Para governar, é preciso descer do palanque (parte 2)

Marco Antonio Monteiro Coutinho, de Niterói, RJ
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Jair Bolsonaro, na transmissão de posse

O presidente eleito pretende criminalizar o MST e o MTST, tipificando-os como “terroristas”. É preciso esclarecer que todas as ocupações feitas por esses dois movimentos legítimos têm o principal objetivo de “provocar” o poder judiciário – pois somente assim ele pode vir a atuar – para cumprir o que está expresso em nossa Constituição. É bom lembrar também, para os que desconhecem a atuação desses movimentos, que todas as ações de ocupações são precedidas de minucioso planejamento, organização e distribuição de diversas funções, como, limpeza, segurança, apoio jurídico e alimentação. Deveriam saber que são providenciados os cadastros dessas famílias junto aos órgãos, estaduais e federais, responsáveis em promover o acompanhamento de todo o processo de desapropriação do imóvel, assim como o assentamento de todas as famílias envolvidas na ocupação. 

Esses dois importantes movimentos organizados da sociedade têm como um de seus principais objetivos acelerar os processos de desapropriação de imóveis rurais e urbanos, previstos na Constituição Federal nos artigos 5 e 182 a 191, que devem ser feitos pelo governo central, através do INCRA e com apoio do governo estadual envolvido.

Esses movimentos, o MST e o MTST, assim como os demais, são legítimos e estão amparados por leis e pela Constituição Federal. É lamentável que o presidente eleito, que deveria governar observando a Constituição e todos os trâmites previstos na legislação, insista, com este discurso de palanque de campanha, em criminalizar, destruir esses Movimentos e colocar a população contra eles.

Vivemos tempos sombrios! Presenciamos pessoas que tiveram oportunidade em suas vidas e em vez de serem solidárias, se colocam a favor dessas ameaças, feitas pelo presidente eleito, de negar um pedaço de terra ou um teto para famílias sobreviverem honestamente, plantando, produzindo e gerando renda. Algo de muito podre está brotando nesta sociedade, quando se planta ódio.

Esse preconceito de classe e o ódio aos pobres e negros impede políticas importantes para reduzir as grandes desigualdades sociais. Impede de avançar em nossa dimensão social, de enxergar esses graves problemas estruturais a partir de princípios humanitários e de um plano mais abrangente em direção a nossa emancipação social e política. Ele se potencializa dentro de nós. Nos faz mal. Somente nos libertamos quando o projeto que defendemos, tenha capacidade de emancipar econômica e socialmente os oprimidos e os mais pobres. Para isto se materializar é mais importante lutarmos pelo que acreditamos do que combater o que odiamos!

Um dos maiores preconceitos em nosso país é o ódio a pobres e negros; é a xenofobia contra os nordestinos e outras regiões periféricas e mais pobres. Mais de um quarto (26,5%) da população brasileira vive abaixo da linha de pobreza, com renda domiciliar por pessoa inferior a R$ 406 por mês. No Nordeste, este percentual salta para 44,8% da população. (Fonte: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2018).

Para o sistema capitalista, a única globalização bem-vinda é dos mercados e do capital; a globalização social para combater a pobreza e miséria no mundo, essa não interessa, só causa problemas para seus projetos de concentração de riqueza e acumulação de capitais.

Para seus ideólogos neoliberais, o africano deve morrer de fome lá na África; no meu país não! Para isso, basta levantar muros, cercas e o braço armado de seus exércitos.

A sociedade organizada precisa se posicionar contra as barbaridades proclamadas por Bolsonaro durante as eleições e concretizadas nos primeiros três meses de seu (des) governo, caso contrário, a miséria e violência só tendem a aumentar. A Previdência Social, o SUS, a educação pública, o MST e o MTST, devem ser tratados como solução, e não como problema!

É preciso frear a entrega de nossas principais jazidas de petróleo para nossos concorrentes. Não podemos nos calar frente a entrega de nossos mais importantes e valiosos ativos públicos para empresas e grandes grupos transnacionais. Riqueza natural com potencial de contribuir para um melhor futuro econômico para o país nas próximas décadas e beneficiar nossos próprios filhos e netos. Por ignorância, ódio de classe e estupidez, de uma fração conservadora e retrógrada de nossa sociedade, vão servir para beneficiar e enriquecer ainda mais os países mais desenvolvidos! Manter a PETROBRAS nas mãos do governo brasileiro e a PDVSA nas mãos do governo venezuelano é fundamental para a saudável concorrência internacional e consequente manutenção e mesmo redução da cotação internacional dos preços do barril de petróleo e de seus principais derivados como a gasolina, óleo diesel, querosene, gás natural e muitos outros produtos essenciais para nossa sobrevivência.

Não estamos passando apenas por mais uma crise cíclica capitalista, vivemos uma crise estrutural do capital. O capital fictício financeiro avança sem o menor escrúpulo sobre o capital industrial produtor de mercadorias. Os capitalistas, nacionais e internacionais, para manter ou recuperar suas taxas de lucros perdidas com a grande crise desencadeada em 2008 nos EUA e que se espalhou para o resto do mundo, avança também sobre direitos sociais e trabalhistas conquistados pelos trabalhadores durante décadas de luta e mobilização. A luta de classes se polarizou; e não é mais uma disputa somente entre capitalistas e trabalhadores. O grande capitalista financeiro, através de corporações transnacionais e se utilizando de gigantesco volume de capitais acumulados, esmaga e elimina, através da concorrência desigual, os capitalistas com menores concentração de volumes de capitais. É o capitalista sendo coveiro do capitalista.

E como bem destacava o filósofo húngaro István Mészáros, não vivemos apenas mais uma crise econômica qualquer, estamos vivendo uma grave crise estrutural do capital; estamos vivendo uma crise de civilização! Essa onda conservadora e ultraliberal; essa crise ética e política, pode demorar para ser superada. Talvez tenhamos que enfrentar experiências bem mais duras para todos nós.

O grande desafio da esquerda e dos movimentos populares organizados é manter a resistência e avançar na luta de classes para manter nossas conquistas históricas, impedir a entrega de nossos principais ativos, como Petrobras, Banco do Brasil, CEF, Eletrobras e nossos principais serviços públicos, como SUS, Previdência Social e nossas Universidades que são as principais fontes de conhecimento, pesquisa, produção de ciência e tecnologia, assim como o desenvolvimento de pensamento crítico, fator fundamental para atingirmos níveis de desenvolvimento e crescimento econômico e social para combater nossas grandes desigualdades sociais.

É preciso não abrir mão de nosso projeto socialista rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Só conseguiremos avançar em nosso projeto de uma sociedade melhor para a maioria da população quando tivermos clareza que é imprescindível superar esta sociedade decadente e subjugada pelo violento e delirante fetichismo em torno da acumulação de capitais.

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Para governar, é preciso descer do palanque