Um falso discurso anti-corrupção esteve presente em todo o processo que tentou legitimar o golpe parlamentar do impeachment de 2016. Este discurso, sempre apoiado pela grande mídia – especialmente a TV Globo, embalou os protestos reacionários, que se intensificaram a partir de 2015.
Essas manifestações – e sua pauta conservadora – tiveram como público principal setores de classe média mais abastados, mas também conseguiram penetração nas classes populares, e foram dirigidas por uma nova direita, ainda mais reacionária. Este processo forjou a atual base política do bolsonarismo, um projeto de extrema-direita, com fortes elementos neofascistas.
Os governos do PT, em aliança com setores da velha direita, fizeram profundas concessões programáticas as grandes empresas e bancos. Neste processo, uma parte de seus dirigentes e parlamentares se envolveram em casos de corrupção, sobretudo àqueles referentes aos financiamento privado e empresarial de campanhas eleitorais.
Entretanto, este fato foi transformado pela Operação Lava Jato numa narrativa fabricada, apontando o PT como o partido mais corrupto da história brasileira, poupando sempre de uma investigação realmente séria os seus principais aliados de partidos da direita tradicional, como o PSDB de FHC e Aécio Neves.
A cada vazamento publicado pelo Intercept Brasil (e outros veículos de imprensa) fica mais evidente o conluio entre o ex-Juiz e atual Ministro da Justiça Sérgio Moro, Dallagnol e os procuradores da Força-Tarefa de Curitiba.
A condenação sem provas de Lula, sua prisão política e o impedimento de sua candidatura presidencial, de fato foi uma operação montada para facilitar a vitória de um candidato afinado com a agenda golpista.
Bolsonaro se beneficiou diretamente desta operação e retribuiu Moro com a indicação para o Ministério da Justiça, negociada ainda antes do final da campanha eleitoral. E mantém, até hoje, a defesa de uma futura indicação de Moro para o STF.
O atual presidente sempre se valeu deste discurso anti-corrupção. Este perfil foi uma das suas prioridades na campanha eleitoral, com o objetivo de fortalecer o sentimento contra o PT, fato que ajudou muito a sua eleição, sobretudo no segundo turno.
Entretanto, passados quase 8 meses deste governo de extrema-direita, vemos a enorme contradição entre o falso discurso de combate a corrupção na política e a prática de Bolsonaro, seus filhos e o seu partido – o PSL.
A corrupção é um problema inerente ao sistema capitalista, próprio dos negócios entre as grandes empresas e bancos, especialmente na sua relação com o Estado e suas instituições. Revela que para a burguesia não há limites entre seus interesses privados e o interesse público. O Brasil é uma grande demonstração que o Estado sempre foi colocado a serviço dos ricos e poderosos.
Atualmente, esse processo se evidencia, principalmente, nas isenções fiscais para as grandes empresas e a exorbitante transferência anual de dinheiro público aos bancos, através do mecanismo de pagamento dos juros e amortizações da dívida pública.
A esquerda socialista, especialmente aqueles setores que não embarcaram no conluio reacionário da Lava Jato, não deve ter dúvidas em enfrentar o problema da corrupção no governo Bolsonaro. Exigindo uma investigação profunda e transparente de todos os graves casos denunciados. Casos estes que, inclusive, estão tendo suas investigações dificultadas e até bloqueadas pela atuação do próprio governo e de setores importantes do Poder Judiciário.
“Lobo em pele de cordeiro”
Vários casos demonstram de forma inequívoca que Bolsonaro sempre esteve entre aqueles políticos que praticaram (e praticam) a chamada velha política. Ou seja, o uso de seu posto como parlamentar a serviço de seus interesses privados e de seu projeto político reacionário.
Os fantasmas do gabinete de Bolsonaro
Durante o primeiro debate entre os candidatos a presidente da República (um dos únicos que Bolsonaro compareceu), o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, perguntou ao então candidato do PSL: quem era a Wal?
A Wal, era na verdade Walderice da Conceição, uma funcionária particular de Bolsonaro para cuidar de seus assuntos privados em uma de suas propriedades, no Município fluminense de Angra dos Reis.
Até aí, nenhum problema. O assunto começa a complicar, quando se descobre que ela era tinha seu salário pago por verbas públicas. Afinal, embora não comparecesse ao trabalho em Brasília, ela era uma das funcionárias do gabinete de Bolsonaro, então deputado federal.
O assunto Wal se torna ainda mais revelante, pois ele se revelou apenas a ponta de um “iceberg”. Segundo investigação da Justiça Federal, paralisada por quatro meses na Procuradoria Geral da República, na verdade existem nada mais nada menos que 11 nomeações de pessoas que poderiam ser funcionários fantasmas, lotados no gabinete de Bolosnaro. Alguns destas pessoas, inclusive, ficavam a disposição da campanha eleitoral de seus filhos.
Uma dessas possíveis funcionárias fantasmas de Jair Bolsonaro é Nathalia Queiroz, que trabalhava numa academia de ginástica e, assim como Wal, não aparecia em Brasília. Ela é filha de Fabrício Queiroz, antigo amigo de Jair Bolsonaro e ex-assessor de Flávio, quando ele era deputado estadual no RJ.
Queiroz é acusado de ser o chefe de um esquema de corrupção a serviço da família Bolsonaro. Ele faltou vários depoimentos à Justiça e, atualmente, desapareceu, “ninguém” sabe o seu paradeiro.
“Tal pai tal filho”
Jair Bolsonaro sempre foi conhecido pela prática do nepotismo político, indicando seus filhos para concorrer a cargos públicos, para estender os tentáculos de seu projeto reacionário.
Portanto, apesar de absurda, não chega ser uma novidade que agora ele esteja indicando um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro, deputado federal do PSL-SP, para ser Embaixador do Brasil nos EUA.
Os três filhos de Bolsonaro o seguem não só no discurso reacionário, racista, machista e homofóbico do pais. Eles reproduzem também a mesma prática política corrupta e ilegal.
O caso mais emblemático, sem dúvida nenhuma, é o do ex-deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Ano passado, uma operação da Polícia Federal, através de um relatório do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), identificou movimentações financeiras irregulares no gabinete de vários deputados estaduais do RJ, entre eles o do filho mais velho de Bolsonaro.
As investigações prosseguiram, e chegaram a figura sinistra de Fabrício Queiroz, amigo pessoal de Jair Bolsonaro e uma espécie de chefe do esquema político de Flávio na Assembléia Legislativa do RJ (ALERJ).
Segundo o relatório do COAF, Queiroz, hoje um desaparecido da Justiça, chegou a movimentar de forma ilegal 1,2 milhão de reais, em apenas 12 meses. A investigação chegou a quebrar o sigilo de 90 pessoas jurídicas e físicas, demonstrando a abrangência das operações criminosas da dupla Queiroz e Flávio, com negociações financeiras que chegam até as milícias do Rio de Janeiro.
Um dos depósitos realizados por Queiroz, ainda não esclarecidos, foi de 24 mil reais na conta bancária de Michelle Bolsonaro, atual primeira-dama. Bolsonaro alegou que Queiroz fez este depósito para pagar parte de um empréstimo pessoal de R$ 40 mil que ele teria feito ao assessor de seu filho, sem dizer quando entregou esses R$ 40 mil e nem quando e se os R$ 16 mil restantes foram pagos. O que é estranho é que uma pessoa que chega a movimentar mais de 1 milhão de reais em apenas um ano, precise de um empréstimo pessoal de 40 mil reais do atual presidente.
Nesse momento, a investigação sobre as movimentações financeiras ilegais do gabinete de Flávio Bolsonaro na ALERJ se encontra suspensa, de forma escandalosa, por decisão monocrática do atual presidente do STF, Dias Toffoli.
Mas, não é só Flávio que segue à risca a cartilha da velha política do pai. O atual vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (PSL), também sofre investigações devido a supostas nomeações de pelo menos dois funcionários fantasmas no seu gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Um deles, inclusive, teria trabalhado diretamente na campanha eleitoral de seu pai, no ano passado.
Os laranjas do PSL
No início deste ano, surgiram várias denúncias da utilização de candidaturas falsas (laranjas) pelo partido de Bolosnaro, o PSL.
Segundo as investigações, o esquema funcionava assim: utilizava-se candidaturas femininas como laranjas, se valendo da exigência de uma cota mínimas de mulheres por partido ou coligação. Na verdade, muitas destas candidaturas não era prá valer, e eram utilizadas apenas para repassar verbas de campanha para as candidaturas de fato, sobretudo dos chefes políticos nacionais e regionais do PSL.
O caso teria sido uma das explicações dos conflitos entre o atual presidente e seu ex-ministro Gustavo Bebianno, demitido recentemente por Bolsonaro da Secretaria Geral da Presidência.
Mas, o uso das candidaturas laranjas atingem em cheio o atual Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, que é o chefe político do PSL em MG.
O caso é tão escandaloso, que uma deputada federal do PSL MG, Alê Silva, chegou a acusar que o atual Ministro de Bolsonaro teria a ameaçado de morte, numa reunião, por ela ter denunciado o escândalo dos laranjas do PSL no Estado.
Em outro caso, em Belo Horizonte, início de agosto, Claudio Duarte (PSL) teve o seu mandato de vereador cassado pela Câmara de Vereadores, acusado de embolsar cerca de 1 milhão de reais, desviando verbas dos salários de seus assessores e da verba do gabinete.
Até o momento nenhum punição foi definida pela Justiça Eleitoral. O caso é tão escandaloso, que em recente entrevista, no dia 2 de agosto, Marcelo Álvaro afirmou que Bolsonaro nunca lhe cobrou explicações sobre o caso dos laranjas do PSL mineiro e que também ele nunca se sentiu ameaçado em perder o cargo de Ministro.
Na entrevista, ele chegou a afirmar: “Eu acredito que o presidente olha para mim e pensa: ‘Eu não vou exonerar um ministro por denúncias que não têm a mínima comprovação.’ Acho que é isso que me mantém no cargo”, afirmou.
O caso dos laranjas do PSL, especialmente em MG, é mais uma demonstração nítida do atrelamento de Bolsonaro e de seu partido, o PSL, com as velhas práticas de corrupção.
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