Os “hackers” e a manobra espúria de Moro

Editorial de 30 de julho de 2019
Lula Marques / Fotos Públicas

Sérgio Moro

Na terça-feira (23), a Polícia Federal (PF) prendeu preventivamente quatro supostos “hackers”, acusados de invadirem as contas no Telegram de um grande número de autoridades públicas brasileiras. Entre elas: Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Paulo Guedes, Rodrigo Maia e o próprio presidente Jair Bolsonaro.

Os quatro acusados, que seguem presos, são: Walter Neto (30 anos), Suelen de Oliveira (25 anos), Gustavo Santos (28 anos) e Danilo Marques (33 anos).

Walter Neto, acusado de ser o chefe do grupo, teria afirmado, em depoimento a PF, que passou – de forma anônima e gratuita – as mensagens das conversas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores da Lava-Jato, que estão sendo divulgadas pelo Intercept Brasil, Folha de S. Paulo, UOL, Band FM e Veja. Glenn Greenwald, editor do The Intercept, garante que a sua fonte é anônima.

Logo em seguida à divulgação desta informação, Moro, Dallagnol e Bolsonaro declararam que essas prisões provariam que os diálogos divulgados pela #VazaJato eram obtidos de forma criminosa e deveriam ser desconsiderados.

Moro chegou a afirmar que todo material apreendido seria destruído – decisão que extrapola cabalmente suas funções e autoridade. Além disso, o ministro da Justiça teve acesso indevido a informações sigilosas da investigação, como a lista de autoridades vítimas do suposto ataque hacker.

Já Bolsonaro ameaçou Glenn Greenwald de pegar “uma cana” no Brasil, além de ter proferido sórdidos ataques homofóbicos ao jornalista. Reações absurdas e desequilibradas como estas só demonstram a importância de uma ampla, profunda e transparente investigação de todos estes vazamentos e o afastamento imediato de Moro do Ministério da Justiça.

Na mesma semana das prisões dos “hackers” e dos ataques bolsonaristas a Glenn Greenwald, o Ministério da Justiça publicou a Portaria 666, que estabelece um conceito jurídico indeterminado chamado “pessoa perigosa”, que remete às piores lembranças autoritárias do Direito Migratório brasileiro. A nova norma autoriza a deportação sumária de pessoas “perigosas para a segurança do Brasil” ou que tenham “praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”. A Defensoria Pública da União, ao comentar a Portaria assinada por Moro, afirmou que ela viola leis, direitos e a própria Constituição.

CPI da #Vazajato já

Mesmo que se comprove que o material tenha sido obtido de forma ilegal, isso não diminui em nada a importância – e a legalidade – da divulgação do seu conteúdo, bem como da investigação dos crime revelados. Afinal, não há dúvida que as informações são de relevante interesse público. E, caso se comprove o crime das ações de Moro, Dallagnol e outros procuradores da Lava-Jato, eles devem ser devidamente punidos e as condenações judiciais derivadas desses atos ilegais canceladas.

Existem vários precedentes na Justiça brasileira e de vários países do mundo que confirmam esta tese. Se os vazamentos obtidos de forma ilegal revelam crimes, eles podem, sim, ser considerados judicialmente. Isso já aconteceu, por exemplo, nos EUA, com os vazamentos do Pentágono sobre os crimes de militares durante a Guerra do Vietnam; ou, no Brasil, no escândalo das fitas que envolviam diretores do BNDES, ainda no governo de Fernando Henrique.

Por isso, é tão absurdo e sinistro que Sérgio Moro tenha defendido abertamente a destruição imediata de todo o material apreendido pela PF. Em realidade, o ex-juiz quer escapar de toda e qualquer possibilidade de ser seriamente investigado.

O último vazamento, revelado pela Folha de S. Paulo na segunda-feira (29), mostra que o ex-juiz, mesmo considerando frágil a delação do Palocci, tornou público o seu conteúdo seis dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais. O objetivo era um só: prejudicar a campanha de Fernando Haddad, dando mais uma “forcinha” para Bolsonaro.

A cada vazamento, ficam nítidos os reais objetivos de Moro e dos procuradores da Lava Jato. Como prova disso, no domingo (28), a Folha de S. Paulo divulgou a troca de mensagens entre Dallagnol e uma representante da XP Investimentos, na qual combinam uma conversa secreta entre o procurador e banqueiros com a seguinte pauta: “A Lava Jato e as Eleições”.

Fica evidente que a Lava Jato atuou de forma ilegal e seletiva para interferir na vida política brasileira: apoiou o impeachment de Dilma sem crime de responsabilidade, e, depois, tramou a prisão política e sem provas do ex-presidente Lula, tirando-o das eleições.

Por isso, mesmo não sendo apoiadores do projeto do PT de conciliação com a direita, defendemos, além do afastamento e investigação de Sérgio Moro e de Dallagnol, a campanha #Lulalivre.

Em defesa da liberdade de imprensa: toda solidariedade a Glenn Greenwald e ao Intercept

A  ameaça de Bolsonaro a Glenn Greenwald, instando sua prisão no Brasil, é gravíssima.

A Constituição brasileira garante total liberdade de imprensa, livre acesso à informação e, inclusive, caso necessário, o sigilo da fonte. Portanto, não existe nada que possa justificar uma eventual e arbitrária prisão de Glenn ou sequer que ele seja investigado por ter publicado estas informações. Caso o jornalista sofra alguma represália por ter exercido plenamente a sua profissão, se abriria um perigosíssimo precedente contra a liberdade de imprensa em nosso país.

Portanto, os movimentos sociais, democráticos e as organizações de esquerda devem organizar uma forte campanha democrática contra essas ameaças, que são mais um capítulo de uma escalada autoritária. Defendemos a total liberdade de imprensa e a integridade física e profissional de Glenn Greenwald e de todos os jornalistas envolvidos no trabalho de divulgação da #Vazajato.

Nesta terça-feira, 30 de junho, no Auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), centro do Rio de Janeiro, será dado um importante passo dessa campanha, com a realização de um ato político, com a presença de Glenn e outros jornalistas do Intercept.