadorias entre eles, e permite que a Índia tenha acesso aberto ao Oceano índico, através do Golfo de Omã, tendo assim caminho livre para chegar a Ásia Central.

Aos poucos o Irã desenvolveu a arte de contornar as sanções de Trump. Hoje o país persa vende 1,5 milhões de barris por dia, e depende muito das compras chinesas e indianas. A China se opõe publicamente a qualquer sanção ao país persa, tendo declarado inúmeras vezes desacordo com as medidas norte-americanas. O gigante asiático é a maior compradora do petróleo iraniano, e mantém importantes relações comerciais e estratégicas com o Irã. São 360 mil barris de petróleos diários que Pequim compra de Teerã. Apesar disso, não é o Irã o principal fornecedor chinês, o que coloca a China em uma situação confortável para negociar com o país e obter algumas concessões, como, por exemplo, o acesso a zonas de pescas que antes eram utilizadas pela UE.

A Índia compra diariamente cerca de 304 mil barris de petróleo iranianos, e os dois países buscam se aproximar comercialmente cada vez mais. O Irã passa a duplicar seus investimentos no setor petroquímico iraniano, assim como na expansão de uma refinaria que será administrada pela Chennai Petroleum Corporation Limited, que faz parte da Estatal indiana Indian Oil. Um importante acordo firmado em novembro de 2018, coloca que as importações indianas de petróleo serão pagas em rupias, e 50% dos fundos liberados serão reservados para exportações destinadas ao Irã.

Um importante parceiro iraniano é a Rússia. Os países chegaram a um acordo para contornar as sanções desde setembro de 2018. Ele permite que o Irã exporte petróleo bruto através do Mar Cáspio. Este petróleo é refinado na Rússia e de lá segue para exportação. Em troca, Moscou fornece benefícios e serviços comerciais. O petróleo adquirido do Irã é utilizado de forma doméstica, e os produzidos em seu país, Moscou vende em especial para a Europa. Dessa forma a Rússia consegue garantir sem dificuldades a exportações de hidrocarbonetos e pode começar a desenvolver outros tipos de exportações, melhorando assim sua balança comercial.

Outro grande aliado iraniano é o Iraque. Os dois países hoje movimentam de forma bilateral 12 bilhões de dólares em exportações. Porém existe a possibilidade de aumento deste valor, podendo chegar até os 20 bilhões. As exportações do Irã para o Iraque aumentaram 45% desde o início das sanções de Trump até o fim de 2018. Este crescimento aponta que Bagdá, em pouco tempo, vai superar a China e se tornará a maior compradora de petróleo do país.

As habilidades iranianas em conseguir manter seu comércio, mesmo que de forma muito reduzida, mas superior ao que determina as sanções vontade norte-americanas, faz com que os riscos e tensionamento aumentem. Nos últimos meses a possibilidade de um confronto militar entre Irã e Estados Unidos esteve colocada abertamente. Um conflito deste tipo seria o sonho de John Bolton, conselheiro de segurança nacional norte-americano, que já afirmou diversas vezes sua vontade de derrubar o regime dos aiatolás. Mas, nas questões de geopolítica, nem tudo é uma questão de vontade.

Em 26 de junho, Donald Trump, em entrevista para a CNN, afirmou que “uma guerra contra o Irã seria de curta duração”. Isso significa que uma das opções trabalhadas por Washington é o bombardeio intensivo aos centros militares e locais estratégicos iranianos. A aplicação da doutrina israelense do “Dahiyeh” é uma possibilidade. Esta forma de confronto consiste em bombardear e usar força desproporcional, atingindo alvos civis como transporte, água, eletricidade, para forçar o inimigo a rendição.

O Irã não possui recursos militares comparados aos norte-americanos, e nem aos seus adversários regionais, como Arábia Saudita e Israel. Comparados a estes, o arsenal iraniano é menos sofisticado, apesar de possuir uma importante habilidade defensiva na interceptação de mísseis e caças.

Porém, a expansão regional que desde o início desta década o Irã efetua, faz com que o país tenha importantes aliados, o que pode transformar qualquer conflito em uma situação trágica para toda a região. Líbano, Iraque, Síria, grupos que atuam no Afeganistão, e Iêmen, a Palestina, fazem parte da forte e ampla rede de alianças iranianas. E todos sabem que a derrubada do regime no Irã fortalecerá os adversários comuns entre eles. Assim, estes aliados podem ser uma pedra no sapato do interesse norte-americano. Um dos mais importantes aliados dos Estados Unidos, os Emirados Árabes (AEU), é uma das vozes que se coloca contra um conflito armado, pois sabe do colapso econômico e político que ele trará.

Dessa forma, a tarefa de todos os internacionalistas é denunciar e se opor às sanções norte-americanas ao Irã. Estas sanções atingem principalmente o povo desse país. Devemos nos colocar contra as medidas de Trump, e trabalhar para a retomada das negociações. Porém, sempre apontado que o Irã tem o direito a defesa e a continuidade de seu projeto nuclear.

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