Pular para o conteúdo
Colunas

Rui Costa, lembra-te que és mortal, respeita a universidade

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

Contam os historiadores da antiguidade que nos ritos romanos em celebração a vitórias notáveis e guerras contra os estrangeiros, uma cerimônia se realizava para homenagear o comandante militar que tinha sido bem sucedido. Conhecida como Triumphus Romanus, o ritual servia para cobrir de louros o vir triumphalis (homem triunfador), que era revestido de glórias, com muita pompa e circunstância. Todavia, apenas se consideravam como feitos dignos aqueles voltados contra tropas estrangeiras, nunca contra escravos ou relativos a conflitos internos, algo que era comum na antiguidade e permaneceu existindo ao longo do séculos.

Reeleito para o governo da Bahia com quase 76% dos votos válidos, o petista Rui Costa comporta-se frente aos professores das universidades estaduais baianas, em greve há quase dois meses, como um todo poderoso general romano. Incapaz de negociar com os trabalhadores e com os estudantes, que debaixo de chuva e frio realizaram, esta semana, um acampamento na porta da Secretaria de Educação com expectativas de serem recebidos pelo secretário Jerônimo Rodrigues, o governador acredita que os sucessos eleitorais lhe conferem glória eterna, algo que preocupa dirigentes petistas, alguns dos quais já falam até em expulsão e se dizem empenhados em estabelecer rapidamente um diálogo entre o governo e os trabalhadores.

No momento em que as universidades brasileiras sofrem os maiores ataques da parte do governo federal, cujo ministro e presidente são os inimigos declarados da educação, sobre a qual já criaram o caos, impondo cortes orçamentários superiores a 30%, o que se imaginava é que o governador petista fizesse diferente. Mas este não parece ser o caso, pois Rui Costa não apenas se nega a negociar com os grevistas, como também já impôs um corte de dois meses de salário referente aos dias parados. Por conta disso, o que se diz entre os mais de quatro mil docentes e os quase 50 mil estudantes em greve é que Rui Costa se comporta como um verdadeiro bolsonarista da Bahia, ao menos no que tange à sua relação com a universidade.

As universidades viraram o alvo preferencial de governantes sem nenhuma sensibilidade para com a educação e nenhuma compreensão sobre o que vem a ser a ciência. Se o governo de Bolsonaro tem se notabilizado pela ignorância e por desmerecer pesquisas sérias, como foi o caso recente ocorrido com uma investigação sobre o uso de drogas feito pela Fiocruz, quando o governo, através do ministro da Cidadania Osmar Terra, vetou a divulgação do resultado, o que ressalta uma característica que faz lembrar o anticientificismo da Alemanha nazista, na Bahia, o governador Rui Costa, que não nos parece ser efetivamente um bolsonarista, embora, neste caso, aja como tal, evoca os supostos altos salários e a carga-horária em sala de aula para dizer que os professores trabalham pouco e ganham muito. Desconhece o governador que a universidade pública é fundada no tripé ensino, pesquisa e extensão, de onde saem 95% da ciência do país, ou então faz de conta que é um sem noção e alguém que despreza o conhecimento e a informação.

As quatro universidades estaduais baianas, ao longo de sua importante história, são as responsáveis pela interiorização do ensino público superior no estado. Presente em cerca de três dezenas de municípios, e atendendo a pequenas e médias cidades, além de povoados que ficam no entorno das suas sedes, a UNEB, UEFS, UESB e UESC são um patrimônio da Bahia, um importante e inestimável fator de desenvolvimento do estado, cumprindo um prestimoso papel no país.

Ao longo da história, quando não eram derrotados por exércitos inimigos ou por adversários políticos, governantes autoritários ou incapazes de dialogar com suas populações, sucumbiram pela soberba diante de governados que, com frequência, se revoltaram, depuseram tiranos e maus governos. Para os que ignoram a história e desdenham do destino reservado aos inimigos dos trabalhadores e do povo, convém recordar a Rui Costa, mas também a Bolsonaro, que no Triumphus Romanus a prudência recomendava que ao lado do general laureado se pusesse sempre um escravo a lhe soprar no ouvido: memento mori (lembra-te que és mortal).

Rui Costa, como Bolsonaro, preparam um caminho para a derrota dos seus governos por não serem capazes, entre outras coisas, de lidar com o conhecimento, a inteligência e a informação. As universidades, que não existiam na Roma antiga, pois são uma invenção da Idade Média, foram sempre fundamentais na história dos povos, contribuindo para o desenvolvimento, ou para a superação do atraso, representado, por vezes, em tiranos que sequer sabiam da própria mortalidade.

Marcado como:
bahia / rui costa