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BRASIL

Uma memória sobre Marta Harnecker

A educadora popular, escritora, psicóloga e jornalista chilena faleceu neste sábado, 15, aos 82 anos, devido a um cancro no cérebro

Valerio Arcary, colunista do Esquerda Online
Diario Digital Nuestro País / Venezuela

Estivemos juntos poucas vezes. A primeira, nos anos oitenta, quando ela organizou uma mesa redonda de entrevistas porque estava preparando um livro sobre a experiência do PT e, mesmo sabendo que eu era trotskista, ela foi encantadora. Hoje quero recordar outro episódio. Foi durante a abertura do primeiro congresso do PT, em 1991, nos antigos estúdios Vera Cruz de cinema, em São Bernardo do Campo (SP). Chegou a informação que a embaixada norte-americana tinha sido convidada pela Secretaria de Relações Internacionais do PT, e um representante da diplomacia dos EUA estava presente. Me lembro de ter consultado Markus Sokol sobre o que deveríamos fazer. Decidimos rápido. Era demais. Naquela ocasião eu era membro da Executiva Nacional do PT. Fui até a mesa da abertura, pedi uma questão de ordem, e informei o Congresso que estávamos diante de uma situação absurda. Não era possível começar o Congresso com a presença de um representante do imperialismo nas primeiras fileiras. Ele tinha que sair. Foi um “deus nos acuda”. As correntes da esquerda do PT que, naquela ocasião, defendiam como tese central a necessidade de uma campanha pelo “Fora Collor” correspondiam a 30% dos delegados. Éramos mais de 500 militantes. Nossos camaradas se levantaram e a plenos pulmões gritaram, incansáveis: “Cuba! Cuba! Cuba!”. A bancada da Articulação se dividiu sobre o que fazer. O Congresso foi interrompido para que a Articulação pudesse fazer uma Plenária. Umas duas horas depois voltaram. E exerceram a sua maioria e votaram a manutenção do convite.

Marta Harnecker se levantou e, na frente de toda a direção do PT, e para que todo o congresso pudesse ver, veio se sentar ao lado dos trotskistas.

Ganhou o meu respeito para sempre.

Marta Harnecker, presente!

 

 

Marta Harnecker (1937-2019)

(Publicado em Esquerda.Net, de Portugal)

  • Marta Harnecker nasceu em 1937 no Chile, tinha ascendência austríaca, estudou e licenciou-se em psicologia na Universidade Católica do Chile. Em 1962 obteve uma bolsa para fazer uma pós-graduação em França, onde estudou sob a orientação de Paul Ricoeur e Louis Althusser.
  • De volta ao seu país, em 1968, foi professora de Materialismo Histórico e Economia Política na Universidade do Chile e foi diretora do semanário político Chile Hoy.
  • Marta Harnecker foi ativista católica na sua juventude. Em França afastou-se do catolicismo e aderiu ao marxismo.
  • Participou ativamente no apoio ao Governo de Salvador Allende e após a derrubada deste, pelo golpe fascista de Augusto Pinochet, fugiu para Cuba, onde casou com Manuel Piñeiro, destacado dirigente cubano falecido em 1998 e de quem teve uma filha, Camila Piñeiro.
  • Vivendo em Cuba, esteve sempre muito ligada à luta da esquerda da América Latina.
  • Foi assessora do Governo de Cuba e, entre 2002 e 2006, foi conselheira de Hugo Chávez.
  • Casada em segundas núpcias com Michael Lebowitz, viveu os seus últimos anos entre Cuba e Canadá.
  • O seu livro Conceptos Elementales del Materialismo Histórico, escrito em 1969, já superou as 70 edições e é autora de mais de 80 livros, que foram base de formação de muitos militantes e ativistas da esquerda da América Latina.
Marcado como:
Marta Harnecker / pt