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BRASIL

Da invisibilidade social ao direito de existir

Solange Massari*
EBC

São Paulo – Pessoas em situação de rua na Praça da Sé, região central.(Rovena Rosa/Agência Brasil)

Falar da invisibilidade social é falar da neurose de um setor da sociedade que busca mecanismos para discriminar pessoas até que fiquem invisíveis para a sociedade. Seja por meio dos preconceitos estéticos, pela cultura, pelo meio que buscam sobreviver ou por onde residem. São tratadas como seres imperceptíveis, mesmo que sua existência seja de grande valia econômica, ambiental e social.

Quem nunca cruzou com pessoas simplesmente vagando pelas ruas sem rumo? Ou de manhã, indo para o trabalho e num rápido olhar, depara-se com dezenas de pessoas num pequeno espaço recolhendo cobertores e alguns pertences? Ou com homens puxando carroças com material reciclado e seus cães ao lado?

Esses são os invisíveis sociais, que para muitos não são vistos e para outros apenas atrapalham ou sujam a paisagem.

O sofrimento na invisibilidade social é cruel. O frio intenso das noites geladas nas calçadas, o calor sufocante nas praças, a fome que bate cedo todos os dias, o corpo que clama por um banho quente, o olhar procurando apenas um sorriso. Tudo tão simples e normal para uma grande parcela da sociedade, e contraditoriamente sofrível para uma população de mais de 100 mil pessoas em todo Brasil, segundo pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, com base em dados de 2015. Os invisíveis sociais permanecem num lugar dentro da sociedade que os privam de tudo, colocando-os em situação de vulnerabilidade, haja vista a fragilidade e a incapacidade de se defenderem das adversidades do cotidiano. Quando o fazem, são rotulados de “marginais”, “bandidos”, “alcoólatras”, “vagabundos”, “sujos e fedorentos”, ou seja, ao tornarem–se visíveis, suas vidas são transformadas em pessoas selvagens e sem condições de viver e conviver em sociedade, a mesma que os empurra para essa situação.

A vida de um ser social invisível vale quanto? Para muitos, não há valor algum, nem quando vivem e nem quando morrem. Matar uma pessoa nessa situação geralmente remete a segunda morte. A morte da sua humanidade. Sempre há uma desculpa moral para legitimar a morte.

Quem não se lembra do índio Galdino? Em 20 de abril de 1997, cinco jovens de classe média atearam fogo no cacique do povo pataxó-hã-hã-hãe, que dormia no banco da parada de ônibus da 704 Sul. A justificativa pelo assassinato foi a frase “pensávamos que era um mendigo”. Pergunto: e se fosse, então não haveria problemas?

Em Maio deste ano, uma jovem foi morta na Região da Luz, conhecida como “Cracolândia”, com um tiro na boca, e tombou às 14h30 do dia 09 de Maio de 2019. Dois dias depois, foi morta moralmente quando um jornal a colocou como sendo chefe de uma facção criminosa. Que alivio, muitos pensam, uma a menos. Assim como em Santo André, Sebastião, um humildade carroceiro, teve seu corpo caído no chão após ser assassinado a tiros, no dia 11 de maio de 2019. Seu algoz? Um empresário que chega em uma Mercedes e se dá o direito de ceifar essa vida.

É uma triste realidade, porém quando há uma normalização e uma falta de indignação por parte da sociedade a desigualdade social se faz presente.

Se observamos atentamente no nosso caminhar cotidiano, se nos despirmos por alguns minutos dos celulares, veremos um contingente enorme de pessoas perambulando pelas ruas, sem rumo, sem projetos de vida, sem perspectivas, apenas esperando uma mísera esmola de alguém que o faz de maneira muitas vezes automática, sem olhar nos olhos, sem desejar uma boa alimentação ou boa sorte. O estigma social é forte contra essa massa populacional, por isso mantê-los na invisibilidade é confortante para muitos.

No entanto, há uma parcela da sociedade que os enxergam para além dos corpos maltrapilhos, e tem como proposta compreender a representação deste ser invisível na organização social capitalista, que visa isentar a sociedade da produção e da reprodução da desigualdade social.

Essa parcela da sociedade que faz a leitura social e, a partir dela, compreende a questão social no seu âmago, são os que se colocam como Defensores dos Direitos Humanos, buscando não fragmentar as estratégias de enfrentamento e, tampouco, combater a pobreza por intermédio da repressão policial, mas possibilitar meios que os tornem visíveis, que tenham voz e, mesmo após sua morte, sua memória seja preservada sem falso moralismo. O direito de existir é um Direito Humano. Quando uma criança cresce num meio hostil e sem acesso e torna-se um adulto sem direito à moradia, escola, saúde, lazer cultura, é possível afirmar que somos responsáveis por essa situação e que a omissão do Estado os tornou órfãos.

Destarte, é preciso que mudanças estruturais sejam efetivadas de fato e que os invisíveis deixem essa condição, além de que a sociedade compreenda o significado real do que são os Direitos Humanos, pois são para todos os humanos.

 

*Prof. Me. Solange Massari, assistente social, mestre em serviço social, especialista em psicopedagogia, membra do Fórum Municipal de Educação de Santo André e da Frente Regional Enfrentamento Violência contra Mulheres