MP 881: a ruptura democrática fazendo escola

EBC

MP 881: a ruptura democrática fazendo escola

A “reforma” trabalhista, como todo mundo já sabe, foi aprovada com total desrespeito aos preceitos formais estabelecidos na Constituição Federal sobre o processo legislativo e sem a mínima obediência aos princípios democráticos.

Os efeitos dessa lei mal elaborada e destruidora de direitos e da ação sindical, favorecendo, unicamente, aos grandes conglomerados econômicos em seu processo crescente de acumulação de capital e formação de oligopólios, também todos já conhecem.

​Já se falou demais sobre isso.

E não é que aquilo que poderia servir de exemplo de algo que não deve ser feito foi tomado como modelo a ser seguido?

Mas não há, na verdade, nenhum espanto com isso. Há muito (desde a década de 90) tenho advertido que as iniciativas precarizantes são sempre prenúncio de uma nova precarização, porque não se querendo admitir o erro do argumento econômico apresentado, baseado em falso diagnóstico, diante da piora da economia, a consideração que sobra é a de que a dose do remédio foi pouca.

Sobre a reforma trabalhista estava claro desde o início que os efeitos de melhora da economia e no mercado de trabalho não seriam produzidos e, pior, que haveria uma piora no quadro geral do país, e que, com isso, viria, na sequência imposta pela lógica da reiteração dos equívocos, nova demanda de redução de direitos. E o mesmo se dará, certamente, com a reforma da Previdência.

Então, de fato, não seria de se esperar que alguém que encabeçou a “reforma” trabalhista viesse a público para dizer: “Erramos e pedimos perdão!”

Agindo como era esperado – e, desta feita, com aval eleitoral –, utilizaram a experiência da aprovação da Lei n. 13.467/17 e estão criando todo o ambiente para aumentar a dose.

Não se passaram nem dois anos de vigência da nova CLT e já está na ordem do dia, com grande difusão midiática, o mantra de que a salvação da economia depende de novas reformas, dentre elas as propostas pela MP 881.

Vê-se uma enorme campanha midiática em torno da aprovação da MP 881, que, segundo se diz, promove, enfim, a liberdade econômica que seria essencial para tirar o país da crise (sempre ela).

Mas, a exemplo do que se passou com a “reforma” trabalhista, a grande maioria sequer sabe o que, exatamente, está dito na tal MP e, também, nada se diz sobre os obstáculos jurídicos para aplicação de seus preceitos, que estão no mesmo patamar de gravidade que os da “reforma” trabalhista.

Na “reforma” anterior, o passo inicial foi um Projeto de Lei. Desta feita, tudo está se fazendo de forma ainda mais sorrateira, jurídica e politicamente grave, por meio da votação de uma Medida Provisória (MP 881).

Como advertido na Nota expedida pelo movimento Transforma MP:

“Essa Medida Provisória, publicada em 30 de abril, com o propósito de desburocratizar processos para as empresas, continha 19 artigos. O relatório final do seu projeto de conversão em lei, aprovado pela Comissão Especial em 11 de julho, é composto de 52 artigos, com inúmeros incisos. O projeto deverá ser votado até 10 de setembro pelo plenário da Câmara e do Senado.”

Verdade que, como tem advertido a Presidente da Anamatra, Noemia Porto, “O Supremo, no julgamento da ADI 5127, declarou a inconstitucionalidade de emenda parlamentar em projeto de conversão de MP em lei, por conteúdo temático distinto daquele originário”.

Além disso, nada do que existe na MP 881 está abarcado pelo artigo 62 da Constituição Federal que pudesse justificar, pelo caráter de urgência, uma regulação por meio de desse instrumento jurídico. Aliás, é possível vislumbrar muito mais as proibições de edição da MP, conforme os itens relacionados no § 1º do mesmo artigo, do que justificativas para a sua adoção.[i]

Ocorre que, conforme verificado historicamente, as decisões do STF em matéria trabalhista e as normas constitucionais não têm constituído muita segurança jurídica para os direitos das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Então, apesar da patente inconstitucionalidade formal, é considerável o risco da aprovação da MP, vertida como PLV 17/19.

Pior para todos nós, porque as alterações propostas pela MP 881 não se resumem a novas reduções de direitos trabalhistas. Constituem, na verdade, uma alteração profunda na ordem jurídica como um todo, perpassando por praticamente todos os ramos do Direito e pretendendo, inclusive, modificar a própria estrutura constitucional.

Resumidamente, a eventual aprovação da MP 881 representa uma confissão ainda mais explícita (vez que já verificada na aprovação da “reforma” trabalhista) de que as instituições brasileiras, responsáveis pela defesa da Constituição, da democracia e do Estado de Direito abdicaram de sua função, que seria, antes de tudo, um dever, porque uma alteração dessa grandeza não poderia ser encaminhada por Medida Provisória e ser votada sem o necessário debate social.

Não bastasse isso, o resultado do que está sendo proposto, concretamente, na MP 881, com texto já alterado pelas inúmeras Emendas (alheias ao texto original) que lhe foram apresentadas, é uma autêntica balbúrdia jurídica, que está muito longe, portanto, de gerar os preconizados efeitos de melhora da economia, embora, por certo, não seja inapta para majorar lucros de grandes empresas multinacionais, promovendo evasão da riqueza nacionalmente produzida, o que, aliás, parece ser o real propósito daqueles que protagonizam a aprovação da MP.

Ora, ao defenderem a aprovação da MP, o Ministério da Economia, a Advocacia Geral da União e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública dizem abertamente que sua preocupação primária é a de atender os interesses das grandes empresas, como se isso significasse, por si, um efeito benéfico para a população em geral e como se a culpa dos desajustes econômicos fosse das responsabilidades sociais fixadas no projeto constitucional de Estado Social.

Falam também na necessidade de ampliação da liberdade empresarial, sem as amarras do Estado, visualizando, inclusive, o processo de privatizações, e de segurança jurídica[ii].

Mas o que se pode antever, caso a MP em questão seja revertida em lei, é um novo ciclo de enormes complicações jurídicas.

Verifique-se que a preocupação central do Poder Executivo que ecoou, por enquanto, no Legislativo, de estabelecer uma liberdade de atuação empresarial sem qualquer interferência do Estado, sequer está refletida, da forma como muitos por certo almejam, no art. 1º da MP.

Com efeito, diz expressamente o referido artigo que a proteção “à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”, objeto central da MP, está submetida ao disposto no inciso IV do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no “caput” do art. 174 da Constituição Federal.

Certo que a menção feita aos limitadores constitucionais, considerado o conteúdo integral da MP, é mais retórica do que real, mas acaba explicitando a contradição inevitável de uma obra que diz respeitar a Constituição, fazendo pouco dela.

De todo modo, a fórmula utilizada na MP é reveladora de sua estratégia. Ora, não cabe ao legislador infraconstitucional eleger quais artigos da Constituição serão respeitados. Essa eleição é denunciadora de que quanto aos demais artigos não se tem o mesmo apreço.

É evidente que a submissão da lei à Constituição não se dá somente com relação aos dispositivos constitucionais escolhidos pelo legislador.

Além do mais, mesmo com relação aos artigos eleitos a MP se “esqueceu” de dizer que a livre iniciativa está submetida a atender um valor social e que o mesmo se dá com o direito de propriedade (“XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”).

Não é de hoje que se discutem os limites da liberdade econômica. E depois de tantos debates e experiências históricas, firmou-se o pacto constitucional de 1988 em torno do Estado Social, com a estipulação de limites claros e inequívocos aos interesses econômicos individuais, estando, inequivocamente, dentre os preceitos e valores limitadores, os direitos trabalhistas assegurados no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, integrados, por conseguinte, ao conceito de cláusula pétrea.

Na MP 881 há uma intenção nítida de desconsiderar a autoridade constitucional. A MP, fazendo menção, e de forma parcial, a alguns poucos artigos da Constituição, logo se coloca ao lado da Constituição, como se fosse ela – e não a Constituição – a determinadora dos sentidos de todas as demais leis do país.

Aliás, não é preciso muito esforço de compreensão para chegar a essa conclusão, vez que está explícita no § 1º do art. 1º:

“§ 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação de Direito Civil, Empresarial, Econômico, Urbanístico, e do Trabalho, nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública, inclusive sobre o exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito e transporte e proteção ao meio ambiente.”

E não satisfeita  com essa vinculação, ainda estabelece o modo da exegese, de modo a sobrepor o interesse privado, de natureza puramente econômica, ao interesse público:

“§ 2º Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.”

Já se teriam, portanto, múltiplos empecilhos jurídicos para a aprovação da MP.

Mas o autoritarismo da MP vai mais longe e tenta vincular a atividade administrativa, legislativa e mesmo judiciária aos preceitos que elege nos artigos 1º a 4º., conforme se verifica no § 4º:

“§ 4º  O disposto no art. 1º ao art. 4º constitui norma geral de direito econômico, conforme o disposto no inciso I do caput e nos § 1º e § 4º do art. 24 da Constituição, e será observado para todos os atos públicos de liberação da atividade econômica executados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, observado o disposto no § 2º.”

Para complementar o direcionamento que o Executivo, com respaldo do Legislativo, tenta impor ao Judiciário, a MP cria uma ordem principiológica própria, que inverte toda estruturação do Estado Social constitucionalmente prevista:

“Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o Poder Público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.”

No Capítulo II, em que se ergue, por obra do próprio Estado, uma “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, sobressai uma defesa da liberdade de atuação que contrasta, inclusive, com todas as limitações que têm sido impostas à ação sindical.

No inciso II do art. 3º assegura o direito de se “desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeito a cobranças ou encargos adicionais”, mas não chega a excluir a aplicação dos direitos trabalhistas referentes à limitação da jornada e ao trabalho em domingos e feriados, vez determina a que se observe a “legislação trabalhista” (letra “c” do mesmo inciso).

No inciso V do ar. 3º preconiza que nas “dúvidas de interpretação” se busque preservar a “autonomia privada”, mas apenas com relação aos temas ligados ao “Direito Civil, Empresarial, Econômico e Urbanístico”, afastando, pois, expressamente, da mesma lógica, o Direito do Trabalho:

“V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do Direito Civil, Empresarial, Econômico e Urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário”.

O Capítulo V, denominado de “Disposições Finais”, é dedicado à promoção de inúmeras alterações legislativas nos diversos ramos do Direito.

No Direito do Trabalho, mais propriamente, na CLT, que, vale lembrar, já havia sido profundamente alterada em 2017, por obra da denominada “reforma” trabalhista, são introduzidas nada mais, nada menos, do que 81 dispositivos (entre artigos, incisos, parágrafos e letras).

Vejamos, então, as modificações na CLT propostas pela MP.

A)

“Art. 13  ……………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………….
§ 2º A Carteira de Trabalho e Previdência Social obedecerá aos modelos que o Ministério da Economia adotar.”

Comentário: O que se tem aqui é meramente a adaptação à trágica realidade das relações de trabalho estarem submetidas ao Ministério da Economia.

B)

“Art. 14. A Carteira de Trabalho e Previdência Social será emitida pelo Ministério da Economia preferencialmente em meio eletrônico.
Parágrafo único. Excepcionalmente, a Carteira de Trabalho e Previdência Social poderá ser emitida em meio físico:
I – nas as unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para tanto; ou
II – mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta.
III – mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.”
“Art. 15. Os procedimentos para emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social ao interessado serão estabelecidos pelo Ministério da Economia em regulamento próprio, sendo privilegiada a emissão em formato eletrônico.”
“Art. 16. Carteira de Trabalho e Previdência Social terá como identificação única do empregado o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF.”

Comentário: Por esses dispositivos, o que se vislumbra é destruir a simbologia da CTPS, que, desde quando foi instituída, em 1932, serviu como uma identidade cidadã e política da classe trabalhadora. Foi por meio da CTPS que milhões de brasileiros, até então totalmente excluídos, se viram pela primeira vez em uma foto e se sentiram integrados ao corpo social.

Com a alteração proposta, a identidade do trabalhador passa a ser o seu vínculo tributário com o Estado. O governo revela a percepção que tem do trabalhador: mero contribuinte individual.

C)

“Art. 29. O empregador terá o prazo de cinco dias úteis para anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.”
…………………………………………………………………………………………………….
§6º A comunicação, pelo trabalhador, do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ao empregador, equivale à apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência Social em meio digital, ficando o empregador dispensado da emissão de recibo.
§7º Os registros eletrônicos gerados pelo empregador nos sistemas informatizados da Carteira de Trabalho e Previdência Social em meio digital equivalem às anotações a que se refere esta lei.
§8º O trabalhador deverá ter acesso às informações da sua Carteira de Trabalho e Previdência Social no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir de sua anotação.”

Comentário: O atual art. 29, com redação que lhe fora dada pela Lei n. 7.855, de 24/10/89, dispõe que a CTPS deve ser anotada em 48 horas e entregue ao trabalhador mediante recibo

A MP propõe um aumento do prazo para que as anotações sejam feitas e ainda um prazo adicional para que o trabalhador tenha acesso às anotações.

D)

“Art. 40. As Carteiras de Trabalho e Previdência Social regularmente emitidas e anotadas servirão de prova:
…………………………………………………………………………………………”

Comentário: O atual art. 40, com redação pelo Decreto-lei n. 229, de 28/02/67, seguindo a tradição jurídica estabelecida desde 1932, trata a CTPS como Carteira de Identidade, explicitando a sua serventia para todos os atos da vida civil. A alteração proposta na MP visa, especificamente, excluir esse status jurídico da CTPS.

A alteração, pode não parecer, mais é extremamente significativa, no sentido da eliminação da representação da classe trabalhadora, como classe política.

E)

“Art. 67. Será assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos.”
“Art. 68. Fica autorizado o trabalho aos domingos e feriados.
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de sete semanas.”
“Art. 70. O trabalho aos domingos e nos feriados será remunerado em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.”

Comentário: Nos artigos 67 a 70 da CLT se encontra regulação limitando o trabalho em domingos e feriados, considerados possíveis em caso de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço, submetido, inclusive, a autorização de órgão competente.

Diante da “reforma” trabalhista já operada, não tendo mais de onde tirar força de trabalho com menor remuneração, a MP tenta avançar sobre os períodos de descanso.

Em 1949, a Lei n. 605 já havia autorizado o trabalho em feriados “nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho”, estipulando a obrigatoriedade do pagamento em dobro do trabalho em tal dia, “salvo se o empregador determinar outro dia de folga” (art. 9º).

Na Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que trata de Participação nos Lucros, já se tinha dado passo em direção do permissivo do trabalho em domingos e feriados, mas, primeiro, de forma limitada ao “comércio varejista em geral”, observado o disposto no art. 30, inciso I, da CF, que trata da competência do Município para regular “sobre assuntos de interesse local”, dentre eles, o funcionamento do comércio. Além disso, estabeleceu a necessidade de que o “repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo”. Antes, por regulação da Portaria n. 417, de 10/06/66, editada pelo Ministro de Estado dos Negócios do Trabalho e Previdência Social, deveria haver um descanso semanal no domingo dentro do período máximo de sete semanas.

A Lei n. 11.603/07 ampliou o permissivo do trabalho aos domingos e feriados para o “comércio em geral”. Por outro lado, fixou que o repouso semanal remunerado deve coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.

Desde então, o trabalho em domingos e feriados, no comércio, depende de negociação coletiva e, em outros setores, de autorização fiscalizatória, atendidos os parâmetros legais, especialmente a autorização do Município, nos termos do art. 30, I, da Constituição Federal.

O que a MP pretende é fazer vistas grossas dos avanços regulatórios e dos termos expressos da Constituição para liberar o trabalho em domingos e feriados, os quais passariam, assim, a ser dias de trabalho sem qualquer restrição, garantindo, ao menos, uma remuneração em dobro.

Os prejuízos sociais e humanos são grandes por conta da desagregação familiar que a proliferação irrestrita do trabalho em domingos e feriados tende a causar.

Além disso, os imbróglios jurídicos também são grandes. A desvinculação do descanso semanal remunerado do domingo desatende deliberação expressa da Constituição Federal, pois, conforme prevê o art. 7º, inciso XV, o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. Aliás, a própria alteração proposta pela MP diz que o repouso semanal deve ocorrer “preferencialmente aos domingos”, mas, de modo algum, o critério adotado de um domingo de folga a cada sete semanas pode ser considerado como o reconhecimento de uma preferência.

Tanto se falou recentemente – e de forma totalmente equivocada – a respeito da antiguidade das normas da CLT, que soa fora de qualquer sentido a MP, que se declara modernizadora, propor, de modo explícito e assumido, copiar uma fórmula criada em 1966, que foi superada nos anos 2000 – no auge neoliberal – exatamente para conferir um mínimo de eficácia ao preceito Constitucional.

De todo modo, cabe verificar que a autorização para o trabalho em domingos e feriados se deu ao largo do Repouso Semanal Remunerado e isso traz repercussões jurídicas talvez não pretendidas.

Ora, quando na previsão do art. 70 se encontra a determinação de que o trabalho em domingos e feriados seja pago em dobro, essa remuneração adicional não anula com a concessão do repouso semanal. O trabalho no domingo deverá ser pago em dobro e só não o será, como diz o art. 70, se for concedido ao trabalhador “outro dia de folga” específico para sua compensação, o que não se confunde, portanto, com o repouso semanal remunerado que o trabalhador tem direito independente de ter trabalhado no domingo. Esse, ademais, é o preço mínimo da consideração do domingo como um dia destinado ao trabalho de forma habitual e sem qualquer restrição.

F)

“Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.
§ 1º Para os estabelecimentos de mais de vinte trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, podendo haver pré-assinalação do período de repouso.
§ 2º Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe caput deste artigo.
§ 3º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”

Comentário: Na CLT está prevista obrigatoriedade de anotação do horário de trabalho para os estabelecimentos com mais de dez trabalhadores. A MP, aparentemente sem nenhum critério, restringe essa exigência para estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores. Diz-se, aparentemente, porque estudos revelam que mais de 90% dos empregadores no Brasil possuem menos de 20 empregados. A alteração, portanto, praticamente, aniquila o controle de jornada das relações de trabalho no Brasil.

A regra atual da CLT diz que quanto ao intervalo deve haver, ao menos, uma pré-assinalação e a MP deixa essa anotação como uma faculdade do empregador.

Essas normas burocráticas, no entanto, não têm qualquer repercussão na efetividade dos direitos à limitação da jornada e ao intervalo. A ausência de exigência, para fins fiscalizatórios, em nada altera a posição processual do empregador diante de uma discussão acerca da jornada trabalhada. Até por aplicação dos atuais termos da CLT, introduzidos pela Lei n. 13.467/17, o ônus da prova é do empregador e a ausência de documentação fidedigna a respeito apenas torna mais difícil a tarefa de provar em juízo a veracidade de sua versão quanto à jornada cumprida pelo empregado.

Já o tal “registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho”, pelo qual somente se anotariam as horas trabalhadas além da jornada normal, é um mecanismo que não atende a princípios básicos de legalidade, pois as normas instrumentais servem para garantir a efetividade do direito material e não para o aniquilar.

O direito fundamental, no caso, é a limitação da jornada de trabalho e o que se deve propor, em termos instrumentais, portanto, é um mecanismo que confira plena eficácia à norma e não um que dificulte a sua aplicação.

O registo por exceção cria embaraço ao trabalhador, que se vê constrangido a não marcar as horas extras laboradas, para não correr riscos de perseguição ou represália. Sem falar da dificuldade material de se efetivar, diariamente, a anotação dos minutos suprimidos do intervalo ou trabalhados antes do início e após o término da hora normal, sendo certo que a não remuneração desses minutos, para empregadores com milhares de empregados, representa uma apropriação milionária a cada ano.

Ademais, o direito em discussão não é apenas a limitação da jornada, mas também o horário de trabalho, pois as alterações constantes do horário constituem infração ao direito fundamental ao não trabalho.

De todo modo, se em um processo é posta em discussão a efetiva jornada trabalhada e o trabalhador sustenta que o registro por exceção constituiu um obstáculo concreto para a marcação das horas efetivamente laboradas, inverte-se para o empregador o ônus de demonstrar a jornada de trabalho praticada e sem uma documentação fidedigna a respeito não terá como se desincumbir do encargo.

Novamente, por conseguinte, o que a MP faz é aumentar o sofrimento dos trabalhadores, mas também gerar insegurança jurídica ao empregador, pois, por certo, não se pode validar mecanismo que inviabilize a efetivação de direitos fundamentais.

Destaque-se, ainda, a previsão do § 2º que mantém a obrigatoriedade do controle da jornada de trabalho mesmo para o trabalho externo, contrariando, inclusive, tendência flexibilizadora que pretendia, indevidamente, excluir o direito à limitação da jornada de trabalho daqueles que atuam fora do estabelecimento do empregador.

G)

“Art. 135. …………………………………………………………………………….. 
§3º Nos casos em que o empregado possua a CTPS em meio digital, a anotação será feita nos sistemas a que se refere o inciso II do § 6º do art. 29, na forma do regulamento, ficando dispensadas as anotações de que tratam os §§ 1º e 2º.”

Comentário: Nenhum comentário adicional.

H)

“Art. 161. A autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho, à vista do relatório técnico de auditor fiscal do trabalho que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de acidentes e doenças graves do trabalho.
§ 1º As autoridades federais, estaduais e municipais darão imediato apoio às medidas determinadas pela autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho.
§ 2º Da decisão da autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho poderão os interessados recorrer, no prazo de 10 (dez) dias, para a unidade competente para o julgamento de recursos da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, a qual terá prazo de 05 (cinco) dias úteis para a análise do recurso, e terá a faculdade de dar efeito suspensivo ao mesmo.       
§ 3º Responderá por desobediência, além das medidas penais cabíveis, quem, após determinada a interdição ou embargo, ordenar ou permitir o funcionamento do   estabelecimento ou de um dos seus setores, a utilização de máquina ou equipamento, ou o prosseguimento de obra.                     
§ 4º A autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho, independente de recurso, e após laudo técnico do serviço competente, poderá levantar a interdição.
§ 5º Durante a paralisação dos serviços, em decorrência da interdição ou embargo, os empregados receberão os salários como se estivessem em efetivo exercício.”

Comentário: A MP retira do auditor fiscal a autoridade para “interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão”, conferindo tal atribuição a uma “autoridade máxima”, que não se sabe quem é e se terá, de fato, condições de, sozinha, atender as demandas, cabendo lembrar que são demandas urgentes que trazem, como a própria norma admite, “grave e iminente risco para o trabalhador”. Com vistas não se brinca, mas essa máxima não vale para o elaborador da MP 881 quando se refere à vida dos trabalhadores.

O dispositivo proposto pela MP, além disso, tenta evitar que a providência fiscalizatória seja promovida por entidade sindical, como atualmente está previsto no § 1º do art. 161 da CLT. A intenção é reveladora do desrespeito à classe trabalhadora, visto que a entidade sindical é a representação jurídica dos trabalhadores. Mas, também, é inócua, vez que a denúncia ao serviço de inspeção do trabalho pode ser feita por qualquer cidadão, conforme prevê, inclusive, a própria MP, na redação proposta ao art. 631 da CLT (abaixo).

Outra alteração digna de nota é a fixação de um recurso que, na organização administrativa atual, seria encaminhado à Secretaria do Trabalho, órgão vinculado ao Ministério da Economia, cujos princípios podem se chocar com aqueles que direcional o Direito Social.

I)

“Art. 227. ……………………………………………………………………………………….
Parágrafo único. Quando, em caso de indeclinável necessidade, forem os operadores obrigados a permanecer em serviço além do período normal fixado neste artigo, a empresa pagar-lhes-á extraordinariamente o tempo excedente com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o seu salário-hora normal.”

Comentário: O art. 227 regula a atividade dos trabalhadores nas empresas que exploram “explorem o serviço de telefonia, telegrafia submarina ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia”

A alteração proposta diz respeito à supressão do § 2º, que traz o seguinte teor:

“§ 2º – O trabalho aos domingos, feriados e dias santos de guarda será considerado extraordinário e obedecerá, quanto à sua execução e remuneração, ao que dispuserem empregadores e empregados em acordo, ou os respectivos sindicatos em contrato coletivo de trabalho.”

Está na linha de concepção muito mesquinha de uma “liberdade econômica” que, para se efetivar, precisa considerar domingos e feriados como dias normais de trabalho. A pergunta que fica é: aqueles que assim preconizam atribuem para si e para os seus familiares a mesma valoração?

J)

“Art. 385. O descanso semanal remunerado será de vinte e quatro horas consecutivas.”
“Art. 386. O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de 07 (sete) semanas.”
“Art. 386-A. Havendo necessidade imperiosa nas atividades econômicas do agronegócio e relacionadas, que estão sujeitas a condições climáticas como fator determinante do período para sua execução, poderá o trabalho ser exercido em sábados, domingos e feriados, observado as devidas remunerações conforme este Decreto-Lei.
Parágrafo único. Inclui-se no disposto no caput o fornecimento, beneficiamento, armazenamento e transporte de produtos agrícolas”. 

Comentário: Os artigos em questão estão inseridos no Capítulo pertinente ao trabalho da mulher trabalhadora. As alterações partem da mesma preocupação da consideração do domingo e do feriado como dias normais de trabalho, ainda que com maior remuneração.

L)

“Art. 444………………………………………………………………………………..
§ 1º ……………………………………………………………………………………… 
§ 2º Os contratos de trabalho de remuneração mensal acima de 30 (trinta) salários mínimos, cujas partes contratantes tenham sido assistidas por advogados de sua escolha no momento do pacto, será regido pelo direito civil, ressalvadas exclusivamente as garantias do art. 7º da Constituição Federal.”

Comentário: Na “reforma” trabalhista foi introduzido o parágrafo único no art. 444, com o propósito de permitir que negociações individuais, quando efetivadas por trabalhadores portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (hoje, R$11.291,60), tratando de condições de trabalho, prevalecessem sobre certas condições legalmente previstas. Agora, a MP vislumbra aprofundar o afastamento do Direito do Trabalho dos denominados “altos empregados”, assim considerados os que recebam salário superior a 30 (trinta) salários mínimos (hoje R$29.940,00), mas por meio da criação de um autêntico monstrengo jurídico. A MP afasta a aplicação da CLT, fixando que a relação se regula pelo Direito Civil, e, ao mesmo tempo, assegura a aplicação dos direitos previstos no art. 7º da CF. Esses direitos, no entanto, estão regulados na CLT e em legislação trabalhista esparsa. Além disso, o primeiro direito garantido pelo art. 7º é, exatamente, a relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária.

M)

CAPÍTULO I
DA FISCALIZAÇÃO, DA AUTUAÇÃO E DA IMPOSIÇÃO DE MULTAS
“Art. 626. Incumbe às autoridades competentes da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho.
Parágrafo único. Os Auditores Fiscais do Trabalho serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.”
“Art. 627. A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização observará o critério de dupla visita nos seguintes casos:
I – quando ocorrer promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, durante 180 (cento e oitenta dias) dias, contados da vigência das disposições;
II – quando se tratar de primeira inspeção em estabelecimentos ou locais de trabalho recentemente inaugurados, até 180 (cento e oitenta dias) dias do seu efetivo funcionamento;
III – quando se tratar de microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 (vinte) trabalhadores; ou
IV – em se tratando de infrações aos preceitos legais ou regulamentadores sobre segurança e saúde do trabalhador de gradação leve, conforme regulamento da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
V – em se tratando de visitas técnicas de instrução de auditores fiscais do trabalho;
Parágrafo único. O benefício da dupla visita não será aplicado quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou de anotação de CPTS, atraso no pagamento de salário e de FGTS,  reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização, bem como nas situações em que restar configurado acidente do trabalho, trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.”
“Art. 627-A.  Poderá ser instaurado, pela autoridade fiscal trabalhista, procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação, mediante Termo de Compromisso com eficácia de título executivo extrajudicial, na forma a ser disciplinada pelo Ministério da Economia. 
Parágrafo único. É vedada a imposição à empresa, por força do mesmo fato gerador, de mais de um termo compromisso ou de ajustamento de conduta, ainda que por órgãos distintos, tendo prevalência o que for assinado primeiramente.”
“Art. 628-A. Fica instituído o domicílio eletrônico trabalhista, regulamentado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, destinado a: 
I – cientificar o empregador de quaisquer atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos em geral;
II – receber, por parte do empregador, documentação eletrônica exigida no curso das ações fiscais ou apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos;
§1º As comunicações eletrônicas dispensam a sua publicação no Diário Oficial e o envio por via postal, sendo considerada pessoal para todos os efeitos legais;
§2º A ciência por meio do sistema eletrônico, com utilização de certificação digital ou de código de acesso, possuirá os requisitos de validade;
§3º A utilização do sistema de comunicação eletrônica previsto no caput é obrigatória para todos os empregadores, regulamentado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, garantidos prazos diferenciados para a microempresas e para as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.
§ 4º A comunicação a que se refere o caput em relação ao empregador doméstico se dará por meio da utilização de sistema eletrônico na forma prevista pelo artigo 32 da Lei Complementar nº 150 de 2015.
§ 5º A comunicação a que se refere o caput não afasta a possibilidade de utilização de outros meios legais de comunicação com o empregador a serem utilizados a critério da autoridade competente.”
“Art. 629. O auto de infração será lavrado no curso da ação fiscal em duplicata, sendo uma via entregue ao infrator, contra recibo, ou preferencialmente enviada por meio eletrônico, nos termos do art. 628-A, ou excepcionalmente via postal.
§ 1º O auto será lavrado no curso da ação fiscal e não terá o seu valor probante condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas.
§2º Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.
§3º O prazo para apresentação de defesa será de 30 (trinta) dias, inclusive para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, contados do recebimento do auto. 
§4º O auto de infração será registrado em meio eletrônico pelo órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle do seu processamento.”
“Art. 630. …………………………………………………………………………………. 
§4º Os documentos sujeitos à inspeção deverão permanecer nos locais de trabalho, somente se admitindo, a critério da autoridade competente, sejam os mesmos apresentados por meio eletrônico ou, alternativamente, em dia e hora previamente fixados pelo agente da inspeção.”
“Art. 631. Qualquer cidadão, entidade ou órgão público, poderá comunicar à autoridade trabalhista as infrações que verificar, devendo esta proceder às apurações necessárias. 
…………………………………………………………………………………………..”
“Art. 632. Poderá o autuado apresentar documentos e requerer a produção das provas que lhe parecerem necessárias à elucidação do processo, nos prazos destinados à defesa e recurso, cabendo à autoridade competente julgar a pertinência e necessidade de tais provas. 
Parágrafo único. Exceto se existir dúvida fundada quanto à autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal.”
“Art. 634. A imposição de multas incumbe à autoridade regional em matéria de inspeção do trabalho, na forma estabelecida por este Título.”
§1º A análise de defesa administrativa observará o requisito de desterritorialização, sempre que os meios técnicos permitirem, hipótese em que será vedada a análise de defesa cujo auto tenha sido lavrado naquela mesma unidade federativa.
§2º Deverá ser adotado sistema de distribuição aleatória de processos para análise, decisão e imposição de multas.”
CAPÍTULO II
DOS RECURSOS
“Art. 635. De toda decisão que impuser multa por infração das leis e disposições reguladoras do trabalho, caberá recurso em segunda instância administrativa, para a unidade competente para o julgamento de recursos da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. 
§1º As decisões serão sempre fundamentadas e atenderão aos princípios da impessoalidade, ampla defesa e contraditório.
§ 2º A decisão de recursos em segunda e última instância administrativa poderá valer-se de conselho recursal paritário, tripartite, integrante da estrutura da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, e composto por representantes dos trabalhadores, empregadores e auditores fiscais do trabalho, designados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho, na forma e nos prazos estabelecidos em regulamento.”
“Art. 636. O prazo para interposição de recurso é de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação, inclusive para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
§1º O recurso de que trata este capítulo terá efeito devolutivo e suspensivo e será apresentado perante a autoridade que houver imposto a multa, a quem competirá o juízo dos requisitos formais de admissibilidade e o encaminhamento à autoridade de instância superior. 
§ 2º A notificação somente será realizada por meio de edital, publicada no órgão oficial, quando o infrator estiver em lugar incerto e não sabido. 
§ 3º A notificação de que trata este artigo fixará igualmente o prazo de 30 (trinta) dias para que o infrator recolha o valor da multa, sob pena de cobrança executiva.
§ 4º A multa será reduzida de 30% (trinta por cento) se o infrator, renunciando ao recurso, a recolher ao Tesouro Nacional dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação postal, eletrônica, ou da publicação do edital.
§ 5º A multa será reduzida de 50% (cinquenta por cento) se o infrator, sendo microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 (vinte) trabalhadores renunciando ao recurso, a recolher ao Tesouro Nacional dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação postal, eletrônica, ou da publicação do edital.
§ 6º A guia para recolhimento da multa será expedida e conferida eletronicamente para fins de concessão do desconto, verificação do valor pago e arquivamento do processo.”
“Art. 637.   De todas as decisões que proferirem em processos de infração das leis de proteção ao trabalho e que impliquem arquivamento destes, observado o disposto no parágrafo único do art. 635, deverão as autoridades prolatoras recorrer de ofício para a autoridade competente de instância superior.”
“Art. 637-A. Instituído o conselho nos termos do art. 635, §4º, caberá pedido de uniformização de jurisprudência, no prazo de 15 (quinze) dias da ciência do acórdão do interessado, de decisão que der à lei interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma ou similar”.
“Art. 638. São definitivas as decisões de:
I – primeira instância, esgotado o prazo para recurso voluntário sem que este tenha sido interposto;
II – segunda instância, ressalvada a hipótese prevista no art. 637-A; 
III – instância especial.” 
CAPÍTULO III
DO DEPÓSITO, DA INSCRIÇÃO E DA COBRANÇA
“Art. 640. É facultado à autoridade regional em matéria de inspeção do trabalho, na conformidade de instruções expedidas pelo Ministério da Economia, promover a cobrança amigável das multas antes do encaminhamento dos processos à cobrança executiva.” (NR)  
“Art. 641. Não comparecendo o infrator, ou não depositando a importância da multa ou penalidade, encaminhar-se-á o processo para o órgão responsável pela inscrição em dívida ativa da União e cobrança executiva.”
“Art. 642. A cobrança judicial das multas impostas pelas autoridades regionais em matéria de inspeção do trabalho obedecerá ao disposto na legislação aplicável à cobrança da dívida ativa da União.”

Comentário: Por fim, nos dispositivo acima, a MP altera praticamente todo o TÍTULO VII, da CLT, referente ao Processo de Multas Administrativas, sendo que multas das alterações propostas estão ligadas à adaptação da situação presente de supressão do Ministério do Trabalho e inclusão do serviço de Inspeção do Trabalho vinculado à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e tantas outras se destinam a dificultar a atuação fiscalizatória dos auditores fiscais. A MP presume a boa fé do particular e, praticamente, “criminaliza” a fiscalização.

Vários dispositivos propostos, porque dificultam a atuação fiscalizatória, violam o art. 21, XXIV, da Constituição, que atribui à União competência para “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, bem como os comandos da Convenção n. 81 da OIT, ratificada pelo Brasil.

A diretriz da “dupla visita” preconizada no art. 627 praticamente impede a fiscalização em mais de 90% dos empregadores no Brasil, atingindo, sobretudo, o trabalho rural, onde ainda se constatam, infelizmente, situações de trabalho em condições análogas às de escravo no Brasil.

O dispositivo em questão, ao menos, tem o benefício de fazer menção expressa ao instituto da reincidência, que durante muito tempo foi desprezado nas avaliações jurídicas trabalhistas.

Já o art. 627-A, em seu parágrafo único, estipula uma ordem de prevalência extremamente questionável, nem sempre o primeiro Termo de Compromisso abarca, de forma mais ampla e adequada, a totalidade das condições de trabalho. Por uma pretensa estabilização das relações jurídicas, diminui-se, consideravelmente, a eficácia da atuação inibitória, ampliando as margens do risco nos ambientes de trabalho e, por conseguinte, aos negócios econômicos.

CONCLUSÃO

O exame atento das alterações propostas pela MP na CLT impõe as seguintes conclusões:

1) As alterações propostas estão muito longe de promover algum tipo de impulso mirabolante ao empreendimento econômico. Desse ponto de vista restrito, inclusive, reproduzindo a eterna cantilena de que o progresso econômico do país depende da redução dos custos dos direitos trabalhistas, as propostas são um tanto quanto inócuas e mesquinhas;

2) Em um ambiente já desidratado pela “reforma” trabalhista, traz, resumidamente, proposições a respeito de:

a) expedição e anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social;
b) restrições ao Repouso Semanal Remunerado e em sua coincidência com o domingo (1 a cada sete semanas);
c) autorização irrestrita para o trabalho aos domingos e feriados, com o requisito do pagamento de remuneração em dobro;
d) não pagamento da dobra pelo trabalho em domingos e feriados por meio da concessão de folga específica em outro dia determinado pelo empregador;
e) faculdade de pré-assinalação do período de repouso (intervalo para refeição e descanso) no registro de horário;
f) autorização para, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a formalização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho (só consignação das horas extras trabalhadas);
g) obrigatoriedade de anotação do horário de trabalho apenas para os estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores;
h) tentativa de evitar a participação dos sindicatos na atuação da Inspeção do Trabalho;
i) criação do monstrengo jurídico, meio civilista, meio trabalhista constitucional, com pitadas de CLT e legislação do trabalho, para os contratos de trabalho de remuneração mensal acima de 30 (trinta) salários mínimos, cujas partes contratantes tenham sido assistidas por advogados de sua escolha no momento do pacto;
j) enormes restrições à atuação da fiscalização do trabalho.

3) Algumas alterações trazem nítidas contradições que até as permite visualizar como ampliação da proteção jurídica dos trabalhadores:

a) definição da remuneração em dobro para o trabalho em domingos e feriados, desvinculada do repouso semanal remunerado;
b) menção expressa, no art. 627, ao instituto da reincidência, que durante muito tempo foi desprezado nas avaliações jurídicas trabalhistas;
c) reafirmação da obrigação de controle de jornada para o trabalho externo.

4) As alterações propostas, na mesma toada da lei da “reforma” trabalhista, estão fincadas em má técnica jurídica e trazem, por consequência, contradições, inconstitucionalidades e ferimento a princípios, gerando insegurança jurídica e, portanto, maior risco, para aqueles que de tais alterações queiram se valer para algum benefício econômico.

Mesmo essas contradições, no entanto, não excluem a extrema gravidade da MP – como apontado inicialmente – e a necessidade de rejeitar sua aprovação, sobretudo por conta da forma como se a está pretendendo introduzir no mundo jurídico, ainda mais considerando o seu conteúdo que traz preceitos e valores claramente contrários ao Estado Social.

Com relação ao Direito do Trabalho, por exemplo, a objeção é latente. O Direito do Trabalho se rege pelos princípios da progressividade e do não retrocesso. Suas normas são direitos fundamentais. Neste quadro, em que os direitos trabalhistas estão impressos como conquistas históricas que decorrem de muitas lutas sociais, não se pode dar respaldo jurídico a qualquer interesse econômico que vislumbre a supressão de direitos fundamentais e a imposição de retrocessos à condição humana dos trabalhadores e trabalhadoras como tábua de salvação.

São Paulo, 12 de agosto de 2019.

[i]. “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.”
[ii]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B1C3DEE429CB7230D9A27D6AB53E17E2.proposicoesWebExterno1?codteor=1781430&filename=Tramitacao-MPV+881/2019

A “reforma” trabalhista, como todo mundo já sabe, foi aprovada com total desrespeito aos preceitos formais estabelecidos na Constituição Federal sobre o processo legislativo e sem a mínima obediência aos princípios democráticos.

Os efeitos dessa lei mal elaborada e destruidora de direitos e da ação sindical, favorecendo, unicamente, aos grandes conglomerados econômicos em seu processo crescente de acumulação de capital e formação de oligopólios, também todos já conhecem.

​Já se falou demais sobre isso.

E não é que aquilo que poderia servir de exemplo de algo que não deve ser feito foi tomado como modelo a ser seguido?

Mas não há, na verdade, nenhum espanto com isso. Há muito (desde a década de 90) tenho advertido que as iniciativas precarizantes são sempre prenúncio de uma nova precarização, porque não se querendo admitir o erro do argumento econômico apresentado, baseado em falso diagnóstico, diante da piora da economia, a consideração que sobra é a de que a dose do remédio foi pouca.

Sobre a reforma trabalhista estava claro desde o início que os efeitos de melhora da economia e no mercado de trabalho não seriam produzidos e, pior, que haveria uma piora no quadro geral do país, e que, com isso, viria, na sequência imposta pela lógica da reiteração dos equívocos, nova demanda de redução de direitos. E o mesmo se dará, certamente, com a reforma da Previdência.

Então, de fato, não seria de se esperar que alguém que encabeçou a “reforma” trabalhista viesse a público para dizer: “Erramos e pedimos perdão!”

Agindo como era esperado – e, desta feita, com aval eleitoral –, utilizaram a experiência da aprovação da Lei n. 13.467/17 e estão criando todo o ambiente para aumentar a dose.

Não se passaram nem dois anos de vigência da nova CLT e já está na ordem do dia, com grande difusão midiática, o mantra de que a salvação da economia depende de novas reformas, dentre elas as propostas pela MP 881.

Vê-se uma enorme campanha midiática em torno da aprovação da MP 881, que, segundo se diz, promove, enfim, a liberdade econômica que seria essencial para tirar o país da crise (sempre ela).

Mas, a exemplo do que se passou com a “reforma” trabalhista, a grande maioria sequer sabe o que, exatamente, está dito na tal MP e, também, nada se diz sobre os obstáculos jurídicos para aplicação de seus preceitos, que estão no mesmo patamar de gravidade que os da “reforma” trabalhista.

Na “reforma” anterior, o passo inicial foi um Projeto de Lei. Desta feita, tudo está se fazendo de forma ainda mais sorrateira, jurídica e politicamente grave, por meio da votação de uma Medida Provisória (MP 881).

Como advertido na Nota expedida pelo movimento Transforma MP:

“Essa Medida Provisória, publicada em 30 de abril, com o propósito de desburocratizar processos para as empresas, continha 19 artigos. O relatório final do seu projeto de conversão em lei, aprovado pela Comissão Especial em 11 de julho, é composto de 52 artigos, com inúmeros incisos. O projeto deverá ser votado até 10 de setembro pelo plenário da Câmara e do Senado.”

Verdade que, como tem advertido a Presidente da Anamatra, Noemia Porto, “O Supremo, no julgamento da ADI 5127, declarou a inconstitucionalidade de emenda parlamentar em projeto de conversão de MP em lei, por conteúdo temático distinto daquele originário”.

Além disso, nada do que existe na MP 881 está abarcado pelo artigo 62 da Constituição Federal que pudesse justificar, pelo caráter de urgência, uma regulação por meio de desse instrumento jurídico. Aliás, é possível vislumbrar muito mais as proibições de edição da MP, conforme os itens relacionados no § 1º do mesmo artigo, do que justificativas para a sua adoção.[i]

Ocorre que, conforme verificado historicamente, as decisões do STF em matéria trabalhista e as normas constitucionais não têm constituído muita segurança jurídica para os direitos das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. Então, apesar da patente inconstitucionalidade formal, é considerável o risco da aprovação da MP, vertida como PLV 17/19.

Pior para todos nós, porque as alterações propostas pela MP 881 não se resumem a novas reduções de direitos trabalhistas. Constituem, na verdade, uma alteração profunda na ordem jurídica como um todo, perpassando por praticamente todos os ramos do Direito e pretendendo, inclusive, modificar a própria estrutura constitucional.

Resumidamente, a eventual aprovação da MP 881 representa uma confissão ainda mais explícita (vez que já verificada na aprovação da “reforma” trabalhista) de que as instituições brasileiras, responsáveis pela defesa da Constituição, da democracia e do Estado de Direito abdicaram de sua função, que seria, antes de tudo, um dever, porque uma alteração dessa grandeza não poderia ser encaminhada por Medida Provisória e ser votada sem o necessário debate social.

Não bastasse isso, o resultado do que está sendo proposto, concretamente, na MP 881, com texto já alterado pelas inúmeras Emendas (alheias ao texto original) que lhe foram apresentadas, é uma autêntica balbúrdia jurídica, que está muito longe, portanto, de gerar os preconizados efeitos de melhora da economia, embora, por certo, não seja inapta para majorar lucros de grandes empresas multinacionais, promovendo evasão da riqueza nacionalmente produzida, o que, aliás, parece ser o real propósito daqueles que protagonizam a aprovação da MP.

Ora, ao defenderem a aprovação da MP, o Ministério da Economia, a Advocacia Geral da União e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública dizem abertamente que sua preocupação primária é a de atender os interesses das grandes empresas, como se isso significasse, por si, um efeito benéfico para a população em geral e como se a culpa dos desajustes econômicos fosse das responsabilidades sociais fixadas no projeto constitucional de Estado Social.

Falam também na necessidade de ampliação da liberdade empresarial, sem as amarras do Estado, visualizando, inclusive, o processo de privatizações, e de segurança jurídica[ii].

Mas o que se pode antever, caso a MP em questão seja revertida em lei, é um novo ciclo de enormes complicações jurídicas.

Verifique-se que a preocupação central do Poder Executivo que ecoou, por enquanto, no Legislativo, de estabelecer uma liberdade de atuação empresarial sem qualquer interferência do Estado, sequer está refletida, da forma como muitos por certo almejam, no art. 1º da MP.

Com efeito, diz expressamente o referido artigo que a proteção “à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”, objeto central da MP, está submetida ao disposto no inciso IV do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no “caput” do art. 174 da Constituição Federal.

Certo que a menção feita aos limitadores constitucionais, considerado o conteúdo integral da MP, é mais retórica do que real, mas acaba explicitando a contradição inevitável de uma obra que diz respeitar a Constituição, fazendo pouco dela.

De todo modo, a fórmula utilizada na MP é reveladora de sua estratégia. Ora, não cabe ao legislador infraconstitucional eleger quais artigos da Constituição serão respeitados. Essa eleição é denunciadora de que quanto aos demais artigos não se tem o mesmo apreço.

É evidente que a submissão da lei à Constituição não se dá somente com relação aos dispositivos constitucionais escolhidos pelo legislador.

Além do mais, mesmo com relação aos artigos eleitos a MP se “esqueceu” de dizer que a livre iniciativa está submetida a atender um valor social e que o mesmo se dá com o direito de propriedade (“XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”).

Não é de hoje que se discutem os limites da liberdade econômica. E depois de tantos debates e experiências históricas, firmou-se o pacto constitucional de 1988 em torno do Estado Social, com a estipulação de limites claros e inequívocos aos interesses econômicos individuais, estando, inequivocamente, dentre os preceitos e valores limitadores, os direitos trabalhistas assegurados no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, integrados, por conseguinte, ao conceito de cláusula pétrea.

Na MP 881 há uma intenção nítida de desconsiderar a autoridade constitucional. A MP, fazendo menção, e de forma parcial, a alguns poucos artigos da Constituição, logo se coloca ao lado da Constituição, como se fosse ela – e não a Constituição – a determinadora dos sentidos de todas as demais leis do país.

Aliás, não é preciso muito esforço de compreensão para chegar a essa conclusão, vez que está explícita no § 1º do art. 1º:

“§ 1º O disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação de Direito Civil, Empresarial, Econômico, Urbanístico, e do Trabalho, nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública, inclusive sobre o exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito e transporte e proteção ao meio ambiente.”

E não satisfeita  com essa vinculação, ainda estabelece o modo da exegese, de modo a sobrepor o interesse privado, de natureza puramente econômica, ao interesse público:

“§ 2º Interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas.”

Já se teriam, portanto, múltiplos empecilhos jurídicos para a aprovação da MP.

Mas o autoritarismo da MP vai mais longe e tenta vincular a atividade administrativa, legislativa e mesmo judiciária aos preceitos que elege nos artigos 1º a 4º., conforme se verifica no § 4º:

“§ 4º  O disposto no art. 1º ao art. 4º constitui norma geral de direito econômico, conforme o disposto no inciso I do caput e nos § 1º e § 4º do art. 24 da Constituição, e será observado para todos os atos públicos de liberação da atividade econômica executados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, observado o disposto no § 2º.”

Para complementar o direcionamento que o Executivo, com respaldo do Legislativo, tenta impor ao Judiciário, a MP cria uma ordem principiológica própria, que inverte toda estruturação do Estado Social constitucionalmente prevista:

“Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o Poder Público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.”

No Capítulo II, em que se ergue, por obra do próprio Estado, uma “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, sobressai uma defesa da liberdade de atuação que contrasta, inclusive, com todas as limitações que têm sido impostas à ação sindical.

No inciso II do art. 3º assegura o direito de se “desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, inclusive feriados, sem que para isso esteja sujeito a cobranças ou encargos adicionais”, mas não chega a excluir a aplicação dos direitos trabalhistas referentes à limitação da jornada e ao trabalho em domingos e feriados, vez determina a que se observe a “legislação trabalhista” (letra “c” do mesmo inciso).

No inciso V do ar. 3º preconiza que nas “dúvidas de interpretação” se busque preservar a “autonomia privada”, mas apenas com relação aos temas ligados ao “Direito Civil, Empresarial, Econômico e Urbanístico”, afastando, pois, expressamente, da mesma lógica, o Direito do Trabalho:

“V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do Direito Civil, Empresarial, Econômico e Urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário”.

O Capítulo V, denominado de “Disposições Finais”, é dedicado à promoção de inúmeras alterações legislativas nos diversos ramos do Direito.

No Direito do Trabalho, mais propriamente, na CLT, que, vale lembrar, já havia sido profundamente alterada em 2017, por obra da denominada “reforma” trabalhista, são introduzidas nada mais, nada menos, do que 81 dispositivos (entre artigos, incisos, parágrafos e letras).

Vejamos, então, as modificações na CLT propostas pela MP.

A)

“Art. 13  ……………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………….
§ 2º A Carteira de Trabalho e Previdência Social obedecerá aos modelos que o Ministério da Economia adotar.”

Comentário: O que se tem aqui é meramente a adaptação à trágica realidade das relações de trabalho estarem submetidas ao Ministério da Economia.

B)

“Art. 14. A Carteira de Trabalho e Previdência Social será emitida pelo Ministério da Economia preferencialmente em meio eletrônico.
Parágrafo único. Excepcionalmente, a Carteira de Trabalho e Previdência Social poderá ser emitida em meio físico:
I – nas as unidades descentralizadas do Ministério da Economia que forem habilitadas para tanto; ou
II – mediante convênio, por órgãos federais, estaduais e municipais da administração direta ou indireta.
III – mediante convênio com serviços notariais e de registro, sem custos para a administração, garantidas as condições de segurança das informações.”
“Art. 15. Os procedimentos para emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social ao interessado serão estabelecidos pelo Ministério da Economia em regulamento próprio, sendo privilegiada a emissão em formato eletrônico.”
“Art. 16. Carteira de Trabalho e Previdência Social terá como identificação única do empregado o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF.”

Comentário: Por esses dispositivos, o que se vislumbra é destruir a simbologia da CTPS, que, desde quando foi instituída, em 1932, serviu como uma identidade cidadã e política da classe trabalhadora. Foi por meio da CTPS que milhões de brasileiros, até então totalmente excluídos, se viram pela primeira vez em uma foto e se sentiram integrados ao corpo social.

Com a alteração proposta, a identidade do trabalhador passa a ser o seu vínculo tributário com o Estado. O governo revela a percepção que tem do trabalhador: mero contribuinte individual.

C)

“Art. 29. O empregador terá o prazo de cinco dias úteis para anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social, em relação aos trabalhadores que admitir, a data de admissão, a remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério da Economia.”
…………………………………………………………………………………………………….
§6º A comunicação, pelo trabalhador, do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ao empregador, equivale à apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência Social em meio digital, ficando o empregador dispensado da emissão de recibo.
§7º Os registros eletrônicos gerados pelo empregador nos sistemas informatizados da Carteira de Trabalho e Previdência Social em meio digital equivalem às anotações a que se refere esta lei.
§8º O trabalhador deverá ter acesso às informações da sua Carteira de Trabalho e Previdência Social no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir de sua anotação.”

Comentário: O atual art. 29, com redação que lhe fora dada pela Lei n. 7.855, de 24/10/89, dispõe que a CTPS deve ser anotada em 48 horas e entregue ao trabalhador mediante recibo

A MP propõe um aumento do prazo para que as anotações sejam feitas e ainda um prazo adicional para que o trabalhador tenha acesso às anotações.

D)

“Art. 40. As Carteiras de Trabalho e Previdência Social regularmente emitidas e anotadas servirão de prova:
…………………………………………………………………………………………”

Comentário: O atual art. 40, com redação pelo Decreto-lei n. 229, de 28/02/67, seguindo a tradição jurídica estabelecida desde 1932, trata a CTPS como Carteira de Identidade, explicitando a sua serventia para todos os atos da vida civil. A alteração proposta na MP visa, especificamente, excluir esse status jurídico da CTPS.

A alteração, pode não parecer, mais é extremamente significativa, no sentido da eliminação da representação da classe trabalhadora, como classe política.

E)

“Art. 67. Será assegurado a todo empregado um repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos.”
“Art. 68. Fica autorizado o trabalho aos domingos e feriados.
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de sete semanas.”
“Art. 70. O trabalho aos domingos e nos feriados será remunerado em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga compensatória.”

Comentário: Nos artigos 67 a 70 da CLT se encontra regulação limitando o trabalho em domingos e feriados, considerados possíveis em caso de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço, submetido, inclusive, a autorização de órgão competente.

Diante da “reforma” trabalhista já operada, não tendo mais de onde tirar força de trabalho com menor remuneração, a MP tenta avançar sobre os períodos de descanso.

Em 1949, a Lei n. 605 já havia autorizado o trabalho em feriados “nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho”, estipulando a obrigatoriedade do pagamento em dobro do trabalho em tal dia, “salvo se o empregador determinar outro dia de folga” (art. 9º).

Na Lei n. 10.101, de 19 de dezembro de 2000, que trata de Participação nos Lucros, já se tinha dado passo em direção do permissivo do trabalho em domingos e feriados, mas, primeiro, de forma limitada ao “comércio varejista em geral”, observado o disposto no art. 30, inciso I, da CF, que trata da competência do Município para regular “sobre assuntos de interesse local”, dentre eles, o funcionamento do comércio. Além disso, estabeleceu a necessidade de que o “repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o domingo”. Antes, por regulação da Portaria n. 417, de 10/06/66, editada pelo Ministro de Estado dos Negócios do Trabalho e Previdência Social, deveria haver um descanso semanal no domingo dentro do período máximo de sete semanas.

A Lei n. 11.603/07 ampliou o permissivo do trabalho aos domingos e feriados para o “comércio em geral”. Por outro lado, fixou que o repouso semanal remunerado deve coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.

Desde então, o trabalho em domingos e feriados, no comércio, depende de negociação coletiva e, em outros setores, de autorização fiscalizatória, atendidos os parâmetros legais, especialmente a autorização do Município, nos termos do art. 30, I, da Constituição Federal.

O que a MP pretende é fazer vistas grossas dos avanços regulatórios e dos termos expressos da Constituição para liberar o trabalho em domingos e feriados, os quais passariam, assim, a ser dias de trabalho sem qualquer restrição, garantindo, ao menos, uma remuneração em dobro.

Os prejuízos sociais e humanos são grandes por conta da desagregação familiar que a proliferação irrestrita do trabalho em domingos e feriados tende a causar.

Além disso, os imbróglios jurídicos também são grandes. A desvinculação do descanso semanal remunerado do domingo desatende deliberação expressa da Constituição Federal, pois, conforme prevê o art. 7º, inciso XV, o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. Aliás, a própria alteração proposta pela MP diz que o repouso semanal deve ocorrer “preferencialmente aos domingos”, mas, de modo algum, o critério adotado de um domingo de folga a cada sete semanas pode ser considerado como o reconhecimento de uma preferência.

Tanto se falou recentemente – e de forma totalmente equivocada – a respeito da antiguidade das normas da CLT, que soa fora de qualquer sentido a MP, que se declara modernizadora, propor, de modo explícito e assumido, copiar uma fórmula criada em 1966, que foi superada nos anos 2000 – no auge neoliberal – exatamente para conferir um mínimo de eficácia ao preceito Constitucional.

De todo modo, cabe verificar que a autorização para o trabalho em domingos e feriados se deu ao largo do Repouso Semanal Remunerado e isso traz repercussões jurídicas talvez não pretendidas.

Ora, quando na previsão do art. 70 se encontra a determinação de que o trabalho em domingos e feriados seja pago em dobro, essa remuneração adicional não anula com a concessão do repouso semanal. O trabalho no domingo deverá ser pago em dobro e só não o será, como diz o art. 70, se for concedido ao trabalhador “outro dia de folga” específico para sua compensação, o que não se confunde, portanto, com o repouso semanal remunerado que o trabalhador tem direito independente de ter trabalhado no domingo. Esse, ademais, é o preço mínimo da consideração do domingo como um dia destinado ao trabalho de forma habitual e sem qualquer restrição.

F)

“Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.
§ 1º Para os estabelecimentos de mais de vinte trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, podendo haver pré-assinalação do período de repouso.
§ 2º Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe caput deste artigo.
§ 3º Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.”

Comentário: Na CLT está prevista obrigatoriedade de anotação do horário de trabalho para os estabelecimentos com mais de dez trabalhadores. A MP, aparentemente sem nenhum critério, restringe essa exigência para estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores. Diz-se, aparentemente, porque estudos revelam que mais de 90% dos empregadores no Brasil possuem menos de 20 empregados. A alteração, portanto, praticamente, aniquila o controle de jornada das relações de trabalho no Brasil.

A regra atual da CLT diz que quanto ao intervalo deve haver, ao menos, uma pré-assinalação e a MP deixa essa anotação como uma faculdade do empregador.

Essas normas burocráticas, no entanto, não têm qualquer repercussão na efetividade dos direitos à limitação da jornada e ao intervalo. A ausência de exigência, para fins fiscalizatórios, em nada altera a posição processual do empregador diante de uma discussão acerca da jornada trabalhada. Até por aplicação dos atuais termos da CLT, introduzidos pela Lei n. 13.467/17, o ônus da prova é do empregador e a ausência de documentação fidedigna a respeito apenas torna mais difícil a tarefa de provar em juízo a veracidade de sua versão quanto à jornada cumprida pelo empregado.

Já o tal “registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho”, pelo qual somente se anotariam as horas trabalhadas além da jornada normal, é um mecanismo que não atende a princípios básicos de legalidade, pois as normas instrumentais servem para garantir a efetividade do direito material e não para o aniquilar.

O direito fundamental, no caso, é a limitação da jornada de trabalho e o que se deve propor, em termos instrumentais, portanto, é um mecanismo que confira plena eficácia à norma e não um que dificulte a sua aplicação.

O registo por exceção cria embaraço ao trabalhador, que se vê constrangido a não marcar as horas extras laboradas, para não correr riscos de perseguição ou represália. Sem falar da dificuldade material de se efetivar, diariamente, a anotação dos minutos suprimidos do intervalo ou trabalhados antes do início e após o término da hora normal, sendo certo que a não remuneração desses minutos, para empregadores com milhares de empregados, representa uma apropriação milionária a cada ano.

Ademais, o direito em discussão não é apenas a limitação da jornada, mas também o horário de trabalho, pois as alterações constantes do horário constituem infração ao direito fundamental ao não trabalho.

De todo modo, se em um processo é posta em discussão a efetiva jornada trabalhada e o trabalhador sustenta que o registro por exceção constituiu um obstáculo concreto para a marcação das horas efetivamente laboradas, inverte-se para o empregador o ônus de demonstrar a jornada de trabalho praticada e sem uma documentação fidedigna a respeito não terá como se desincumbir do encargo.

Novamente, por conseguinte, o que a MP faz é aumentar o sofrimento dos trabalhadores, mas também gerar insegurança jurídica ao empregador, pois, por certo, não se pode validar mecanismo que inviabilize a efetivação de direitos fundamentais.

Destaque-se, ainda, a previsão do § 2º que mantém a obrigatoriedade do controle da jornada de trabalho mesmo para o trabalho externo, contrariando, inclusive, tendência flexibilizadora que pretendia, indevidamente, excluir o direito à limitação da jornada de trabalho daqueles que atuam fora do estabelecimento do empregador.

G)

“Art. 135. …………………………………………………………………………….. 
§3º Nos casos em que o empregado possua a CTPS em meio digital, a anotação será feita nos sistemas a que se refere o inciso II do § 6º do art. 29, na forma do regulamento, ficando dispensadas as anotações de que tratam os §§ 1º e 2º.”

Comentário: Nenhum comentário adicional.

H)

“Art. 161. A autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho, à vista do relatório técnico de auditor fiscal do trabalho que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de acidentes e doenças graves do trabalho.
§ 1º As autoridades federais, estaduais e municipais darão imediato apoio às medidas determinadas pela autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho.
§ 2º Da decisão da autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho poderão os interessados recorrer, no prazo de 10 (dez) dias, para a unidade competente para o julgamento de recursos da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, a qual terá prazo de 05 (cinco) dias úteis para a análise do recurso, e terá a faculdade de dar efeito suspensivo ao mesmo.       
§ 3º Responderá por desobediência, além das medidas penais cabíveis, quem, após determinada a interdição ou embargo, ordenar ou permitir o funcionamento do   estabelecimento ou de um dos seus setores, a utilização de máquina ou equipamento, ou o prosseguimento de obra.                     
§ 4º A autoridade máxima regional em matéria de inspeção do trabalho, independente de recurso, e após laudo técnico do serviço competente, poderá levantar a interdição.
§ 5º Durante a paralisação dos serviços, em decorrência da interdição ou embargo, os empregados receberão os salários como se estivessem em efetivo exercício.”

Comentário: A MP retira do auditor fiscal a autoridade para “interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão”, conferindo tal atribuição a uma “autoridade máxima”, que não se sabe quem é e se terá, de fato, condições de, sozinha, atender as demandas, cabendo lembrar que são demandas urgentes que trazem, como a própria norma admite, “grave e iminente risco para o trabalhador”. Com vistas não se brinca, mas essa máxima não vale para o elaborador da MP 881 quando se refere à vida dos trabalhadores.

O dispositivo proposto pela MP, além disso, tenta evitar que a providência fiscalizatória seja promovida por entidade sindical, como atualmente está previsto no § 1º do art. 161 da CLT. A intenção é reveladora do desrespeito à classe trabalhadora, visto que a entidade sindical é a representação jurídica dos trabalhadores. Mas, também, é inócua, vez que a denúncia ao serviço de inspeção do trabalho pode ser feita por qualquer cidadão, conforme prevê, inclusive, a própria MP, na redação proposta ao art. 631 da CLT (abaixo).

Outra alteração digna de nota é a fixação de um recurso que, na organização administrativa atual, seria encaminhado à Secretaria do Trabalho, órgão vinculado ao Ministério da Economia, cujos princípios podem se chocar com aqueles que direcional o Direito Social.

I)

“Art. 227. ……………………………………………………………………………………….
Parágrafo único. Quando, em caso de indeclinável necessidade, forem os operadores obrigados a permanecer em serviço além do período normal fixado neste artigo, a empresa pagar-lhes-á extraordinariamente o tempo excedente com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o seu salário-hora normal.”

Comentário: O art. 227 regula a atividade dos trabalhadores nas empresas que exploram “explorem o serviço de telefonia, telegrafia submarina ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia”

A alteração proposta diz respeito à supressão do § 2º, que traz o seguinte teor:

“§ 2º – O trabalho aos domingos, feriados e dias santos de guarda será considerado extraordinário e obedecerá, quanto à sua execução e remuneração, ao que dispuserem empregadores e empregados em acordo, ou os respectivos sindicatos em contrato coletivo de trabalho.”

Está na linha de concepção muito mesquinha de uma “liberdade econômica” que, para se efetivar, precisa considerar domingos e feriados como dias normais de trabalho. A pergunta que fica é: aqueles que assim preconizam atribuem para si e para os seus familiares a mesma valoração?

J)

“Art. 385. O descanso semanal remunerado será de vinte e quatro horas consecutivas.”
“Art. 386. O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de 07 (sete) semanas.”
“Art. 386-A. Havendo necessidade imperiosa nas atividades econômicas do agronegócio e relacionadas, que estão sujeitas a condições climáticas como fator determinante do período para sua execução, poderá o trabalho ser exercido em sábados, domingos e feriados, observado as devidas remunerações conforme este Decreto-Lei.
Parágrafo único. Inclui-se no disposto no caput o fornecimento, beneficiamento, armazenamento e transporte de produtos agrícolas”. 

Comentário: Os artigos em questão estão inseridos no Capítulo pertinente ao trabalho da mulher trabalhadora. As alterações partem da mesma preocupação da consideração do domingo e do feriado como dias normais de trabalho, ainda que com maior remuneração.

L)

“Art. 444………………………………………………………………………………..
§ 1º ……………………………………………………………………………………… 
§ 2º Os contratos de trabalho de remuneração mensal acima de 30 (trinta) salários mínimos, cujas partes contratantes tenham sido assistidas por advogados de sua escolha no momento do pacto, será regido pelo direito civil, ressalvadas exclusivamente as garantias do art. 7º da Constituição Federal.”

Comentário: Na “reforma” trabalhista foi introduzido o parágrafo único no art. 444, com o propósito de permitir que negociações individuais, quando efetivadas por trabalhadores portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (hoje, R$11.291,60), tratando de condições de trabalho, prevalecessem sobre certas condições legalmente previstas. Agora, a MP vislumbra aprofundar o afastamento do Direito do Trabalho dos denominados “altos empregados”, assim considerados os que recebam salário superior a 30 (trinta) salários mínimos (hoje R$29.940,00), mas por meio da criação de um autêntico monstrengo jurídico. A MP afasta a aplicação da CLT, fixando que a relação se regula pelo Direito Civil, e, ao mesmo tempo, assegura a aplicação dos direitos previstos no art. 7º da CF. Esses direitos, no entanto, estão regulados na CLT e em legislação trabalhista esparsa. Além disso, o primeiro direito garantido pelo art. 7º é, exatamente, a relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária.

M)

CAPÍTULO I
DA FISCALIZAÇÃO, DA AUTUAÇÃO E DA IMPOSIÇÃO DE MULTAS
“Art. 626. Incumbe às autoridades competentes da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, ou àquelas que exerçam funções delegadas, a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho.
Parágrafo único. Os Auditores Fiscais do Trabalho serão competentes para a fiscalização a que se refere o presente artigo, na forma das instruções que forem expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.”
“Art. 627. A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização observará o critério de dupla visita nos seguintes casos:
I – quando ocorrer promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais, durante 180 (cento e oitenta dias) dias, contados da vigência das disposições;
II – quando se tratar de primeira inspeção em estabelecimentos ou locais de trabalho recentemente inaugurados, até 180 (cento e oitenta dias) dias do seu efetivo funcionamento;
III – quando se tratar de microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 (vinte) trabalhadores; ou
IV – em se tratando de infrações aos preceitos legais ou regulamentadores sobre segurança e saúde do trabalhador de gradação leve, conforme regulamento da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
V – em se tratando de visitas técnicas de instrução de auditores fiscais do trabalho;
Parágrafo único. O benefício da dupla visita não será aplicado quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou de anotação de CPTS, atraso no pagamento de salário e de FGTS,  reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização, bem como nas situações em que restar configurado acidente do trabalho, trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.”
“Art. 627-A.  Poderá ser instaurado, pela autoridade fiscal trabalhista, procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação, mediante Termo de Compromisso com eficácia de título executivo extrajudicial, na forma a ser disciplinada pelo Ministério da Economia. 
Parágrafo único. É vedada a imposição à empresa, por força do mesmo fato gerador, de mais de um termo compromisso ou de ajustamento de conduta, ainda que por órgãos distintos, tendo prevalência o que for assinado primeiramente.”
“Art. 628-A. Fica instituído o domicílio eletrônico trabalhista, regulamentado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, destinado a: 
I – cientificar o empregador de quaisquer atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos em geral;
II – receber, por parte do empregador, documentação eletrônica exigida no curso das ações fiscais ou apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos;
§1º As comunicações eletrônicas dispensam a sua publicação no Diário Oficial e o envio por via postal, sendo considerada pessoal para todos os efeitos legais;
§2º A ciência por meio do sistema eletrônico, com utilização de certificação digital ou de código de acesso, possuirá os requisitos de validade;
§3º A utilização do sistema de comunicação eletrônica previsto no caput é obrigatória para todos os empregadores, regulamentado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, garantidos prazos diferenciados para a microempresas e para as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.
§ 4º A comunicação a que se refere o caput em relação ao empregador doméstico se dará por meio da utilização de sistema eletrônico na forma prevista pelo artigo 32 da Lei Complementar nº 150 de 2015.
§ 5º A comunicação a que se refere o caput não afasta a possibilidade de utilização de outros meios legais de comunicação com o empregador a serem utilizados a critério da autoridade competente.”
“Art. 629. O auto de infração será lavrado no curso da ação fiscal em duplicata, sendo uma via entregue ao infrator, contra recibo, ou preferencialmente enviada por meio eletrônico, nos termos do art. 628-A, ou excepcionalmente via postal.
§ 1º O auto será lavrado no curso da ação fiscal e não terá o seu valor probante condicionado à assinatura do infrator ou de testemunhas.
§2º Lavrado o auto de infração, não poderá ele ser inutilizado, nem sustado o curso do respectivo processo, devendo o agente da inspeção apresentá-lo à autoridade competente, mesmo se incidir em erro.
§3º O prazo para apresentação de defesa será de 30 (trinta) dias, inclusive para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público, contados do recebimento do auto. 
§4º O auto de infração será registrado em meio eletrônico pelo órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle do seu processamento.”
“Art. 630. …………………………………………………………………………………. 
§4º Os documentos sujeitos à inspeção deverão permanecer nos locais de trabalho, somente se admitindo, a critério da autoridade competente, sejam os mesmos apresentados por meio eletrônico ou, alternativamente, em dia e hora previamente fixados pelo agente da inspeção.”
“Art. 631. Qualquer cidadão, entidade ou órgão público, poderá comunicar à autoridade trabalhista as infrações que verificar, devendo esta proceder às apurações necessárias. 
…………………………………………………………………………………………..”
“Art. 632. Poderá o autuado apresentar documentos e requerer a produção das provas que lhe parecerem necessárias à elucidação do processo, nos prazos destinados à defesa e recurso, cabendo à autoridade competente julgar a pertinência e necessidade de tais provas. 
Parágrafo único. Exceto se existir dúvida fundada quanto à autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal.”
“Art. 634. A imposição de multas incumbe à autoridade regional em matéria de inspeção do trabalho, na forma estabelecida por este Título.”
§1º A análise de defesa administrativa observará o requisito de desterritorialização, sempre que os meios técnicos permitirem, hipótese em que será vedada a análise de defesa cujo auto tenha sido lavrado naquela mesma unidade federativa.
§2º Deverá ser adotado sistema de distribuição aleatória de processos para análise, decisão e imposição de multas.”
CAPÍTULO II
DOS RECURSOS
“Art. 635. De toda decisão que impuser multa por infração das leis e disposições reguladoras do trabalho, caberá recurso em segunda instância administrativa, para a unidade competente para o julgamento de recursos da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia. 
§1º As decisões serão sempre fundamentadas e atenderão aos princípios da impessoalidade, ampla defesa e contraditório.
§ 2º A decisão de recursos em segunda e última instância administrativa poderá valer-se de conselho recursal paritário, tripartite, integrante da estrutura da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, e composto por representantes dos trabalhadores, empregadores e auditores fiscais do trabalho, designados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho, na forma e nos prazos estabelecidos em regulamento.”
“Art. 636. O prazo para interposição de recurso é de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação, inclusive para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
§1º O recurso de que trata este capítulo terá efeito devolutivo e suspensivo e será apresentado perante a autoridade que houver imposto a multa, a quem competirá o juízo dos requisitos formais de admissibilidade e o encaminhamento à autoridade de instância superior. 
§ 2º A notificação somente será realizada por meio de edital, publicada no órgão oficial, quando o infrator estiver em lugar incerto e não sabido. 
§ 3º A notificação de que trata este artigo fixará igualmente o prazo de 30 (trinta) dias para que o infrator recolha o valor da multa, sob pena de cobrança executiva.
§ 4º A multa será reduzida de 30% (trinta por cento) se o infrator, renunciando ao recurso, a recolher ao Tesouro Nacional dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação postal, eletrônica, ou da publicação do edital.
§ 5º A multa será reduzida de 50% (cinquenta por cento) se o infrator, sendo microempresa, empresa de pequeno porte e estabelecimento ou local de trabalho com até 20 (vinte) trabalhadores renunciando ao recurso, a recolher ao Tesouro Nacional dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação postal, eletrônica, ou da publicação do edital.
§ 6º A guia para recolhimento da multa será expedida e conferida eletronicamente para fins de concessão do desconto, verificação do valor pago e arquivamento do processo.”
“Art. 637.   De todas as decisões que proferirem em processos de infração das leis de proteção ao trabalho e que impliquem arquivamento destes, observado o disposto no parágrafo único do art. 635, deverão as autoridades prolatoras recorrer de ofício para a autoridade competente de instância superior.”
“Art. 637-A. Instituído o conselho nos termos do art. 635, §4º, caberá pedido de uniformização de jurisprudência, no prazo de 15 (quinze) dias da ciência do acórdão do interessado, de decisão que der à lei interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma ou similar”.
“Art. 638. São definitivas as decisões de:
I – primeira instância, esgotado o prazo para recurso voluntário sem que este tenha sido interposto;
II – segunda instância, ressalvada a hipótese prevista no art. 637-A; 
III – instância especial.” 
CAPÍTULO III
DO DEPÓSITO, DA INSCRIÇÃO E DA COBRANÇA
“Art. 640. É facultado à autoridade regional em matéria de inspeção do trabalho, na conformidade de instruções expedidas pelo Ministério da Economia, promover a cobrança amigável das multas antes do encaminhamento dos processos à cobrança executiva.” (NR)  
“Art. 641. Não comparecendo o infrator, ou não depositando a importância da multa ou penalidade, encaminhar-se-á o processo para o órgão responsável pela inscrição em dívida ativa da União e cobrança executiva.”
“Art. 642. A cobrança judicial das multas impostas pelas autoridades regionais em matéria de inspeção do trabalho obedecerá ao disposto na legislação aplicável à cobrança da dívida ativa da União.”

Comentário: Por fim, nos dispositivo acima, a MP altera praticamente todo o TÍTULO VII, da CLT, referente ao Processo de Multas Administrativas, sendo que multas das alterações propostas estão ligadas à adaptação da situação presente de supressão do Ministério do Trabalho e inclusão do serviço de Inspeção do Trabalho vinculado à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e tantas outras se destinam a dificultar a atuação fiscalizatória dos auditores fiscais. A MP presume a boa fé do particular e, praticamente, “criminaliza” a fiscalização.

Vários dispositivos propostos, porque dificultam a atuação fiscalizatória, violam o art. 21, XXIV, da Constituição, que atribui à União competência para “organizar, manter e executar a inspeção do trabalho”, bem como os comandos da Convenção n. 81 da OIT, ratificada pelo Brasil.

A diretriz da “dupla visita” preconizada no art. 627 praticamente impede a fiscalização em mais de 90% dos empregadores no Brasil, atingindo, sobretudo, o trabalho rural, onde ainda se constatam, infelizmente, situações de trabalho em condições análogas às de escravo no Brasil.

O dispositivo em questão, ao menos, tem o benefício de fazer menção expressa ao instituto da reincidência, que durante muito tempo foi desprezado nas avaliações jurídicas trabalhistas.

Já o art. 627-A, em seu parágrafo único, estipula uma ordem de prevalência extremamente questionável, nem sempre o primeiro Termo de Compromisso abarca, de forma mais ampla e adequada, a totalidade das condições de trabalho. Por uma pretensa estabilização das relações jurídicas, diminui-se, consideravelmente, a eficácia da atuação inibitória, ampliando as margens do risco nos ambientes de trabalho e, por conseguinte, aos negócios econômicos.

CONCLUSÃO

O exame atento das alterações propostas pela MP na CLT impõe as seguintes conclusões:

1) As alterações propostas estão muito longe de promover algum tipo de impulso mirabolante ao empreendimento econômico. Desse ponto de vista restrito, inclusive, reproduzindo a eterna cantilena de que o progresso econômico do país depende da redução dos custos dos direitos trabalhistas, as propostas são um tanto quanto inócuas e mesquinhas;

2) Em um ambiente já desidratado pela “reforma” trabalhista, traz, resumidamente, proposições a respeito de:

a) expedição e anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social;
b) restrições ao Repouso Semanal Remunerado e em sua coincidência com o domingo (1 a cada sete semanas);
c) autorização irrestrita para o trabalho aos domingos e feriados, com o requisito do pagamento de remuneração em dobro;
d) não pagamento da dobra pelo trabalho em domingos e feriados por meio da concessão de folga específica em outro dia determinado pelo empregador;
e) faculdade de pré-assinalação do período de repouso (intervalo para refeição e descanso) no registro de horário;
f) autorização para, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a formalização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho (só consignação das horas extras trabalhadas);
g) obrigatoriedade de anotação do horário de trabalho apenas para os estabelecimentos com mais de 20 trabalhadores;
h) tentativa de evitar a participação dos sindicatos na atuação da Inspeção do Trabalho;
i) criação do monstrengo jurídico, meio civilista, meio trabalhista constitucional, com pitadas de CLT e legislação do trabalho, para os contratos de trabalho de remuneração mensal acima de 30 (trinta) salários mínimos, cujas partes contratantes tenham sido assistidas por advogados de sua escolha no momento do pacto;
j) enormes restrições à atuação da fiscalização do trabalho.

3) Algumas alterações trazem nítidas contradições que até as permite visualizar como ampliação da proteção jurídica dos trabalhadores:

a) definição da remuneração em dobro para o trabalho em domingos e feriados, desvinculada do repouso semanal remunerado;
b) menção expressa, no art. 627, ao instituto da reincidência, que durante muito tempo foi desprezado nas avaliações jurídicas trabalhistas;
c) reafirmação da obrigação de controle de jornada para o trabalho externo.

4) As alterações propostas, na mesma toada da lei da “reforma” trabalhista, estão fincadas em má técnica jurídica e trazem, por consequência, contradições, inconstitucionalidades e ferimento a princípios, gerando insegurança jurídica e, portanto, maior risco, para aqueles que de tais alterações queiram se valer para algum benefício econômico.

Mesmo essas contradições, no entanto, não excluem a extrema gravidade da MP – como apontado inicialmente – e a necessidade de rejeitar sua aprovação, sobretudo por conta da forma como se a está pretendendo introduzir no mundo jurídico, ainda mais considerando o seu conteúdo que traz preceitos e valores claramente contrários ao Estado Social.

Com relação ao Direito do Trabalho, por exemplo, a objeção é latente. O Direito do Trabalho se rege pelos princípios da progressividade e do não retrocesso. Suas normas são direitos fundamentais. Neste quadro, em que os direitos trabalhistas estão impressos como conquistas históricas que decorrem de muitas lutas sociais, não se pode dar respaldo jurídico a qualquer interesse econômico que vislumbre a supressão de direitos fundamentais e a imposição de retrocessos à condição humana dos trabalhadores e trabalhadoras como tábua de salvação.

São Paulo, 12 de agosto de 2019.

[i]. “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.”
[ii]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B1C3DEE429CB7230D9A27D6AB53E17E2.proposicoesWebExterno1?codteor=1781430&filename=Tramitacao-MPV+881/2019