O Dia do Meio Ambiente no Brasil é só mais um dia. Tendo em vista nosso histórico de explorações estrangeiras e o direcionamento para uma crise climática cataclísmica, não temos nada o que comemorar por aqui, especialmente neste 05 de junho de 2019. Embora faça tempo que os ambientalistas e pesquisadores alertem para a necessidade da rigidez das leis ambientais e alteração nos modos de produção, desde o começo do ano a entrega dos recursos naturais vem a passos (mais) largos. Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de afrouxar as leis ambientais em nome do “desenvolvimento”. Isso já é assustador o bastante, tendo em vista que há séculos vemos que a relação entre a natureza e o capitalismo é desastrosa e que a ciência econômica dominante foi construída de forma a ocultar a crise ecológica. Vindo de um presidente que refuta a ciência, ataca a pesquisa e baseia seus decretos na sua leiga opinião, esse quadro é pior ainda.
O ministro e o Ministério
As idas e vindas típicas de Bolsonaro puseram em dúvida a permanência do Ministério do Meio Ambiente. Embora ainda exista, o MMA perdeu sua força e seu poder: o Serviço Florestal Brasileiro por exemplo, foi estrategicamente entregue para o Ministério da Agricultura. O SFB é comandado por um ruralista, Valdir Colatto (MDB-SC), que já criticou o percentual de áreas verdes em propriedades rurais e criou projetos que regulamentam a caça de animais silvestres e alterações nas demarcações de terras indígenas.
Um dos primeiros capítulos desse legado de destruição ambiental foi a nomeação de quem iria chefiar os trabalhos da pasta do Meio Ambiente: Ricardo Salles. Ele foi Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo durante o governo Geraldo Alckmin (2016), embora afastado por uma série de inquéritos por improbidade administrativa. Em um dos inquéritos, Salles foi investigado por realizar chamamento público, sem autorização legislativa, para a concessão ou venda de 34 áreas do Instituto Florestal. Também foi investigado por alterar o zoneamento de áreas de interesse da FIESP a fim de tornar áreas protegidas mais permissivas e por dar andamento à negociação de um imóvel que abriga o Instituto Geológico em São Paulo, mesmo havendo parecer jurídico contrário. O atual ministro foi condenado por fraudar o processo de elaboração do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental Várzea do Rio Tietê, que tem 7.400 hectares e abrange 12 municípios. Visivelmente, todos esses inquéritos têm o mesmo caráter: o da íntima relação com os setores hegemônicos de produção, que não têm quaisquer compromissos com a natureza. O Tribunal de Contas da União abriu um processo para investigar se a política ambiental do país está comprometendo a fiscalização e a prevenção do desmatamento ilegal.
O ministro visa usar o Fundo Amazônia (principal fundo de proteção da floresta amazônica, de aproximadamente 3 bilhões de reais) para indenizar pessoas desapropriadas de áreas de preservação. Porém, Salles veio a público comunicar essa alteração sem comunicar os países financiadores, Alemanha e Noruega, que anunciaram a possibilidade do cancelamento do Fundo, doado unicamente para a preservação objetiva da floresta.
Órgãos fiscalizadores
Em um evento do agronegócio em Ribeirão Preto, Bolsonaro declarou que vai “fazer a limpa” no Ibama e no ICMBio, que são responsáveis pela execução da política nacional de meio ambiente e por fiscalizar as unidades de conservação federais, respectivamente. Realmente, o número de multas aplicadas pelo Ibama desde janeiro foi o mais baixo em 11 anos. Depois que o ministro da Agricultura repudiou os fiscais que inutilizavam utensílios usados por criminosos para o desmatamento ilegal, não há registro de sequer um equipamento inutilizado desde o começo do ano, mesmo que esse procedimento seja autorizado. É fácil pensar que os fiscais foram instruídos a não destruírem tais equipamentos, mas possivelmente o fato de agora o Ibama avisar onde fiscais vão reprimir crimes ambientais seja fator favorável aos criminosos que não querem ser flagrados. Qual criminoso ficaria esperando, no local do crime, a fiscalização?
O ICMBio, responsável por fiscalizar e gerir unidades de conservação ambiental, além de executar programas de pesquisa e de conservação da biodiversidade, teve seus antigos diretores afastados e substituídos por membros da Polícia Militar. A exoneração do quarto diretor do ICMBio, bem como a nomeação dos PMs, foram anunciados por Ricardo Salles pelo Twitter. O instituto também é responsável por monitorar o uso público e exploração econômica dos recursos naturais nas unidades de conservação e aplicar penalidades aos responsáveis pelo não cumprimento das medidas necessárias à preservação. Mesmo incentivando cegamente o uso de armas de fogo pela população, Bolsonaro quer desarmar os fiscais ambientais e armar mais ainda os proprietários rurais. Resumidamente, isso significa abrir caminhos para que o setor hegemônico e privado cometa os mesmos crimes contra a vida que sempre cometeram, só que agora dentro da legalidade. O intencional e exacerbado beneficiamento do setor ruralista em detrimento dos direitos é cada vez mais evidente.
Estação Ecológica de Tamoios
Há poucas semanas veio a público a polêmica da Estação Ecológica de Tamoios. Uma Estação Ecológica é considerada o ponto mais alto na hierarquia das áreas de preservação. Consiste numa área que não pode sofrer quaisquer tipos de alterações ou perturbações de origem antrópica e permitem a entrada exclusivamente de pesquisadores. A Esec Tamoios ocupa apenas 5% da Baía de Ilha Grande e abriga e serve de berçário a uma grande diversidade de espécies marinhas, além de preservar espécies ameaçadas e garantir a rota migratória de alguns animais. Ali existe um ecossistema que não pode ser encontrado em outro lugar. Bolsonaro, porém, desprovido de laudo técnico, alegou que Tamoios “não preserva absolutamente nada” e a chamou de “Cancun brasileira”, na clara intenção de transformá-la em pólo turístico.
As atividades turísticas litorâneas somadas à atividade das embarcações caracterizam o maior agente poluidor dos oceanos. O assoalho oceânico é coberto por microplásticos, que são restos de plástico que coexistem e, infelizmente, já interagem com as formas de vida presentes no fundo do mar. Porém, essa coexistência tende a aumentar até 2050, quando se estima que a massa de plástico nos oceanos será maior que a biomassa marinha.
Há quem possa pensar que preservação não é importante e que somos animais não dependentes de uma Estação Ecológica no meio do Atlântico, mas cabe lembrar que preservar a vida marinha é mais do que essencial para a preservação da nossa vida. Denotando o caráter de classe da crise ambiental, o primeiro afetado será o pescador que ganha sua vida com a pesca naquela região. Mas, sozinha, a mortandade dos seres produtores dos oceanos já põe na ponta do abismo a manutenção de toda a vida no planeta. Não apenas porque sustentam a cadeia alimentar da qual fazemos parte, mas também porque eles produzem a maior parte do oxigênio que respiramos.
As polêmicas de Bolsonaro com Tamoios não são novidade. Em 2012, o atual presidente foi multado por pesca ilegal, depois de flagrado com varas de pescar e recipientes para peixes na Esec Tamoios por José Augusto Morelli, então chefe do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental. Em 2018, a superintendência do Ibama no Rio anulou a multa e, em março de 2019, Morelli foi afastado de seu cargo.
Desmatamento e agronegócio
O Código Florestal é o centro de uma polêmica atual. Bolsonaro visa flexibilizá-lo e, para isso, tem reunido com representantes do setor ruralista e com a ministra da Agricultura, Teresa Cristina. O novo texto será publicado pelo governo e, dentre outras medidas, prorroga a adesão do prazo de produtores ao Programa de Regularização Ambiental e muda o artigo 68 do Código, que vai permitir que os produtores que desmataram mais do que os valores da reserva legal, até os anos respectivos da nova redação da lei, serão isentos de adequação.
As Reservas Legais são áreas de propriedades rurais que não podem ser desmatadas e Flávio Bolsonaro criou um PL que defende o fim delas. Ao todo, isso corresponde a uma área maior que o estado do Amazonas, de 167 milhões de hectares, correspondente a 30% da vegetação do Brasil que corre o risco de ser destruída pelos interesses do setor ruralista.
Quando há o desmatamento, mesmo que para plantar outros tipos de cultivo, se retira o habitat de espécies nativas. Um ecossistema existe porque, naquele lugar, existem condições ideais de temperatura, de solo, de vegetação, possibilidade de alimentação e refúgio para determinadas populações. Quando um componente desse complexo sistema não anda na normalidade, toda a manutenção da vida que existe ali está ameaçada. Não é por acaso que da década de 70 pra cá não perdemos apenas as árvores nativas do Cerrado, mas sim 50% de todo um bioma Cerrado, dotado de inúmeras formas de vida que foram simplesmente varridas para dar lugar às vastas plantações de soja da família Maggi, do ex ministro Blairo Maggi. Essa mesma soja alimenta a população de gado criado no Brasil que atualmente é maior que a população brasileira.
O setor ruralista se firma na antiga construção do pilar econômico do Brasil (agronegócio), logo permitir que as leis que protegem o meio ambiente sejam rígidas não é de seu interesse. Existem produções agroecológicas que preservam a biodiversidade, mas essas jamais conseguiriam ser as formas padrão de produção com o poder das corporações em conjunto com a venda escancarada de royalties, que estão enchendo os bolsos “certos”. Esse é um grande motivo para que nossa política seja combater as estruturas do sistema de produção capitalista, não a senhora que está escovando seus dentes com a torneira aberta.
A expansão do agronegócio ampliou a liberação de 166 tipos de agrotóxicos, do dia 1º de janeiro até 30 de abril de 2019. Isso é 42% a mais do que no mesmo período em 2018. Você pode até ouvir que se não for feito o uso de agrotóxicos nessas imensas monoculturas, as pragas vão tomar conta, o que não deixa de ser verdade. Mas o que esse setor não diz muito por aí é o resto da verdade e por quê ela acontece.
Quando se cultiva uma planta em um local onde ela não é nativa, é muito provável que ela seja vítima de patógenos (pragas) nativas dessa região. O uso de agrotóxicos vai matar a maioria dessas pragas (e vai matar também os animais que as predam), mas umas mais resistentes vão persistir e vão se reproduzir, até que será necessário o uso de um agrotóxico mais potente para conter as pragas mais resistentes. E esse ciclo não tem fim. O custo disso é a contaminação dos produtores (os primeiros a apresentarem sintomas de contaminação e, inclusive, câncer), do solo, dos animais e da vegetação em um raio de muitos quilômetros, do ar atmosférico, do lençol freático, das águas dos rios e até dos oceanos, onde residem os corais, que já sofrem branqueamento devido à contaminação por agrotóxicos.
O desmatamento causado pelo avanço da pecuária e a concentração de rebanhos, bem como a exploração de combustíveis fósseis, liberam enormes quantidades de gases do efeito estufa (GEEs) na atmosfera. O efeito estufa é um mecanismo essencial para a vida no planeta, mas o aquecimento global de origem antrópica vem causando diversos desequilíbrios climáticos ao redor do mundo. Porém os grandes investidores e apoiadores de Bolsonaro são, justamente, produtores rurais e donos de empresas de mineração, por exemplo. Naturalmente, o atual governo quase tirou o Brasil do Acordo de Paris e vem promovendo o desmantelamento da política climática: cortou 95% da verba destinada à essa política.
Terras indígenas
Jair Bolsonaro é conhecido, também, por atacar violentamente os direitos dos povos originários. O índios têm longas histórias no manejo de recursos naturais de maneira sustentável e as terras que os pertence são, por lei, preservadas e não podem ser vendidas. Os ataques à população indígena, que acontece há 519 anos, vem ganhando o tom de “massacre à luz do dia” novamente. Jair Bolsonaro já havia declarado que “não sobraria sequer 1 cm de terra para os indígenas”. A sua política armamentista ameaça muitas comunidades que estão no caminho dos latifúndios e são alvo das práticas tradicionais dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e jagunços de matar sem deixar rastros. O que poderia acontecer com uma comunidade que resiste longe dos olhos da civilização urbana?
Tragédias ambientais?
A nível mundial, atravessamos uma crise ecológica insustentável e essa crise tem caráter de classe. A poluição causada pelas indústrias, a exploração dos recursos não renováveis e o desmatamento chegaram ao ponto de conseguirem alterar a nossa relação com a atmosfera. Esse desequilíbrio tem causado uma série de eventos caracterizados por fortes chuvas, furacões, enchentes, que vão atingir principalmente os mais pobres.
Da mesma forma que o consumo não é dividido de forma igual, os impactos ambientais também não são. Quem mora em áreas ribeirinhas sofre com as cheias e a poluição dos rios os faz perder sua forma de sustento. Os furacões podem até destelhar mansões, mas são os pobres que vão ficar alojados em ginásios depois de perder absolutamente tudo e sem perspectivas práticas de recomeçar. Países do terceiro mundo não recebem a mesma ajuda humanitária que habitantes de países desenvolvidos que são vítimas de desastres semelhantes. Enquanto a populações de Mariana e Brumadinho e de todo área dependendo do Rio São Francisco sofrem a longo prazo com as doenças causadas pela ingestão de rejeitos de minério, os donos da Vale estão livres e sem quaisquer problemas de saúde por ingerir água contaminada. Ao redor do mundo, os que deveriam estar presos por crimes contra a humanidade são os mesmos que carregam as chaves da prisão.
Ao mesmo tempo que combatemos a política de Bolsonaro, devemos fazer ruir os pilares que sustentam a devastação dos biomas do Brasil, pois a crise ecológica é a principal amostra do esgotamento do sistema capitalista. Para sua sustentação, informações são omitidas ou censuradas e mentiras viram verdades. A crescente criminalização dos ambientalistas, dos indígenas e de movimentos sociais (como o MST, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina) é uma estratégia rasteira, porém muito bem financiada pelo governo para que a luta ambiental fique estagnada por pressão social e receio a represálias. O Brasil é o país que mais mata ambientalistas no mundo.
A transformação dos crimes ambientais em “tragédias”, retirando dos agentes políticos públicos privados a responsabilidade sobre elas, o ataque à pesquisa, à educação, ao conhecimento e à ciência como um todo, aportando no negacionismo seu argumento, é parte da política de destruição das referências para o debate ambiental no país. A pauta ambiental é muito além do debate de preservação, é um debate de condições de preservação da vida.
*Layla Rossini Gonçalves é estudante da PUC-RS
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