Após 20 longos anos de negociações formais, foi anunciada a conclusão, por ambas as partes, do Tratado de Livre Comércio entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia (UE).
O Mercosul trocará sua maior fonte de renda, que são commodities, pelos produtos fruto da indústria 3.0 europeia, e 4.0 alemã. O Texto de hoje foi feito a luz da natureza do acordo.
Mas, afinal, o que são Commodities?
Commodities são os produtos oriundos da matéria-prima bruta ou pouco industrializada como ouro, petróleo, Cana, Milho, Trigo, etc. O Velho Continente não tem muito desses recursos, principalmente as místeres Commodities Agrícolas.
Os Europeus não desfrutam de clima favorável nem tem vultuosos territórios para dedicar ao plantio. Portanto, eles precisam comprar de fora a extrema maioria desses produtos. Apesar de os países menos frios conseguirem produzir commodities agrícolas como leite e derivados e alguns tipos de carne, eles o fazem em pequeníssima quantidade, precisando importar o resto para dar conta da alta demanda interna.
Geralmente os países que possuem economia altamente dependente de commodities (quer agrícolas, quer minerais) são países da periferia do Sistema. O mais perverso é que são os países dominantes que se reúnem e decidem o preço dessas commodities, sem questionar os países produtores.
Está posto um dos maiores problemas de se ter uma economia dependente de commodities. Devido a conflitos, desastres climáticos ou até mesmo mudanças no Establishment Político, os preços desses produtos podem subir ou cair. Muito ou pouco drasticamente.
Uma das causas para o desastre econômico na Venezuela foi a queda do preço do barril de petróleo, motivada pela decisão da Arábia Saudita de aumentar consideravelmente sua produção do recurso, fazendo seu preço despencar literalmente da noite para o dia.
A Europa Agradece
Commodities (que a partir daqui irei abreviar de “CMDT’) agrícolas, ao contrário das minerais, tem um preço deveras reduzido. Os europeus compram nossas frutas e verduras a preço de banana, literalmente. O que isto acarreta? Bem, para vender tão barato, tem-se uma verdadeira extinção da segurança de trabalho no campo.
Para garantir um preço aceito pelos consumidores europeus, precariza-se ao máximo a segurança e proteção dos trabalhadores do campo, além de enfraquecer os pequenos produtores, que não conseguem competir com a agricultura extensiva.
Outra medida do agronegócio é o uso extensivo de agrotóxicos, para garantir a maior produção possível. Os produtos que são “feios” e não passam nos rigorosos controles de qualidade europeus são desovados no mercado interno.
Essa política tem consequências nocivas para a população brasileira. Um exemplo disso é que o Brasil é o maior produtor de laranjas do mundo, mas, por outro lado, o suco de laranja é bem mais caro que na Europa. As laranjas mais bonitas vão direto pro mercado externo, enquanto que o restante fica para consumo interno. Como sobra pouca laranja no mercado interno, o preço sobe.
Um outro exemplo é que somos o maior produtor de café do mundo. Em 2017-2018, o Brasil produziu 51 milhões de sacas de café, o que correspondeu a cerca de 32% da produção mundial no período. O nosso café classe A é exportado para ser encapsulado e retorna para ser vendido em nossos supermercados por 4 a 5 vezes o preço do café exportado.
Adivinhem qual é a principal fonte econômica do Mercosul? Principalmente sua mais robusta economia que é o Brasil. Quem acredita que temos uma matriz industrial avançada e diversificada, está errado.
Todas as “Parcerias” da Europa
Segundo o site do Conselho Europeu (CE), órgão que reúne os Chefes de Estado e Governo do bloco comum, a UE tem acordo de livre comércio já vigente com o Japão e um tratado assinado com o Canadá, que ainda falta ser ratificado por alguns membros do bloco.
A UE pretende rever seu acordo com o Chile e está em conversações oficiais com México, Austrália e Nova Zelândia, Singapura e Vietnã. Houve uma tentativa de acordo de livre comércio entre UE e EUA, mas as conversações foram interrompidas devido à ascensão de Donald Trump. Lembrando que a própria União Europeia já é uma zona de livre circulação de capitais, bens e serviços de 28 países.
Porém, o Bloco estaria em negociações informais, segundo informações de Pequim, com a China. A proposta é ambiciosa: recriar a antiga Rota da Seda. Antes uma rota oficial, era o nome dado comumente as rotas em que os produtos vindos do Extremo-Oriente, onde seriam as atuais China e Índia, passando pelo médio oriente até alcançar os mercados europeus.
Portanto, seria uma integração entre China e Europa, abarcando Rússia e os demais países por onde as rotas passavam. O plano agrada muito os russos e os países pobres das estepes da Ásia Central, mas preocupa os europeus. Eles temem uma forte hegemonização das economias chinesa e russa.
Eu realmente não tenho domínio da matriz econômica de todos esses países. Mas a leitura do tratado em questão deixa claro e límpido que a União Europeia quer nossos produtos agrícolas.
Indústria: Calcanhar de Aquiles do Mercosul, Coração da União Europeia
Para que entre de fato em vigor, o tratado ainda precisa ser revisado juridicamente, as partes devem definir quais produtos serão isentos totalmente de taxação e quais serão apenas isentos parcialmente.
Resta ainda elaborar a versão final do tratado, que sejam lavradas as assinaturas formais dos blocos e de seus países membros e por fim, a retificação pelos Parlamentos nacionais (32 ao todo, boa parte destes são parlamentos bicamerais), para então entrar em vigor na data que for estipulada.
Segundo a Folha informou, a União Europeia cedeu em vários pontos, mais até do que o Mercosul: para não prejudicar seus agricultores, que ultimamente estão se alinhando com a Direita Eurocética, o bloco europeu estipulou cotas para certas CMDTs. Até essa quantidade, zero imposto. A partir disso, taxa.
Para proteger nossa rica eno-indústria (indústria do vinho), vinhos europeus não devem ser incluídos nos 90% de isenção total, mas nos 10% sem ou com pouca isenção. No entanto, sabemos bem que um bloco econômico que tem a primeira e a terceira maiores economias da América Latina (Brasil e Argentina respectivamente) viveria de vender vinhos ao mundo.
Apesar de setores das Classes Comandantes estarem comemorando, isso marca o fim de nossa indústria. Creio que a nossa incipiente indústria musical será a primeira a morrer. Quem conseguirá mais mercado: as marcas europeias com seus séculos de conhecimento ou as nacionais, cuja maioria não chega perto de décadas de experiência?
Hoje em dia, inclusive, é mais barato comprar algumas marcas importadas de suprimentos para instrumentos de corda do que as nacionais. Com um influxo maciço de dólares e euros entrando, o preço deles cai ainda mais. Ou seja, pra quê comprar o produto nacional se ele for mais caro e de qualidade inferior ao importado?
A consequência mais surpreendente disso foi o governo Brasileiro ter aceito permanecer no acordo do Clima de Paris, como condição para o pacto. Como consequências políticas para a Europa, espero um arrefecimento do Euroceticismo, além de um possível adiamento do Brexit. Será muito mais fácil para o Reino Unido permanecer no pacto europeu do que esperar mais 20 anos para negociar um acordo comercial com o Mercosul.
A Argentina já sofre deveras com o próprio Mercosul: produtos brasileiros são mais baratos e de melhor qualidade que seus concorrentes argentinos. Imaginem a Argentina, o Uruguai e o Paraguai tendo que competir com a indústria 4.0 Alemã. Os produtos mais consumidos não serão nem os nacionais e nem os importados do Brasil, mas os europeus.
Já sabemos o resultado de quem vence essa quebra de braços: Os “celeiros do mundo” ou o bloco que tem Alemanha, França, Reino Unido e Itália consigo? Voltaremos a ser “Repúblicas Bananeiras” com isso. A vida numa República Bananeira está a anos-luz de distância de uma capital centro-europeia.
Segundo dados do Ministério da Economia, o PIB brasileiro deve crescer entre 7 e 9% em quinze anos após a vigência do acordo. Além de ser uma estimativa de crescimento pífio, ela é muito duvidosa. Um crescimento de 9% em 15 anos vale o sacrifício da nossa indústria nacional?
Muitas pessoas consomem produtos europeus, mas melhor seria se o Brasil, com todo o potencial que tem, produzisse vários desses produtos, nos mesmos padrões de qualidade e por um preço mais justo. Para isso, o governo precisa investir no desenvolvimento de indústrias públicas e nacionais em vez de estabelecer acordos que levem a que nossa indústria não tenha capacidade técnica de competir com os produtos importados.
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