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TEORIA

Quarenta anos da revolução nicaraguense: o que ela nos diz?

Frederico Costa*, de Fortaleza, CE

Revolução nicaraguense

Em 19 de julho de 1979, triunfava a Revolução Nicaraguense. As ruas de Manágua, apesar das ruínas, dos mortos e da fumaça, foram invadidas por uma grande multidão repleta de bandeiras rubro-negras da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) que dançava e comemorava em meio a risos, choros e abraços. Vitória das massas populares sobre um dos mais sanguinários regimes apoiados pelo imperialismo estadunidense: a ditadura de Anastasio Somoza, membro de uma dinastia que controlava o país desde 1936.

A queda de Anastasio Somoza foi resultado de uma poderosa insurreição popular cujo desenvolvimento levou vários meses. O salto de qualidade para esse processo foi o assassinato de Pedro Chamorro, dirigente do Partido Conservador, diretor do jornal La Prensa e líder oposicionista UDEL da (Unión Democrática de Liberación), em 10 de janeiro de 1978, a mando de Somoza. A greve geral contra tal ato durou vários dias, com manifestações de milhares de pessoas em Manágua e Matagalpa. Em  fevereiro, rebelou-se a comunidade indígena de Monimbó, em Masaya a 32 Km da capital. Em abril, uma greve de estudantes fechou tanto as universidades como quase todas as escolas públicas e privadas. Em agosto, desencadeou-se outra insurreição espontânea em Matagalpa. Em setembro, a FSLN lançou uma ofensiva coordenada sobre as guarnições das principais cidades, à qual somaram-se numerosos populares, fracassando em seu intento de provocar a partida do ditador. Logo depois, a Guarda Nacional respondeu lançando uma criminosa repressão.

A burguesia antissomozista também se mobilizou. No início de 1978, incentivou a Greve Geral de janeiro-fevereiro exigindo a renúncia de Somoza. Em maio, formou-se a FAO (Frente Ampla Opositora), formada por diversos setores da burguesia nicaraguense, que procuravam retirar Somoza para salvar o sistema. Ainda em setembro do mesmo ano, o imperialismo estadunidense buscou uma mediação entre a FAO e Somoza via a Organização dos Estados Americanos (OEA), mas a intransigência do ditador e a desintegração da FAO impediram o acordo. A marcha dos acontecimentos já conduzia à única solução: a insurreição geral.

No período da Páscoa de 1979, colunas da FSLN ocuparam a cidade de Esteli com apoio massivo da população. Em maio, começou o levante geral em todo o país. Em 3 de maio, a cidade de Leon ao Norte de Manágua, a segunda do país, se rebelou. No dia 4 de junho, os sandinistas convocaram a Greve Geral Revolucionária. No dia 5, levantou-se Matagalpa em uma heroica luta de rua por rua, casa por casa, que durou um mês. Os subúrbios mais pobres de Manágua começaram a se organizar para o levante. Desde meados de junho, povoados pequenos e médios caíram sob a direção da FSLN enquanto as tropas somozistas refugiaram-se em quarteis.  No final de junho, Masaya é libertada e, no dia 9 de julho, Leon é totalmente liberada tornando-se capital provisória, onde instalou-se a Junta de Gobierno de Reconstruccción Nacional (JGRN). Em 17 de julho, o ditador Somoza fugiu para Miami e deixou em seu lugar o tenente Urcuyo. A Guarda Nacional desintegrou-se em 19 de julho, Urcuyo renunciou, as tropas sandinistas entraram em Manágua onde se instalou, no dia seguinte, a Direção Nacional da FSLN e o novo governo revolucionário. Os 17 meses de rebelião popular e repressão custou aproximadamente a vida de 50 mil pessoas, milhares de órfãos e sem-teto devido aos bombardeios da Guarda Nacional.

O ascenso revolucionário das massas nicaraguense não evoluiu para uma saída socialista, como em Cuba. A revolução democrática e anti-imperialista não transbordou para a expropriação da burguesia e o estabelecimento de um regime de transição, sob hegemonia das massas assalariadas. Num país devastado pela ditadura e sua sangrenta guerra contra as massas, a direção da FSLN optou por uma estratégia de derrotas: a aliança com a burguesia nicaraguense, estruturalmente vinculada ao imperialismo e ao latifúndio.   

 Já no período de mobilização revolucionária contra o regime ditatorial, quando a FSLN conquistou a direção política das massas, sua orientação foi a de frente popular, subordinando os interesses da população em luta aos propósitos da burguesia. Com a vitória, em nome da “reconstrução nacional”, da “democracia pluralista” e da “unidade nacional”, a colaboração com a burguesia interna significou barrar a execução de medidas democráticas e nacionais, impedindo a auto-organização do proletariado e da maioria da população em novas estruturas de poder. Isso para garantir a colaboração da burguesia. 

Resultado: depois de 10 anos da vitória da Revolução Sandinista, o sandinismo foi derrotado eleitoralmente por uma representante conservadora da burguesia. Hoje, a Nicarágua é uma sombra do que foi no período em que as massas construíam o futuro contra o imperialismo, a burguesia interna e o latifúndio.

A revolução nicaraguense nos trouxe duas grandes lições. Primeira, a evidência de que as massas organizadas podem vencer, em unidade na diversidade com operários, camponeses, marxistas, cristãos, jovens, mulheres, indígenas. Segunda, a colaboração com os inimigos da revolução por meio de gigantescas concessões políticas e econômicas à burguesia interna, de garantias democráticas aos agressores contrarrevolucionários do país financiados do estrangeiro e de aplicação de planos do FMI, levaram à derrota um importante processo de emancipação social na América Central.

Então, o que nos diz a Revolução Nicaraguense? Devemos confiar na mobilização e protagonismo das massas assalariadas e populares. Para os companheiros de luta do PT, PC do B, PSOL e PCB, um alerta: a colaboração com a burguesia e suas representações políticas não soma, porque os interesses das massas trabalhadoras e da burguesia, nas questões fundamentais (previdência pública, política econômica, educação, reforma agrária, soberania nacional, desigualdades regionais, democratização das esferas de poder, combate às opressões, governo Bolsonaro, por exemplo), são antagônicos. 

 

*Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE, diretor da SINDUECE-SN e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO. 

 

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